Calor que aquece a alma (por Paulo-Roberto Andel)

SOBIS

A estrada é nosso caminho sem par nem fim, nosso combustível insano e apaixonante. Entre corações perfeitos e sofridos, mais uma vez cortamos o Rio de Janeiro em busca do nosso amado Fluminense. E valeu a pena como sempre. Vencemos, vencemos bem, com senhora autoridade e contrariando todas as falácias, estamos na final da Taça Rio. É claro que não será fácil e, com a tabuada na mão, o Botafogo é o franco favorito – no entanto, somente até o jogo começar porque todos sabem do que a camisa tricolor é capaz num momento de desvantagem.

Fizemos uma linda viagem e o apoio incansável dos garotos da Fiel, suas lindas meninas, gente que canta o tempo todo e espanta sinais de tristeza. Ontem, por sinal experimentei – e experimentamos, eu e Caldeira – momentos ímpares dessa nossa aventura juntos em dissecar o Fluminense. Num certo momento, os jovens leões da torcida começaram a cantar o nome do PANORAMA em nosso ónibus, o que por si somente causou-me um enorme aperto e uma alegria no coração. Ainda sofreria outro golpe: “Uh, na estrada!”, em alusão a uma de minhas crônicas mais lidas recentemente. Difícil explicar o que um escritor sente numa situação dessas, mas é algo muito além de felicidade, ainda mais por “Na estrada” ter sido uma das crônicas mais difíceis que já escrevi, por tratar de uma dor de anos e do que eu mesmo sinto, por ter sido escrita em condições surreais e, na verdade, nem seria publicada, o que só aconteceu porque ficamos sem cobertura de cronistas no dia – não há ficção ali -; o fato da nossa garotada ter transformado o título numa canção em um minuto foi, até aqui, o momento mais importante da minha vida de escritor de futebol, no que sou eternamente grato. A dor virou uma canção de alegria e isso faz pensar sobre a vida. Os jovens leões me fizeram chorar e sequer perceberam. Afora essa beleza de momento inesquecível, não posso deixar de dizer que fui muito bem-tratado na ida e volta por uma musa de chocolate – e chocolate é uma delícia sempre. Pena que Jorand foi Jobson, com o bom humor que aqui cabe, claro.

Antes de tudo, quero dizer de um momento marcante no que tem sido o tricolor destes dias: num momento do meio do segundo tempo, o Volta Redonda teve um ataque pela esquerda e parecia não haver marcação. Um rompante e surgiu um lateral completamente diferente na marcação tomando a bola sem falta e retomando o ataque: simplesmente Rafael Sobis, ajudando na marcação e cobrindo a defesa desguarnecida. Termômetro do comprometimento do time, sinal de que podemos e queremos mais.

A cidade de Volta Redonda tinha sol e, num súbito, ficou nublada. No campo, apenas no curto espaço de tempo – um minuto ou dois – em que os aurinegros empataram o jogo em 1 a 1. Antes e depois disso, fomos superiores, muito superiores, absolutos. Foi a tarde de uma grande tranquilidade e se tivéssemos vencido por 9 x 2 ou 9 x 3 não teria sido surpresa – sim, o Volta acertou a trave, teve chances mas, quando foi preciso, Cavalieri foi o senhor da situação.

O que dizer do momento de Sobis, além da dedicação acima? Matador, preciso, certeiro, vide o primeiro gol. Também acertou o travessão. Foi um gigante. Ao lado, Wellington Nem fez um gol, perdeu três e mostrou que o Fluminense ainda tem muito gás na competição. Mais traves: Carlinhos e Rhayner. Diante do gramado castigado, o Fluminense não se furtou e mostrou o futebol de quem quer ganhar o título – claro, não esqueçamos, o Botafogo é o grande favorito e isso é bom porque traz o nosso time ao mesmo cenário de sempre: luta, demolição de paradigmas e conquistas teoricamente improváveis. Apesar dos nomes individuais, o Fluminense foi todo conjunto e dedicação. Wellington Nem destoou, mas tem crédito e fez sua parte marcando o 2 x 1. Não há como não nos animarmos para a batalha na Libertadores – os guerreiros vestiram a camisa. Nas arquibancadas, nosso louco amor espalhado e não posso deixar de mencionar a grande fase de Bruno Vargas Costa – quando ele abortar os ensaios musicais, será imbatível.

Depois de um primeiro tempo em ataque ostensivo, voltamos para a etapa final dispostos a liquidar tudo: primeiro Wagner quase marcou; em seguida, Sobis novamente marcou, decretou 3 x 1 e assinou o contrato do Fluminense na final. E o veterano Frontini ainda acertaria nossa trave. Que jogo!

Mas o melhor ainda estaria por vir: quem esteve na Cidade do Aço testemunhou o gol de placa do Neves, de volta após longa inatividade. Um golaço que já era golaço muito antes da bola ter ganho as redes de Gatti. Todo o estádio esperava da trajetória da bola o acorde final de um solo de Gilmour ou que Neschling desse chave de ouro à uma apresentação da OSESP. O toque por cobertura, a bola mansa no alto e um lindo momento para todos os que puderam ser cronistas de guerra e viram a artilharia do Fluminense ser mortífera como nunca. Neves foi mais 2008 do que nunca, mais 2008 do que tinha sido desde então. Créu! E bastou: 4 x 1 e novas decisões.

