A soberana (por João Leonardo Medeiros)

 

João Leonardo

Tenho visto, dia sim, dia não, ataques à torcida do Fluminense. Os petardos vêm de fora, da mídia e dos adversários, mas também de dentro, de dirigentes, jogadores e, não raramente, dos próprios torcedores tricolores, incomodados com o que seria um comportamento inadequado de seus colegas de paixão.

Durante algum tempo, já há bastante tempo, confesso que também, vez por outra, questionava uma ou outra tendência assumida por nossa torcida. Isso durou até que, finalmente, percebesse que nossa torcida tem sempre razão, que ela é absolutamente soberana.

Vejam o que ocorre exatamente agora. A queixa da hora é sobre o desaparecimento de nossa torcida dos estádios de futebol, fenômeno visível desde, pelo menos, 2013. De fora, os analistas fazem troça do Fluminense, e tentam aplicar a nós a imagem que marca o conjunto de fãs – torcida é só a do Flu, vale lembrar Nelson Rodrigues – de outras agremiações, como os fãs do São Paulo e do Botafogo, que têm costume de só aparecer na boa.

O cúmulo dessa artimanha foi a coluna de Rica Perrone (um colunista simpático ao Flu, diga-se de passagem), em que reclamava do baixo público da primeira partida da semifinal da Copa do Brasil, prestigiada por apenas 35 mil tricolores em pleno Maracanã. Vejam aqui o tom da queixa. O que o jornalista diz que 35 mil foi pouca gente para um jogo daquele. O que ele não diz, entretanto, é que o público do Maracanã foi o segundo maior público das semifinais, perdendo por pouco do jogo de volta contra o Palmeiras, acompanhado por 38 mil pessoas. Ainda mais e atenção: Perrone é torcedor do São Paulo, que disputou contra o Santos a outra semifinal. As duas partidas juntas tiveram cerca de 40 mil pagantes, sendo 26 mil na primeira e quase 14 mil na segunda. Diante disso tudo, pergunto eu: por que o jornalista foi implicar logo com a torcida do Flu????

Eu sei: a gente é a Geni do futebol brasileiro, isso todo tricolor sabe. O que me dói, no entanto, é o fogo amigo, são tricolores reclamando de outros tricolores que não vão ao estádio, que não viajam para ver o time, que não se esgoelam na arquibancada. Eu não posso fazer nada para convencer jornalistas orientados a nos sacanear pela linha editorial das corporações midiáticas em que trabalham, mas posso tentar abrir um diálogo com os tricolores. As minhas armas são argumentos.

Primeiro: todo mundo lembra que, há pouquíssimo tempo, nossa torcida encantava o país. O país não: a gente deslumbrou a América Latina nas partidas em casa pela Libertadores. A final foi considerada uma das festas mais bonitas jamais feitas num estádio de futebol por ninguém menos do que o jornalista Juca Kfouri, que está naquele rol de acusadores contumazes do Flu. A gente fez de tudo entre 2008 e 2012. Nós fomos a aeroportos depois de derrotas, goleadas inclusive. Nós juntamos 50 mil pessoas no Maracanã para a despedida (até logo?) de Thiago Silva, numa rodada final de um Brasileirão em que não disputávamos mais nada contra o Ipatinga. Fizemos festas lindíssimas no Engenhão, no Maracanã, na Argentina, em todo lugar. Tenho certeza de que a torcida do Flu aumentou em tamanho naquele período.

Esse não foi um fenômeno novo: a torcida do Flu sempre enlouqueceu com o time, sempre fez festas lindíssimas, sempre inovou, como o próprio clube. É verdade que, numericamente, não chegamos ao número de apaixonados por clubes rivais, mas nunca baixamos nossa cabeça na arquibancada, em maior ou menor número, dentro ou fora de casa. E sempre fizemos de tudo pelo tricolor.

