A síndrome da paixonite tricolor (por Paulo-Roberto Andel)

Em um de seus melhores momentos no século XXI, o Fluminense conquistou a sonhada Copa Libertadores. Fez uma bela campanha em números, melhor do que o visto em campo, e conseguiu o título. Quase cinco meses depois, a torcida tricolor está dividida: parte ainda vive em novembro passado, enquanto a outra parte cobra novos resultados positivos e conquistas.

É natural que jogadores, comissão técnica e dirigentes celebrem a conquista até pela questão pessoal. Não há o menor problema nisso. Só existe algo errado quando há exacerbação a respeito. Por exemplo, quando uma conquista recente é usada politicamente, desvalorizando um passado de 120 anos de história, ou tentando impor personagens atuais como os maiores do clube em todos os tempos. Não se trata de gosto e opinião por achismo, mas de uma avaliação histórica baseada nos fatos e contextos de cada época.

E aí entra a síndrome da paixonite tricolor: o torcedor desavisado, influenciado por interesses da atual gestão do clube e alvejado diariamente na internet por “opiniões relevantes” de internautas, com muitos likes mas credibilidade discutível, começa a repetir baboseiras que não se sustentam historicamente.

É possível respeitar e louvar a equipe atual sem desrespeitar a imensa jornada tricolor desde 1902.

Numa incrível jornada contra sua própria história, o clube tem atuado há tempos desprezando seus próprios feitos. Algo terrível e que não encontra eco pelo menos entre os tricolores com mais de 50 anos.

Não houve torcedor do Fluminense que não tenha ficado feliz com a conquista da Libertadores. A festa por todo o Brasil provou a alegria nacional. Agora, por causa disso é preciso desmerecer os grandes esquadrões tricolores?

O Fluminense dos anos 1930, de 1951-52 e de 1957-60. De 1969-71. A Máquina. Os fabulosos tricampeões dos anos 1980. O próprio time de 2007-08, que saiu do descrédito para ganhar a Copa do Brasil e fazer uma campanha histórica em 2008. Os maravilhosos campeões brasileiros de 2010-12. Todos esses elencos têm histórias grandiosas, tão importantes quanto o valoroso Fluminense atual, bicampeão carioca e da Libertadores, afora o bônus da Recopa.

Outra distorção que precisa ser combatida está no próprio conceito de conquista. É o caso do ídolo. Ézio, um dos maiores artilheiros da história tricolor, tem “apenas” o Carioca de 1995 (provavelmente o título mais difícil já conquistado pelo clube). É um verdadeiro super herói para dezenas de milhares de tricolores. Ele é menor do que Lelê, atual campeão sul-americano pelo clube? Esse é apenas um exemplo dentre muitos.

Algumas das melhores partidas do Fluminense nos últimos anos, incluindo títulos, foram dirigidas por Fernando Diniz. Contudo, isso não o exime de cometer erros em seu trabalho, como ficou evidente no Carioca 2024 e já havia acontecido no próprio Brasileiro 2023. É natural: só não erra quem mente. Diniz conquistou a sonhada Libertadores. Agora, isso o tornará o “maior de todos” como publicado em nefasto card oficial? Só para quem não conhece a história do Fluminense. Isso não significa nenhuma diminuição.

O título da Libertadores já é uma página importante da história do Fluminense. Se a conquista demorou tanto para acontecer, azar da CONMEBOL em ter esperado um dos maiores clubes do mundo, criador dos alicerces do futebol brasileiro.

Não ter ganho a Libertadores não tira o valor dos vice-campeões de 2008. Não são menores. Apenas foram muito prejudicados por uma arbitragem obtusa.

Para muitos tricolores, a maior decisão de todos os tempos foi o Fla x Flu do gol de barriga em 1995. Para outros, o de 1984 na cabeçada imortal de Assis. Para outros, o imortal 3 a 2 de 1969.

Os tricolores octogenários podem se gabar da festa que fizeram pelo Mundial de 1952.

Tudo isso é só para lembrar que a história do Fluminense não começou em 2022. Cem anos antes, o Flu já tinha o respeito nacional por ter conquistado um tetracampeonato e um tricampeonato.

Os campeões de 2022/23 merecem todo respeito e consideração, toda admiração. Agora, isso não pode servir para apagar Castilho, Pinheiro, Didi, Telê, Rivellino, Félix, Edinho, Pintinho, Carlos Alberto Torres, Assis, Romerito e mais 100 nomes. Nem para diminuir Parreira, Abel e Zezé Moreira. Nem Arnaldo Guinle, Francisco Horta, Manoel Schwartz e outros.

Falando em presidência, o atual mandatário deu entrevista dizendo que era inacreditável ver torcedores tricolores pedindo a demissão de Fernando Diniz. Depois do conjunto da obra e da coletiva desastrosa do treinador, o que aconteceu foi uma reação justa, mas o que se viu em 99% dos casos nada teve a ver com pedido de demissão, mas sim de retratação, o que acabou as contorcendo mesmo sem muita naturalidade. Acontece que todos somos humanos e, por isso mesmo, falíveis.

Atual campeão da Libertadores, o próprio presidente tem vários insucessos em sua carreira de dirigente à frente do futebol tricolor, casos de 2015 e 2019. Muitos torcedores também acharam inacreditáveis as contratações de Marrony, Pirani, Giovanni Manson, Alexandre Jesus, Gustavo Apis e, não podemos esquecer, Cris Silva, dentre outros.

Por fim, que na semana que vem o Fluminense 2024 finalmente faça sua estreia na temporada. É o que todos queremos.

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