Afinal, qual o tamanho da torcida do Fluminense? (por Paulo-Roberto Andel)

Mais uma vez, num universo contaminado por um verdadeiro sarapatel em termos de amostragem, a torcida do Fluminense se surpreendeu com os dados de uma pesquisa divulgada sobre o tamanho das torcidas dos clubes brasileiros.

Melhor dizendo, a surpresa não foi tão grande assim. Há tempos, a manipulação tecnológica é utilizada para nos subestimar, mas vamos lá. Nada de cair na esparrela pueril de jornalistas debochando: “Ah, se a pesquisa não tem o resultado que me agrada, ela não serve”.

Falemos como gente grande. É o que cabe.

A situação é grave porque ela tendencia a discussão sobre cotas de TV.

Não importam os dados, os belos gráficos, os recortes. Isso, qualquer pesquisa semelhante poderá oferecer, se bem feita.

Outra coisa: 2.000 questionários, mais para lá, mais para cá, podem constituir uma base amostral consistente sem o menor problema. Há fórmulas para se chegar a este número. Não se trata de empirismo. Basta testar.

Acontece que, há muitas décadas, o futebol brasileiro possui os times “nacionais”, que contam com torcida em muitos locais do país devido à tradição, por terem sido muito veiculados desde a era do rádio, pela popularidade, por conquistas etc. E os times “regionais”, que possuem um grande número de torcedores numa localidade municipal, metropolitana ou estadual, capazes inclusive de lotar estádios em seus domínios.

Historicamente, por serem transmitidos em rádio desde os anos 1940, os clubes cariocas estão há muito tempo no cenário nacional, gerando expectativas de hereditariedade de torcida através dos tempos – e esse é sim um fator muito importante na formação das torcidas de futebol. A seguir, os clubes paulistas, também com alcance no país e, especialmente, com grande domínio no Sul do Brasil. É tradicionalmente sabido que equipes como Bahia, Santa Cruz, Remo e Paysandu também mobilizam imensas torcidas em seus territórios locais.

Claro, também contam os resultados, os títulos e isso certamente prejudica o Fluminense nos últimos dez anos. Por outro lado, acabamos de viver uma experiência que comprova a posição nacional do Fluminense: um sem-numero de caravanas de todo o Brasil vieram para o Maracanã para a despedida de Fred. Muitos times, que foram indicados com torcidas maiores do que a do Flu na pesquisa, jamais experimentaram algo parecido em termos de acontecimento e mobilização nacional, ok, mas o foco é outro.

Do ponto de vista científico, as pesquisas de tamanho das torcidas são muito prejudicadas no Brasil. Não existe uma série histórica parametrizada, proporcional, tecnicamente segura, o que não quer dizer que não tenha havido levantamentos sérios. O problema é que cada uma foi sendo feita de um jeito, com critérios diferentes e é claro que isso contamina o resultado global.

Dados do Instituto Gallup em 1971 apontam que a torcida do Fluminense, só no Rio de Janeiro, tinha cerca de 700 mil torcedores só na cidade do Rio de Janeiro, 16% da população (estimada em 4,3 milhões de habitantes), num tempo em que o Brasil tinha uma população de 93 milhões de habitantes. Hoje somos mais de 214 milhões.

Pesquisa Gallup tamanho das torcidas: CLIQUE AQUI.

O diário Lance! publicou um estudo com variantes das estimativas dos tamanhos de torcidas entre 1998 e 2020. Nele, o Fluminense oscilou entre 1,8% e 1,2% da população brasileira. Trabalhemos com a média de 1,5% no período. Hoje, falamos de 214.870.000 brasileiros, donde o Flu contaria com a estimativa de 3,2 milhões de torcedores. Em 2020, a pesquisa indicava 1,4% de tricolores.

Tamanho das torcidas: CLIQUE AQUI.

Levando-se em conta as diferenças técnicas entre as pesquisas, a divulgada ontem chama atenção por apontar o menor percentual de tricolores em toda a história: 1,1%. A estranheza parece natural: ainda que não viva a megalomania divulgada por seu mandatário, é certo que o Fluminense fez campanhas razoáveis no período, voltou a ganhar um título carioca e resgatou um de seus grandes ídolos. É a contramão de um time que perde torcedores.

Pesquisa 2022: CLIQUE AQUI.

A atual pesquisa foi realizada em 126 municípios brasileiros com entrevistas presenciais. O Brasil possui 5.568 municípios. Logo, a amostra abordou 2% dos municípios brasileiros. Por mais que a tecnologia da amostragem prevaleça, fica a dúvida sobre qual foi o universo pesquisado para que equipes respeitáveis como Sport, Fortaleza, Botafogo e Bahia estejam à frente do Fluminense no ranking: das quatro, três oscilaram muito nos últimos anos, amargando temporadas na Série B, e não realizaram grandes êxitos que justificassem um incremento de torcida.

A estratificação da amostra levou em conta o aspecto nacional de algumas equipes, bem como a seleção de municípios?

Por todos os motivos aqui apresentados, o primeiro passo que o Fluminense deveria dar, antes de buscar um parceiro via BTG, era contratar um instituto de pesquisas que fizesse um levantamento particular, capaz de nos oferecer conclusões para a tomada de importantes decisões. Independentemente das diversas linhas adotadas, a queda de 1,8 para 1,1% é expressiva demais para para ser explicada com 95% de confiança.

Sem colocar em dúvidas o trabalho dos colegas nas pesquisas acima citadas, além de saber das diferenças sobre as metodologias utilizadas, entendo que no mínimo cabe uma reflexão a respeito. Não se trata de não reconhecer que o Fluminense possa até ter perdido parte da sua torcida, mas de tentar entender o que de fato aconteceu em termos científicos.

Paulo-Roberto Andel é estatístico formado pela UERJ, 1994. Por 26 anos respondeu pelo cálculo do CUB-RJ e estatísticas da Construção Civil no Rio de Janeiro, além de colaborar com sondagens nacionais dos sistemas Firjan-CNI e CBIC.

1 Comments

  1. Está não é uma coluna comum (aqui nunca houve aliás), este é um artigo que deveria figurar na leitura de quem planeja trabalhar de forma séria com estatísticas e amostragens.
    Parabéns.

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