Álvaro Chaves, 41, manhã de domingo (por Paulo-Roberto Andel)

Sonho que estou sentado na arquibancada superior, depois de ter encarado a escadinha estreita e a emoção íngreme de quem já foi lá em cima. Incrível como deu tudo certo por tantos anos.

Do meu lado, meu pai não diz uma palavra. Acompanha atentamente o jogo dos juvenis. É dali que saem os novos craques do Fluminense, os ídolos que vão defender a camisa tricolor por anos a fio.

O melhor domingo do mundo é quando, ao voltarmos para casa, o pai diz “Toma seu banho para irmos ao jogo”. É a felicidade suprema. Só de saber que vai ter passeio de arquibancada, cachorro quente, o campo lindo do Maracanã, o pó de arroz, o grito de Nenseeee, tudo isso é o delírio para qualquer garoto de dez, onze ou doze anos de idade – e vai fazer com que todos nós tenhamos essa idade para sempre a cada jogo que estivermos acompanhando.

Volto ao campo das Laranjeiras. Já se deram conta de tanta gente fundamental para o futebol mundial que pisou ali? Os tricampeões dos anos 1910 – Marcos Carneiro de Mendonça, Laís, Fortes, Vidal, Chico Neto, Welfare. O supertime dos anos 1930 – Batatais, Tim, Carreiro, Romeu, Hércules de Miranda. Ademir Menezes em 1946. Na década de 1950, Castilho, Didi, Telê, Waldo, Pinheiro. Depois, a longa travessia de títulos que nos leva de 1969 até 1985, com personagens espetaculares, títulos gloriosos e charme – basta dizer que a Máquina está incluída. Ainda deu tempo para outras feras: Válber, Torres, Bobô, Djair, Super Ézio, Renato Gaúcho, Romário, Dodô, Conca, Fred, Thiago Neves. É muita coisa. Isso não pode ser tratado como desprezo, como nada. É uma história que atravessa um século.

Pulando o tempo, tenho 19 anos, acredito que sou um adulto preparado. Pego o ônibus 435 na São Francisco Xavier e vou para o clube ver o treino. Antes, passo na Santa Úrsula para lanchar no Gordon e encontrar o Jorge. Os jogadores já o conhecem, especialmente o Dago, porque Jorge é o único torcedor que torce num treino do mesmo jeito que num jogo. A cada chutaço do Dago, uhhhhhhh!

É muito difícil explicar a uma pessoa de fora sobre o que é a sensação de estar em Laranjeiras. Para quem está acostumado, deve ser a mesma atmosfera que inebria os fãs de música no Teatro João Caetano, que completou 200 anos ontem. Ou de quem está na revitalizada Praça Mauá e encara de frente o Edifício A Noite, primeiro arranha-céu da América Latina. Ou dar de cara com a opulência do Copacabana Palace nos anos 1920 em meio a uma Copacabana sequer colonizada. O Estádio das Laranjeiras faz parte da história do Brasil e do mundo.

Manhã de domingo. Meu pai mantém o olhar fixo na partida. Eu olho para ele e para o campo, estou aprendendo a ser um torcedor. Cada um tem uma maneira de agir quando seu time está em campo. São garotos e garotos: uns vão ser ricos, outros pobres, outros famosos, outros anônimos. Uns vão contar a história do Fluminense, outros vão escrevê-la. Outros vão perseguir o Tricolor para sempre pelos estádios afora, outros vão protagonizar essa perseguição: Zezé, Gonzalez, Campinho, Moretti, Tato, Gabriel, Duda, Balu.

Outra manhã de domingo. O Fluminense vai começar sua nova temporada, disposto a não completar dez anos sem conquistas relevantes. Contratou alguns jogadores, uns promissores, outros não. A cada novo ano, buscamos renovar as esperanças, só precisando de cuidado para que a paixão não faça brigar com os fatos. A cada novo ano, torcemos.

Eu nunca mais vou ter dez ou onze anos de idade, exceto quando o jogo começa. É a única chance. Na verdade, me sinto tão velho e cansado que hoje mesmo poderia ser meu último dia, mas alguma coisa diz que os dados podem rolar e a sorte poderá ser outra. Meu pai é uma lembrança. Os treinos com Jorge são uma lembrança. Às vezes sabemos de coisas tão ruins que aquele Fluminense parece nem existir mais, só que o mal não pode triunfar para sempre, o ser humano não nasceu para exaltar o mal.

Estou sentado sozinho na arquibancada centenária, odiada gratuitamente por alguns tricolores e gananciosamente por outros – não existe almoço grátis! Do outro lado, atrás da Tribuna de Honra, fica o Salão Nobre do Fluminense. Neste momento, a turba da Força Flu, toda de verde, presta sua homenagem a Balu, deitado em berço esplêndido de morte, homenageado no lugar que amou, defendeu e até ficou nervoso às vezes. Lá se foi um dos garotos que, como eu, ficaram apaixonados por aquele mar de pó de arroz e bandeiras, que até hoje povoa os melhores sonhos de muitos de nós. Onde quer que esteja, sempre fará parte das manhãs de domingo em Álvaro Chaves, 41.

Em memória de Antonio Olive.

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