A linha do céu de Barueri (por Paulo-Roberto Andel)

(29/11/2010)

Foram sete dias de luta. Duas batalhas na elegante Arena Barueri. Duas vitórias absolutas, incontestáveis, e o Fluminense está na final do campeonato brasileiro, meus amigos. Final? O campeonato não é por pontos corridos? Sim. Mas o próximo domingo nos reserva uma grande final no Engenhão: precisamos vencer de qualquer maneira o Guarani para conquistar o tão sonhado título brasileiro deste ano. Esqueçam que o Guarani foi rebaixado. Esqueçam que temos um ponto à frente. Esqueçam os jogos dos rivais. Nossa missão é vencer este jogo, por meio a zero, por três milímetros a zero e então sucederá o ansiado tricampeonato.

Vencemos o Palmeiras com autoridade. Não importa a classificação do alviverde no campeonato: é um grande time, jogava em casa e mesmo com a rejeição de sua torcida por uma vitória contra nós – o que favoreceria o arqui-rival Corinthians – não foi um peso-morto. Pelo contrário: o golaço marcado por Dinei no começo do jogo foi uma verdadeira ducha de água quente em nosso ânimo. Água quente? Sim, o calor de Barueri era escaldante. Sentimos o golpe por alguns instantes; nossa linda torcida que invadiu a Arena, nosso bravo time diante de um potente jab no queixo. Leandro Euzébio falhou, concordo; contudo, tem enorme crédito pelo seu conjunto de atuações neste campeonato.

O jogo seguiu e logo se repetiu a agonia de outros dias: nosso ataque perdendo gols deliberadamente. Emerson cabeceou no travessão. Fred cabeceou nas mãos de Deola. O goleiro palmeirense ainda faria ao menos duas ótimas defesas, até que Carlinhos empatou o jogo num lindo chute diagonal no ângulo esquerdo, após driblar. Acertou o gol com o pé direito. Os atacantes não faziam, o lateral marcou de pé trocado: eis o Fluminense de 2010, um coração na ponta de cada chuteira. Uma forma de compensar o que viria a seguir até o intervalo: Conca não sendo tão Conca, Fred não sendo tão Fred, Emerson muito longe de Emerson e Deco completamente diferente da partida contra o São Paulo – para pior. Pouco tempo mais tarde o luso-brasileiro, contundido, cederia a vez a Tartá – e isso iria fazer uma enorme diferença entre o que sentíamos ali e sentimos agora.

Depois do empate, restava quase meia hora para terminar o primeiro tempo e, mesmo não fazendo uma partida primorosa, o Fluminense se lançou ostensivamente ao ataque, tornando Deola o destaque dos primeiros quarenta e cinco minutos, com defesas sensacionais e decepcionando profundamente os palmeirenses que foram ao estádio torcer pela derrota do próprio time, fato que prejudicaria o Parque São Jorge. Faz sentido. A lógica do torcedor não é medida pela precisão da matemática. Não me venham com discursos hipócritas: a primeira etapa não foi um jogo fácil. No mais, o Fluminense não é líder do campeonato por cortesia: assumiu a dianteira em dois terços das rodadas. Em vários momentos quando poderia ter sido alijado da disputa final, os adversários tropeçaram nas próprias pernas. É tudo culpa da sina Tricolor, que faz desabar centenários. E enquanto Laranjeiras literalmente suava em bicas na Arena Barueri, o Corinthians contava com a enorme colaboração do goleiro vascaíno Prass – mesmo que tenha sido involuntária. Os deuses e demônios do futebol habitam todos os estádios e camisas, não apenas uma, embora haja privilégios claros quando se trata de certas cores – e, dentre elas, definitivamente não estão as três do Fluminense.