Diante de tanta opulência em campo, os fiéis berraram como nunca na volta. A estrada deserta, as pequenas luzes das casas acendendo novos caminhos, certo tom de melancolia misturado com alegria e amor. Duas horas muito rápidas: eu preferia ter viajado por cinco de forma que pudesse apreciar ainda mais a noite que ganhava os céus, o amor que dorme longe, o caminho, tudo o que se abre para todos nós diante desse momento. Uma vez no Rio, perto do querido Maracanã, tivemos tempo de saborear uma suculenta janta. Os rapazes planejaram peraltices para esta segunda-feira que acaba de nascer. Marô sempre apressada, ufa. Fernanda deve ter me dado um tapa de brincadeira, fui obrigado a replicar, ameaçou-me com uma ida à delegacia, repliquei com uma proposta de casamento, todos rimos muito e fomos felizes à mesa tricolor. Num súbito, Isabel esteve do meu lado e me disse cinco ou seis coisas tão bonitas, lindas mesmo e doces, elas saltavam de seus olhinhos infantis com uma força, uma sabedoria, um charme que pensei em sete anos durante três minutos – as coisas, seus sentidos, a dor, o novo. Senti uma felicidade e uma gratidão enormes que ainda não sei expressar. Depois tomamos um táxi, deixei-a com Zé Henrique no Rio Comprido e voltei a ser o viajante solitário. Quando cortei as veias abertas da Cruz Vermelha, agradeci ao motorista, espiei a rua deserta, pensei nas besteiras que tenho feito em vão e vi que eu já era uma pessoa bem melhor num estalar de dedos – na verdade, talvez eu já fosse outra pessoa. Demorei a dormir e pensei muito nas últimas semanas. A vida só tem sentido com suas admiráveis e inesperadas surpresas que nunca, nunca sabemos como e quando chegam ou de onde vêm. A caravana não para, o Fluminense nunca termina. Eis a graça.

“Kerouac foi um sopro de ar fresco… uma força, uma tragédia, um triunfo e uma influência duradoura – e essa influência ainda está entre nós.”

Norman Mailer

Em memória de Paulo Vanzolini.

Paulo-Roberto Andel

Panorama Tricolor

@PanoramaTri

Imagem: Ernesto Carriço – agência O Dia

10 Comments

  1. Paulo, mais uma né !!! Demais !!! O Amor é o Calor que aquece a alma !!!!! Acho que você escutou algo desse tipo nas nossas viagens, kkkkkkk.
    Meu Amigo, vocês são merecedores de toda essa nossa Admiração, somos seus Fãs Número 1.
    Se você é um veículo de tantas palavras lindas e relatos admiráveis, nós somos seu combustível que nunca faltará; como dizemos na gíria:
    TAMO JUNTÃO !!!!!!!!!

    1. Paulo-Roberto Andel comenta: Vagner, obrigadaço-aço-aço e um gran abraço 🙂

  2. Estava dando uma olhada na lista de campeões da Taça Rio no Wikipedia, e sei que a competição se iniciou em 1982, o américa foi o primeiro campeão, quando para minha surpresa incluíram o framengo como campeão da Taça Rio em 1978, 4 anos antes do seu início!!!

    Os caras roubam até no Wikipedia…

  3. Paulinho 🙂 , querido!
    histórias, lembranças, brincadeiras, vitória do nosso TRICOLOR…Tudo, mais que perfeito!

    Obrigada pelo carinho,
    Você é maravilhoso e NORMAL!! rsrs..

  4. Fernanda deve ter me dado um tapa de brincadeira, fui obrigado a replicar, ameaçou-me com uma ida à delegacia, repliquei com uma proposta de casamento, todos rimos muito e fomos felizes à mesa tricolor.

    Rimos MUITO mesmo, final de dia Fabuloso, ao lado dos melhores.
    Desculpa pelo tapa Andel .. kkkkk

    #OBRIGADA

  5. Excelente vitória, gostei muito da atuação do time hoje

    Decisão de estadual com o adversário jogando pelo empate, é sinal de título pro Flu:

    1983 – fla – Flu campeão
    1984 – fla – Flu campeão
    1985 – bangu – Flu campeão
    1995 – fla – Flu campeão
    2005 – volta redonda – Flu campeão

    Sobre poupar alguns jogadores contra o botafogo, não tenho uma opinião formada, mas hoje, logo que o Fluminense fez 3×1 (aos 7 minutos), com o jogo no 2º tempo e o adversário para tirar a vaga do Flu na decisão tendo que marcar 3, acho que o Abel deveria tirar imediatamente 2 titulares, os mais desgastados ou imprescindíveis pro time, é muito mais importante poupar jogadores num momento em que o jogo já estava decidido, do que numa final de Taça Rio, no meu caso, tiraria 2 dos 3 que saíram (Wellington Nem, Rhayner e Wágner), e colocaria Thiago Neves (pra ganhar mais ritmo ainda) e o Felipe.

    Boa sorte Fluminense! Estamos vivendo um momento importantíssimo, que poderá ficar eternizado, assim esperamos.

    ST

  6. “Veias abertas da Cruz Vermelha” foi ótimo, a crônica espetacular como sempre e a lembrança certeira e justa do grande compositor Paulo Vanzolini que nos deixou neste domingo!

    ” De noite eu rondo a cidade… A te procurar sem encontrar …No meio de olhares espio em todos os bares você não está”!

    Foda!

    1. Paulo-Roberto Andel comenta: É que nós somos muito vermelhos, Marcus. Desde sempre! 🙂

Comments are closed.