Aílton 95

fim do gol de barriga 7

O relato de nosso camarada de arquibancadas Eduardo Felipe.

O pré-jogo

Acordei tenso, não pensava em outra coisa, nem tomei café neste dia. Corri até a banca perto de casa e comprei o Jornal dos Sports, encontrei alguns amigos tricolores na padaria, Serginho, Dedé, Daurinho, Dirley, todos confiantes, menos eu, a tensão exauriu todo o meu super otimismo, perguntei se o Pedrinho iria também, confirmaram. Perguntaram se eu queria ir com eles, seriam dois carros, tinha vaga pra mim, marcamos meio-dia na própria padaria. Voltei para casa e folheei todo o jornal, exceto as páginas que falavam do nosso adversário. Estava tão nervoso que minha mãe perguntou se eu estava me sentindo bem; na noite anterior cheguei em casa as três da manhã um pouco bêbado e às nove estava de pé, disse que estava ótimo, era óbvio que não, menti para ela pela “primeira” vez (risos).

Li e reli as páginas que falavam do meu Fluminense, aos poucos fui me acalmando, Renato Gaúcho estava confirmado. Nos dois últimos jogos vencemos, 3 a 1 e 4 a 3, nesse teríamos que vencer de novo, o empate era dos caras e que “caras”: Romário, Sávio, Branco e companhia. 

Meu pai não sabia se iria, nem perguntei: nas duas últimas decisões havia ido com ele e perdemos, dessa vez tínhamos que ganhar. Sem querer, acreditem, dei o troco: em 1985 ele não me chamou, depois me deu uma desculpa, não colou (risos).

Quase a hora marcada de encontrar meus amigos, desisti de ir com eles. Queria sair sozinho: fui em todos os jogos assim, não poderia mudar naquela final, perderíamos com certeza. Deixei passar alguns minutos e fui para o ponto de ônibus. Cheguei meio dia e meio, esperei alguns minutos até o ônibus chegar, o antigo 269 – Curicica x Praça XV – quase vazio, tinham mais ou menos dez pessoas, apenas dois torcedores “rivais”, calmos, conversavam de outros assuntos. Já no Pechincha, entraram mais de vinte torcedores adversários, a euforia era notória, tinham certeza que venceriam. Como em todos os clássicos que eu ia de ônibus, estava à paisana, bermuda marrom, camisa pólo branca e um tênis que não lembro a cor, totalmente descaracterizado, ali dentro ninguém sabia o meu time, muito menos se estava indo ao Maracanã. Várias músicas, xingamentos, eu, nem aí, Renato tava escalado, o terror deles. Cheguei, saltei no ponto de sempre, o primeiro da São Francisco Xavier, encontrei meus amigos, troquei uma ideia, bebi uma cerveja, duas, três, quatro etc e tal. Já no clima do jogo, meu otimismo voltara. Mais umas latinhas de cerveja, e entrei no estádio, subi a rampa sozinho, como sempre.

Já dentro do Maracanã, no lugar de sempre, óbvio: o nervosismo voltara. A confiança não era a mesma, minutos cruéis até o início da partida.

O jogo

Bola rolando, jogo tenso, mas o Flu era melhor. Aos 15 minutos, gol nosso, Renato Gaúcho, ali nascia o novo carrasco rubro-negro. Só dava Fluminense, poderíamos ter ampliado e fechado o caixão deles, mas só aos 41 minutos fizemos o segundo gol, Leonardo, para acalmar os tricolores, o título tão esperado nos últimos 10 anos estava mais perto.

Fiquei todo o intervalo cantando, enquanto o outro lado um silêncio total, nem parecia que tinha alguém lá. A maioria da torcida adversária estava completamente muda, não acreditando que um time cheio de craques estava pendendo para o “timinho” do Flu, mas ainda havia todo o segundo tempo, era clássico, era Fla-Flu.