A volta para o gramado no segundo tempo era a exigência de uma virada Tricolor. Nos primeiros minutos a tensão foi evidente, e isso se traduziu em ao menos um inacreditável gol perdido por Fred – logo ele, que tem a vocação e a maestria para fazer os gols. Mais um escanteio, mais outro escanteio, mais um cruzamento e as coisas não aconteciam. Chegou o décimo-terceiro minuto. Deola, gante, reboteou; Tartá ajeitou e colocou a bola no canto direito com excepcional categoria. Aconteceu a virada. Vejam que Tartá é um jogador de poucos gols; neste ano, no entanto, mais do que decisivos: contra o Vasco, no difícil um a zero, e ontem na virada. Gols que fizeram a diferença e trouxeram o Fluminense até o pantheon de hoje. Bendita a hora em que Deco se machucou (evidentemente, uma brincadeira).

Depois do segundo gol, é verdade que o jogo tomou ares um tanto modorrentos. O Palmeiras não disputava mais nada, o Fluminense conseguiu o que queria, as coisas foram mais lentas, mais dosadas. Não me preocupo com quem queira colocar dúvidas sobre a beleza do futebol que temos jogado, assim como suspeições dos nossos jogos recentes contra os times paulistas. Ninguém escreveu uma vírgula sobre o hiper-frango do Pacaembu. Esqueceram de muitos pênaltis duvidosos marcados na competição a favor dos grandes favoritos. Esqueceram a vergonha de 2005. Hoje, o que importa é o Fluminense conquistar essa taça, tão desejada e que tantas vezes bateu à trave. Quantas não foram as vezes que jogamos bem, com vigor e beleza, mas saímos derrotados? O momento é de vitória, o momento é de conquistar. Se puder ser com mais lances bonitos, jogadas plásticas e gols avassaladores, melhor; não sendo assim, meia vírgula a zero é soltar um grito entalado há um quarto de século. Os bebês de colo que nasceram em 1984 hoje são jovens homens feitos. Os garotos daquela época, feito eu, agora são quarentões.

As gerações passaram, o Fluminense mereceu ganhar o campeonato várias vezes, mas não conseguiu. Foi uma época de quase: 1988, 1991, 1995, 2000, 2001, 2002, 2005, 2007 e agora. Nove temporadas em vinte e seis anos: a cada três, em média, lá estava o Fluminense suando pelo título sem conseguir. Hoje, é uma realidade: meio a zero contra o Guarani nos basta. Não precisamos pensar nos outros jogos. Não nos importará o que os árbitros possam vir a fazer para beneficiar um ou outro grande favorito da imprensa. Basta fazermos a nossa parte, basta cuidarmos do nosso jardim. Só dependemos de nós mesmos.

A fanática, numerosa e belíssima torcida do Fluminense confia no potencial de seu time, que não terminou a penúltima rodada do campeonato como líder por acaso, destino ou favor. É um time com méritos. Liderou a maior parte da competição com autoridade, soube superar os momentos difíceis, o desfalque de vários titulares, os momentos de oscilação dentro e fora das quatro linhas. É um time que soube caminhar o trilho da competição por pontos corridos, orientado por um treinador especialista na modalidade. Em suma, não é o cavalo paraguaio que só os ingênuos atestaram, mas a águia do Atlântico Sul.

Não há mais o que adiar. Uma semana que vai demorar um século, até que o domingo à tarde chegue. E que ele nos ofereça uma vista tão bonita quanto a linha do céu de Barueri ontem, onde vi estampadas as três cores que traduzem tradição, glória e vitórias inesquecíveis. Certa vez, alguns rubro-negros tentaram zombaram de nós no Maracanã, ridicularizando o verso “quem espera sempre alcança”. Nós sempre soubemos esperar; por isso, estamos aqui. Sinto um agradável aroma de felicidade; acima de tudo, que ele prospere e vigore pelos ares do Engenhão na batalha final.


Publicado em “Do inferno ao céu – a história de um time de guerreiros”, editora 7Letras, 2010.

O título da crômica é uma referência direta a “Nashville Skyline”, de Bob Dylan.

 

Paulo-Roberto Andel

Panorama Tricolor/ FluNews

@PanoramaTri @ pauloandel

Contato: Vitor Franklin

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