Segundo: o problema é que a soberana foi e vem sendo maltratada. Recordar é viver: Siemsen se elegeu prometendo tratar bem a torcida, melhorar particularmente a venda de ingressos. Por que a promessa? Porque a gente era esculachado pela própria direção do clube todo jogo, enfrentando filas desorganizadas, entradas espremidas, estádios de merda, com o perdão da palavra. A gestão Siemsen melhorou um pouco aprimorando o sócio-torcedor, mas o programa é, com toda honestidade, cheio de problemas e percebido equivocadamente como substituto da compra avulsa de ingressos, o que afasta o torcedor mais pobre e/ou eventual. Ou seja, não resolve.

Pior ainda é o desempenho em campo. Desde 2013, a torcida perdeu o tesão. Por quê? Estão de brincadeira que não sabem por quê? A gente quer ver um Flu que, vencedor ou ruim das pernas, emocione, que passe a impressão de lutar pelo título, mesmo que não tenha efetivamente condições para conquistá-lo. O Fluminense foi tudo dentro de campo desde 2013 menos isso. Ou seja, o Fluminense foi tudo, menos Fluminense.

Agora junte as duas coisas: o torcedor não vai penar para ir a um estádio de merda, num sistema precário de venda de ingressos ou associação, para sofrer para cacete com um time sem alma. Tenho orgulho de ver que nossa torcida reagiu abandonando as arquibancadas. Foi uma demonstração de inteligência e um protesto velado contra o tratamento de segunda categoria a quem vem sendo submetida por anos a fio. Naturalmente, preferia que houvesse uma presença maciça com protesto ostensivo, mas, cá entre nós, essa não é uma prática comum no futebol em lugar nenhum.

A cereja do bolo, no entanto, é a gestão de 2016. Isso porque todo mundo sabia, há séculos, que a gente não teria o Maracanã e o Engenhão. O que fez a direção do clube para prover a torcida de condições de acompanhar o time, para manter a carteira de sócios-torcedores duramente conquistada, para prover o próprio time condições de disputar competitivamente o campeonato? Nada, absolutamente nada. Resultado: o que era uma torcida pequena em presença nos terríveis anos de 2013 a 2015 tornou-se uma torcida inexistente, de menos de mil pagantes por jogo. Esperavam o que, meus queridos? Se queriam manter a arquibancada cheia, que tivessem feito um planejamento adequado nos últimos sete anos. Havia alternativas: Ítalo Del Cima, Moça Bonita, Caio Martins, entre outros. Neste prazo, dá até para construir um estádio novinho, quem sabe em associação com o nosso filho transviado. Vocês acham que nenhum ente privado teria interesse em construir e explorar um estádio para duas torcidas com o porte das torcidas de Fluminense e Flamengo?

Entre a imprensa, os dirigentes, os jogadores e a torcida, estou fechado com a torcida. Por isso, peço aos tricolores que têm questionado nossa soberana, que reflitam um pouco sobre as raízes de seu comportamento recente. Perguntem-se com sinceridade: por que aqueles fanáticos de 2008 transformaram-se nos acomodados de 2016?

Panorama Tricolor

@PanoramaTri

Imagem: JLM / PRA

4 Comments

  1. Pois é meu caro,

    É algo que venho debatendo com amigos a muito tempo, já se sabia da perda do estádio a muito, mas a muito tempo, e infelizmente as duas direções, que se gabam em ser as melhores do país em gestão, fizeram simplesmente pouco caso ao problema surgido a muito e muito tempo, chegou o mesmo e a atitude deles foi de surpresa, o que me deixa sempre desacreditado em uma melhora no futebol brasileiro.
    Além do desempenho pífio e preguiçoso de nosso elenco desde 2013, não existe…

  2. Perfeito! Sem retoques cabíveis!
    O planejamento inexistente fez, o que já estava ruim, piorar.
    Cobrar com inteligência é marca da Torcida!
    Vence o FLUMINENSE!

  3. A resposta a sua pergunta é simples: porque era libertadores, Maracanã, e um time estelar. Traduzindo: só vai na boa. É tipo aquela paixão que só paixão se o outro lado de der em troca. Terrivel! Paixão é paixão! Incondicional! Nas boas e nas más!

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