Logo aos 5 minutos do segundo tempo, falta pros caras, Branco – , até jogar no Flamengo era nosso ídolo – iria bater, pensei inocentemente: ele não vai fazer gol na gente. Não fez, mas a explosão da bola no travessão acordou a torcida deles. Olhei pro outro lado e confesso que temi o pior, olhei para o campo e vi Romário, quenunca tinha feito um gol no Flu, bateu o desespero de novo. Nos 20 minutos que se passaram, os caras estavam melhor, mas o Flu também assustava, até que aos 27 o tabu se encerrou: gol dele, Romário, o melhor jogador do mundo balançava as redes do Flu pela primeira vez. Marquinhos e Sorley foram expulsos assim que saiu o gol, 10 contra 10, campo aberto e eles partiram pra cima.

Não demorou muito tempo e aos 32 veio o empate, o gol que poderia ser o do título, pela reação da torcida deles era o gol do título.

O silêncio mudou de lado, agora era no lado direito das cabines de rádio, só não era total porque uma jovem senhora chorava copiosamente, repetindo diversas vezes que não era justo, sua filha aparentemente com uns 9 ou 10 anos tentava em vão consolá-la, cheguei perto também e falei algumas palavras não muito convincentes, estava também desacreditado num gol salvador. Olhava para a nossa torcida, olhava para a deles, olhava para o campo e não acreditava: quando vi o placar marcando 2 a 2, a ficha caiu, mais uma vez morremos na praia, assim como em 1991/92/93/94, outro vice campeonato, mais um ano de espera…

Foram 10 minutos de um quase total silêncio, só ouvia o choro daquela jovem senhora. Não lembro de nada do que passou nesses tempo, a não ser a expulsão do nosso lateral Lira – ali era o fim da linha, nove jogadores em campo seria sonhar demais com alguma coisa.

Mas era Fla-Flu, não era um jogo qualquer; se no futebol tudo pode acontecer, neste clássico acontece mais que tudo.

Aos 42 minutos vejo o Ronald avançar com a bola, no bico da grande área, dá aquele breque, a linha de fundo para ele não existia, pensei: vai alçar na área, mas viu o Aílton abrindo na direita e o lançou. Um corte para cá, outro para lá e um tirambaço para o gol, o imponderável acontecia, o gol do título era nosso, foi uma explosão. Gente sorrindo, gritando, pulando, foi o dia mais feliz da minha vida de torcedor: caí, rolei as escadas das arquibancadas ainda molhadas e completamente sujas, minha camisa pólo branca estava marrom, combinada com minha bermuda, me levantei e fui de encontro à jovem senhora. Continuava aos prantos, mas dessa vez de pura alegria, nos abraçamos e não tive como controlar o choro, o melhor choro da minha vida, o choro mais feliz que tive até hoje. Até o apito final ainda aconteceu muita coisa, Romário (impedido) perdeu um gol dentro da área, Sávio entraria na cara do gol se não fosse a intervenção do Lima – que acabaria sendo expulso também -, mas nada tiraria nosso título. Terminamos com oito jogadores em campo e uma multidão em polvorosa nas arquibancadas, cadeiras e geral. O Fluminense enfim era campeão carioca novamente.

O pós-jogo

Na noite depois do título só lembro de cobrar uma aposta do meu amigo flamenguista Fabinho, vocalista de uma banda de rock: teria que vestir a camisa do Flu em cima do palco. Pagou, para delírio de alguns tricolores que estavam na festa junina da Barraca da Preguiça. Do resto não me lembro de quase nada, mas com a certeza de que foi muito bom sacanear meus amigos e cobrá-los as apostas feitas, foram 22 caixas de lata de cerveja ganhas, que até o dia seguinte não sabia que tinha sido a barriga do Renato Gaúcho que me proporcionara tudo isso. Mas a lembrança que tenho de dentro do estádio, do maior Fla-Flu de todos os tempo, foi o gol do Aílton. O pós jogo continua, mesmo com 20 anos já passados e só vai terminar no dia que eu morrer.

Saudações efusivas tricolores.

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