Cano: retrato de um gol imortal (por Paulo-Roberto Andel)

Em pouquíssimo tempo, o centroavante argentino Germán Cano conquistou o coração da torcida do Fluminense. Fez uma temporada fantástica em 2022, com mais de 40 gols e, dentro dela os gols decisivos que não somente levaram o Flu à final do Campeonato Carioca, mas também a conquistá-lo depois de dez anos.

O Fluminense teve um início tíbio em 2023, e Cano demorou a marcar. Num pulo, acertou três gols contra o Audax e mais dois neste domingo, no clássico contra o Vasco da Gama. Mas não foram dois gols quaisquer.

No primeiro, o artilheiro libertou o Fluminense de uma pressão que vinha sofrendo desde o começo da partida, com o Vasco melhor e o Tricolor tendo o goleiro Fábio como o melhor em campo, em sua atuação mais convincente com a camisa imortal, longe das muitas falhas de 2022. Quando recebeu o cruzamento, Cano já bateu olhando, definindo o rumo da bola que ganhou as redes. Mudou a história do jogo para sempre: o Vasco nunca mais se recuperou do 1 a 0, embora tentasse.

Num jogo tenso, de casa lotada, os 30% de tricolores gritavam a plenos pulmões, calando 70% de vascaínos, só que a vantagem era tímida e perigosa. Um gol era pouco. O Fluminense tentou, o Vasco também, até que o fim da partida desvelou o lance mais bonito deste ano no estádio e no país. Antes de chegar à bola, Cano já tinha visto o goleiro Léo Jardim adiantado. Bateu convicto, para marcar. A bola cumpriu o desenho de curva simétrica maravilhosa: ganhou o céu e desceu feito uma bala de canhão na rede defendida pelo Vasco. Desesperado, o arqueiro vascaíno lá voou em vão: estava consagrado o gol de placa no clássico e a vitória tricolor, inesperada até a feitura dos gols mas plenamente justificada depois deles.

À essa altura, na manhãzinha de segunda-feira, o segundo gol de Cano ganhou o mundo inteiro. Falam dele na Malásia, na Tunísia e em Vladivostok. Os tricolores sorriem de ponta a ponta. Um golaço redime e liberta, torna a vida mais feliz: ele faz esquecer das contas, da pobreza, da cidade triste e até da morte. É, morte: nós, torcedores que somos apaixonados por futebol, vemos o golaço como a imortalidade por um dia que seja – vencemos o que é invencível. O Rio acorda para trabalhar a uma semana do Carnaval, esta cidade tem sofrido muito, mas ao meio dia, na hora do almoço, não haverá botequim, restaurante ou padaria sem uma televisão ligada e alguém dizendo perto “Meu Deus, que gol de placa!”. Tudo no Maracanã ficou pequeno naquele momento de ontem. O Vasco foi melhor até o primeiro gol de Cano, e então o Fluminense foi vitorioso de terra e mar.

As crianças tricolores que viram a maravilha de perto no Maracanã agradecem ao artilheiro argentino para sempre. Em Cano e seu gol monumental, elas viram o que jovens homens e mulheres viram em Fred há dez anos, Dodô há quinze, Romário há vinte, Assis e Washington há quase quarenta, Rivellino há cinquenta: a beleza, a poesia, o futuro desfraldado em três cores predestinadas à eternidade.

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