A lenta destruição do Maracanã (por João Leonardo Medeiros)

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Reformas

Um estádio mal construído, inaugurado às pressas, passa quase meio século sem investimentos de efetivas melhorias. Perto de completar cinquenta anos, começa uma sequência de “reformas” que culminaria em sua total destruição.

Fico aqui apenas com alguns efeitos da terceira reforma, que, na verdade, consistiu na demolição do Maracanã. Os méritos existem: mais e melhores banheiros, novos espaços para comércio, acesso muitíssimo mais fácil. Mas essas vantagens tornam-se minúsculas diante do custo da obra e das alterações desastradas. Por exemplo: sem qualquer justificativa convincente (alegou-se problema técnico jamais comprovado), demoliu-se a cobertura do Maracanã. A troca de concreto por uma lona horrorosa transformou o estádio num autêntico forno, mesmo quando a temperatura é mediana. Ademais, o Célio de Barros sumiu, transformando-se em estacionamento. Do Julio Delamare não se ouve mais falar e o Museu do Índio está como esteve nas últimas décadas: em ruínas. Não há novos estacionamentos (além das vagas do Célio de Barros, que ninguém sabe exatamente como acessar), não há restaurantes, não há área de escape decente ao redor do estádio.

Informações sobre as reformas podem se obtidos no interessante artigo redigido por uma das pareceristas do tombamento do estádio pelo IPHAN: http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/projetos/12.133/4225

Operação

Como se não bastasse, a operação do novo estádio, agora chamado de arena – certamente porque seu público é assado em forno médio para ser jogado aos leões sob os olhares atentos da televisão –, é dita caríssima. Não sabemos se é mesmo, posto que o estádio joga dinheiro fora. Ou não? Quem tem aqueles “bares”, quem vende (caro) produtos de baixíssima qualidade, quem não explora sequer a alimentação, faz o quê? Joga dinheiro fora. Mas a operação é dita cara, de modo que os ingressos têm de sê-lo também.

En passant, tem coisa mal contada aí. Como sócio proprietário do clube, desembolso cerca de 150 reais (é menos do que isso) para frequentar o clube com esposa e filho e (neste caso, só eu) ir aos jogos em que o Flu é o mandante. Se o clube mandar três jogos em casa por mês, custaria 30 reais por jogo, se nenhum tostão dos 150 mangos fosse para a manutenção da sede social e para as demais despesas do clube. Mas se diz na imprensa que não dá para operar o estádio cobrando menos do que 40 pratas. Se vendermos, como o Palmeiras e o Inter, a lotação do estádio no programa sócio-torcedor, o clube vai pagar a diferença?

Tudo bem, engulamos. Tem de ser caro. Se o clube jogar três vezes por mês no estádio e um casal quiser assisti-los, gastará, pagando 40 reais (geralmente é mais do que isso) = 240 reais só de ingressos. Provavelmente, morrerão numa grana para chegar ao estádio. Se vierem de São Gonçalo, Niterói, da Baixada ou da Zona Oeste, e não do entorno da linha do trem ou metrô, ou torrarão num estacionamento caríssimo (cerca de 20 mangos) ou chegarão em casa de madrugada nos dias de jogos noturnos. Dentro do estádio, poderão saborear uma deliciosa… nada. No máximo, um pacote de biscoito ou um cachorro quente sem molho, nem pão, nem salsicha. Mais seis mangos por bebida não alcoólica e… vai fazendo a conta aí. É caro para uma família de classe média e realmente impeditivo para o público tradicional do estádio: aquele que pagava pouco e lotava as instalações precárias, mas acessíveis.

Há uma mensagem implícita nisso tudo: ou o público paga pouco e é tratado como porco em chiqueiro ou não vai ao estádio. Pagar pouco e ter boas instalações parece fora do leque de possibilidades.

Ingressos

Como se não bastasse, é impossível comprar tranquilamente os ingressos e entrar no estádio. Neste caso, trata-se de uma chantagem, praticada com a conivência dos clubes: ou se associa ao clube de alguma maneira e tenta o “benefício” de conseguir comprar ingressos com facilidade, ou sofre um martírio. Para quem vai eventualmente ao jogo (grande parte do público), a mensagem é direta: afastem-se para não atrapalhar.

Somando essa informação com as anteriores, o cenário é: sofram para comprar ingressos caros, sofram para chegar e sair do estádio, sofram para acessar ao estádio, sofram de calor dentro do estádio, sofram comendo e bebendo “alimentos” baratos por preços extorsivos.

Não tem tanto masoquista assim no Rio de Janeiro, tem? Resultado: o estádio vive mais vazio do que cheio e arrecada pouquíssimo. Há um elemento que omiti na narrativa acima: a privatização. Ou seja, essa tragédia não é mais operada pelo Estado, de maneira que não pode mais ser apontada como resultado da má gestão pública, da corrupção, dos políticos etc., etc. São grupos empresariais fortíssimos que tocam o estádio, que mandam no estádio, que submetem os torcedores – a gente – aos suplícios que enumerei. Fazem isso e cobram por isso. Mas sequer conseguem lucro, o que é mais incrível.

A conclusão deles

A culpa é do povo, que chega tarde ao estádio, que não se comporta, que não gosta de cachorro quente sem molho, pão e salsicha, que não faz xixi com cheiro de moranguinho. Feios, bobos, cabeças de mamão de todas as torcidas, preferem ir ao shopping, ao teatro, ao cinema do que ver a alegria do povo. Talvez isso se deva à pobreza de nosso futebol, certo, mas essa gente poderia ao menos gostar de fazer ola e não de assistir confortavelmente o mesmo jogo no bar de sua preferência, comendo cachorro quente com pão, molho e salsicha.

Minha conclusão

Tomaram um patrimônio cultural do mundo e entregaram de mão beijada para empresários gananciosos, desinteressados e incompetentes. Que se reestatize imediatamente o estádio e se arranje uma maneira de torná-lo novamente uma diversão popular. Não é possível que não exista saída.

A única coisa que lamento é que parte de nossa torcida ainda se sinta culpada pelo paulatino abandono do estádio. Por exemplo: o jogo contra o Sport, cerca de 15 dias atrás, sucedeu outro em que a torcida foi massacrada pela operação do estádio e voltou para casa. Muita gente ainda achou que 15 mil pessoas no estádio foi vergonhoso para um jogo importante, embora houvesse ocorrido o massacre dias antes e o horário do jogo fosse 19:30h de domingo, volta de feriado. Nossos envergonhados tricolores sequer foram pesquisar o histórico de públicos no horário do fim de domingo (seja 18:30h ou 19:30h), neste campeonato mesmo. Se o fizessem, teriam descoberto que os vergonhosos 15 mil tricolores formaram o segundo maior público do horário neste campeonato, ao menos até agora, com exceção de outro jogo apenas: Flamengo contra… Fluminense.

Panorama Tricolor

@PanoramaTri

Imagem: wikipedia

2 Comments

  1. Muito bom….contra fatos…..vc sabe.

    ST

    SmosFluminese x 19 + (sopradores de apito)²

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