As balizas eternas (por Jorge Dantas)

TRAVE NOVA
O novo Maracanã tem novas balizas, que seguem o padrão dos estádios europeus. O antigo modelo de armação da rede foi alterado e o conjunto traves-rede passou a ter um formado quadrangular, com as redes esticadas por cabos presos a mastros no fundo da baliza para dar-lhe profundidade.

Infelizmente o Maraca perde uma das suas mais lúdicas identidades. A bola, que antes se aninhava suave no fundo da rede, num movimento macio e silencioso, como uma criança que busca o colo da mãe e nele se acomoda, não terá mais esse aconchego. Simplesmente tocará o fundo da rede de forma bruta, sem aquele maravilhoso movimento de afundamento, que vai levantando a torcida no mesmo ritmo que a estufa.

Diferentemente da maioria dos estádios brasileiros, o Maracanã mantinha essa magia viva, inexplicável para quem nunca assistiu jogos da arquibancada. A rede solta, preguiçosa, que convidava a bola para seus braços como um canto de sereia foi modificada. Aos poucos, na medida em que o estádio vai sendo concluído, vamos vendo que o Maracanã vai perdendo algumas de suas identidades e se parecendo cada vez mais com os estádios europeus, que, despeito da beleza arquitetônica e da tecnologia, me parecem frios e não dialogam com o público.

O bom e velho Maraca não era assim, mantinha uma espécie de simbiose com o torcedor e o convidava a se emocionar, mesmo sem as tecnologias de ponta e o modelo padronizado que o futebol moderno impõe. Seu gramado redondo agora é retangular, perdeu a geral, espaço democrático onde os torcedores mais modestos expressavam suas loucuras de forma anônima e criativa. Há até quem tenha saudades do velho placar manual, cujo resultado era mudado por um funcionário destacado apenas para esse fim. O novo Maracanã aposentou alguns de seus símbolos ao longo dos anos e agora, mais radicalmente, se renovou para se mostrar ao mundo mais belo e mais funcional.

Para os que pensam que é saudosismo, cabe explicar que não é nada contra a modernidade e os modernos recursos tecnológicos que finalmente colocarão o nosso templo maior no século 21. Pelo contrário. Apenas sinto-me órfão da rede, aquela simples e maravilhosa rede trançada em gomos em forma de losango, solta, preguiçosa a espera da bola para guardá-la em seu fundo como se não quisesse mais devolvê-la mais ao campo, abraçada a ela como dois amantes.

Reconheço que o desenho antigo não tem a pujança do modelo novo, mas que vou sentir saudades, isso vou. Depois a gente se acostuma, esquece e até acha que ficou melhor, mas ficará para sempre na minha lembrança a poética imagem de um goleiro indo lá no fundo buscar a bola, levantando a rede com uma das mãos num gesto único que só quem viu jogos no velho Maracanã sabe explicar.

Jorge Dantas

Panorama Tricolor

@PanoramaTri

2 Comments

  1. Um detalhe: aquela rede, também, inspirava na “fabricação” dos gols do joguinho de botão.

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