Chiquinho Zanzibar e o poderoso becão (por Alva Benigno)

ALVA BENIGNO GREEN NOVO

Depois de uma noite diferente, uma madrugada e uma alvorada diferentes, Chiquinho Zanzibar era outra pessoa, ao menos temporariamente. A patroa havia viajado com amigas para um cruzeiro de alguns dias. Estava sozinho em seu apartamento, com seu indefectível robe grená, sem a utópica fúria uterina de sempre.

Bem cedo, colocou a ração para Pompom, o gato (animal) de estimação. Tomou uma ducha quente e sequer pensou no amor que não ousa dizer seu nome, mesmo quando a água brava bateu em suas costas com vigor. Desprezou por completo seus delírios homoeróticos.

Botou a roupa, espiou o computador e imediatamente bloqueou uma subcelebridade tricolor que lhe mandara uma mensagem pela rede social Facebook. A pessoa em questão lhe pareceu pernóstica demais na abordagem, e mais feia do que a queda de um precipício. Ali, por um instante, Oscar Wilde lhe cochichou “Esse é um bofe de sexta divisão”. O preconceito é um grande campeão.

Saiu e foi caminhar na orla de Copacabana, seu lazer constante, onde sempre estava de olho em bíceps e peitorais. Ou velhos amigos reacionários, dos bons tempos da aliança renovadora, da redentora e de boas oportunidades. Bateu-lhe a saudade dos velhos empregos fantasmagóricos, bem antes do Estado Mínimo. E, curiosamente, a vontade de ir ao jogo do Flu em Brasília.

Com todos os seus intermináveis erros e desvios de caráter, sempre fora um tricolor. Nunca tirou os olhos dos juvenis e vibrou a mil com os aspirantes. Era Fluminense de corpo conhecido e alma sacana, pois. E daí com os pobres do avião, com a gentinha da arquibancada, com a falta de luxo? A vontade em segundos parecia-lhe um verdadeiro tesão; no entanto, faltava-lhe o essencial para o jogo em Brasília, sua pátria amada: três mil reais de bobeira em sua conta corrente.

Não lamentou. Perto do Posto 4, parou e olhou fixamente para o mar e o horizonte, a ponto de desprezar um garotão suado que acabara de passar correndo a seu lado. Era um dia diferente. Tudo estava diferente. Estava completamente desinteressado em ir à sauna do clube em busca de um papo gostoso. Resolveu tomar um táxi.

Foi para um café do Rio Design Center. Pediu um suco, folheou uma revista à mesa, sorriu e se calou. Por um dia na vida, não era apenas um depravado, um lambe-saco da ditadura com vida financeira à míngua. Só pensava em Fluminense, Fluminense Fluminense! No peito dos reacionários também bate um coração. Cerca de meia hora depois, entre silêncios e pensamentos, mais outro suco, fechou a conta, pediu novo táxi e retornou para casa.

Cinco quilômetros sem raiva de pobres, sem nariz empinado para negros, sem ódio a homoafetivos assumidos. Nenhum copo de cólera dedicado aos sofridos moradores de rua, que andam morrendo demais nas calçadas geladas. E nenhum “Viva Cunha redentor!”, “Maluf faz”, sequer a velha frase de Charlie, seu amigo mercenário estadunidense que antigamente trazia mil muambas paraguaias e passava meses na praia: “Sárnei is bon pessoa“. Nada de apologias ao Doi-Codi, à Scuderie Le Coq, a Mariel e Sivuca. Nenhuma louvação a Castor, Anísio e o Doutor Roberto. Algo literariamente perturbador. Um novo homem, mas até quando? Como explicar essa transformação súbita? Até na velha geral do Maracanã pensou, quase suspirando. Não se enganem: não era o arrependimento no ballet da morte, comum entre os escroques, mas tão somente uma tarde diferente.

Ao chegar em casa e ver Pompom roncando, foi para o quarto, tirou as vestes, colocou o tradicional robe grená. Era o meio da tarde. Ligou a gatonet e passava um show esperto de Stevie Wonder, com sua fenomenal banda de black music. O sorriso no rosto espantaria qualquer um dos que com ele têm convivido. Chegou a cantar “My cherie amour” e “Superstition”. Que diabos era aquilo? Nada que lhe levasse a pensar na saudosa Alaska, a galeria do amor cantada por Agnaldo Timóteo, onde gente que é gente se entende.

A grana curta, a diarista já tinha ido embora e o frio era um verdadeiro calmante de Pompom. Chiquinho foi ao computador e viu que outro homem muito feio havia lhe pedido amizade no Facebook. Deu de ombros. Voltou à sala e, sozinho, gritou “Eu quero falar com o Arthur agora! Frankenstein é o cacete!”

Na gaveta da escrivaninha, considerável quantidade de erva da boa e uma seda de alta responsabilidade. Pegou um naco firme e começou a enrolar. Na fria tarde de quinta-feira, se ver o Flu ao vivo era impossível, o jeito era fazer o pré-jogo em casa, antes só do que mal acompanhado. Definitivamente enrolado, o poderoso becão era a certeza de um bom presságio para o jogo de mais. Acender e flutuar sem tossir nem cafungar, tudo para não parecer com o belo crápula de cabelos prateados.

Fumou mas não tragou. Gargalhou. Pensou na piada hipócrita. A essência chiquínica estava à vida. A fumaça da boa maconha era seu esplendor e ribalta num teatro solitário Toda unanimidade é burra, já disse o melhor dramaturgo. Depois mandou tudo à merda, apertou firme e começou sua intensa torcida pelo Tricolor numa jornada difícil. Liberdade pra dentro da cabeça, salve o Tricolor.

Num súbito, Pompom miou. A tarde ainda seria glória, tensão e estranheza. Mas certas coisas nunca mudam: encaixado o LP na vitrola, a agulha vociferou “Ai, ai, ai, ai aiiiii!” – Ney Matogrosso e seu vocal inconfundível para a letra de Rita Lee em “Bandido Corazón”.

“Arthur” era o apelido dos cigarros de maconha entre os estudantes da Uerj entre os anos 1980 e 1990.

Panorama Tricolor

@PanoramaTri

Imagem: alva

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flu corinthians

2 Comments

  1. Quem é o Chiquinho Zanzibar? Por acaso seu nome é Márcio? ST

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