As lições de Aílton (por Crys Bruno)

ailton foto fred huber globoesporte

Oi, pessoal.

Nos últimos dias, nós (re)vivemos intensamente alegrias, euforia, desencantos, angústias. Extremos característicos de corações verdes, brancos e grenás.

Duas vitórias, uma, maravilhosa, sobre o Goiás, a outra, digna, sobre a difícil Ponte Preta. Junte isso com a venda de Kenedy e a contusão do Vinícius, mais o Gol de Barriga? Pois é, mistura de sentimentos. Isto é ser Fluminense.

A comemoração dos vinte anos do título carioca de 1995 foi brilhante. Um golaço de barriga, igualmente raro, da diretoria tricolor. Em todos os canais, em todos os programas sobre futebol, aquele Fla-Flu fantástico foi pauta.

E quem mais dignificou o meu dia 25 de junho, desse ano, foi Aílton. Além das emoções revividas que ele, em campo, também protagonizou, a aula de futebol oferecida pelo ex-camisa 8, nos comentários pelo GE da transmissão do VT do jogo, precisa ser registrada.

Vinte anos depois e parece um hiato de mais de cinquenta anos de decadência do nosso futebol: ainda o Fluminense, e TODOS os outros clubes, com extremas dificuldades de pagar salários, estes, que chegaram a valores surreais em contraponto à qualidade do jogador, cada vez menor, beirando o medonho.

Aílton estava com 29 anos. Tinha conquistado títulos pelo Flamengo, incluindo três cariocas e uma Copa do Brasil. Estava desempregado e esquecido. Na época, era considerado um volante voluntarioso, mas muito cobrado por não ter a qualidade de quem sucedeu, Adílio.

Contou que foi por acaso, numa partida de futevôlei com Lira,  o lateral decidiu “levá-lo” para o Flu. Nos dias atuais, nenhum camisa 8 joga a bola do “voluntarioso” Aílton nesse Campeonato Brasileiro. Nenhum.

Qualidade de passe, de marcação, e até de drible em qualquer ponto do campo. Lembre o lance do Gol de Barriga e me responda: que volante brasileiro você vê com aquele domínio, proteção, tempo de bola e ginga?

er 1

Contra o Goiás, eu vi o Edson, que é um suprassumo para o que temos na competição, entrar na área sozinho e só ter um recurso: dar uma bica para o gol. Sequer dominou e segurou (protegeu) a bola. Sabia que não conseguiria. O zagueiro pressionaria e ele não faria o giro. Driblar ou gingar, então, nem pensar. Livrou-se da bola.

De repente, o âncora da transmissão do GE perguntou qualquer coisa sobre a diferença dos treinos da época (praticamente, ontem) para hoje,  e Ailton não afinou: “Treinávamos, sim, mais fundamentos. Hoje em dia, os caras da base não pensam na formação do jogador e sim em conquistar título. Aí fica difícil.”

Lembrei de Xerém. Lembrei de Kenedy, Tartá, Biro-Biro, Leny, Nem, Toró, Gérson… jovens que se tornaram profissionais sem ter todos os fundamentos que se precisa: domínio e proteção, drible, finalização, cabeceio, passe.

Ultimamente, um jogador repatriado, já sem mercado no exterior, “no tacho”, chega e desequilibra: foi assim com Juninho Pernambucano, Alex, Ronaldinho Gaúcho, Zé Roberto, Robinho… Isso me lembrou o atual diretor do Fluminense, Fernando Simone, rechaçando as críticas às divisões de base, após o vexame da Seleção na Copa.

Disse na entrevista que o trabalho na base é muito bom. Pode ser. Deve ser. Só que comparado com o robótico futebol da maioria da Europa. E comparado ao futebol brasileiro? Trágico. Assassino. Aílton e sua fala mansa e simples de um digno boleiro brasileiro me lembrou isso.

O brasileiro, que segundo analistas e treinadores, com o mesmo discurso de Cláudio Coutinho e Zagallo dos anos 70, precisa ter “a disciplina tática do europeu”, se formou na rua! “Não temos mais a rua” por conta muito da violência urbana e a base dos clubes não soube formar um futebolista. Urge aprender.

E teve mais aula… Não raro, ouvimos “no futebol de hoje, você tem que marcar forte e ter intensidade”. Aílton e aquele Fla-Flu nos lembraram que era assim. Sou capaz de citar vários jogos com a intensidade “do futebol de hoje”, como a final do Brasileiro de 1986, entre São Paulo e Guarani, só para ir no auge dos anos 80.

Com isso, Ailton me mostrou que o futebol não mudou nada dentro de campo. Sempre vi marcação forte e intensidade. Sempre vi jogaços e jogos ruins. O que mudou e muito foi a qualidade do jogador profissional brasileiro: sabendo jogar bola, o cara cansa menos porque sabe fazê-la correr mais. Sem isso, porque tem cada vez menos os fundamentos, o jogador é que passa a ter que correr mais e, por isso, precisa mais de preparo, deixando a impressão que é o futebol que está mais físico. Aílton me ensinou que não.

Quantas lições! Quanto aprendizado em noventa minutos. Obrigada, Aílton. E que os dirigentes que comandam o clube tenham sido acarinhados pela presença daquele time de 1995, de tal forma que a habitual dificuldade da gestão Peter no departamento técnico do futebol perceba a riqueza do momento.

O clube que conseguir viabilizar ex-jogadores que formem os meninos, na base, ficará a frente dos demais. Como fazer isso?  Com treinamento dos fundamentos e não apenas treino para questões físicas como arranque e agilidade.

O que são esses treinos cansativos de só dois, três toques, em campo reduzido, com vários times de seis ou sete?! Tudo muito valioso no aspecto de preparo e, em nada, para a prática do futebol porque esses treinos não aprimoram a técnica, o posicionamento, a visão de jogo nem dão entrosamento.

Essa celebração daquele Fla-Flu provou que é fundamental usar mais “Ailtons” formando jogadores, tantos ou mais do que ter “Michael Johnsons” e preparadores físicos formando só atletas. Treino de futebol não pode ser só cópia dos treinos de rugby.

E, AMANHÃ, É NO MARACA

Após duas vitórias, contra a difícil Ponte Preta e Goiás, no Serra Dourada, com dois a menos nos minutos finais, o Fluminense entrou no G4 e nessa quinta, às 21h, recebe no Santos, no Maracanã.

Como sabemos, a alegria e a desilusão andam juntas no Tricolor. Perdemos Vinícius, por dois meses, após fratura no pé. Um dos três melhores jogadores do time. Osso!

Enderson indica que vai de Marcos Júnior, centralizando Gérson (ainda bem!). Isso não significa ainda que abdicará desse 4-3-2-1 ou 4-5-1 ou 4-2-“1-1-1-0-1”, sem pontas e com lentidão.

Não aguento mais esse posicionamento! Fora de casa, então, o atacante fica mais ainda isolado e, sendo o Magno Alves, praticamente sai do jogo, não recebe uma bola. Com Fred, o time o procura o tempo todo. O Magnata não tem isso, infelizmente.

Partida para vencer e fincar o Fluzão na briga pelas primeiras posições, definitivamente.

Ao Maraca, Guerreiros!

Abraços.

Panorama Tricolor

@PanoramaTri @CrysBrunoFlu

Imagem: globoesporte/fred huber/ematos