A confraria e os cinco passos (por Paulo-Roberto Andel)

Não era surpresa alguma o Fluminense conseguir a vitória sobre o Coritiba no Engenhão. Não falo aqui de desrespeito aos paranaenses, mas sim porque o líder, depois de atuações oscilantes contra os fortes Grêmio e Atlético Mineiro, poderia recobrar seu potencial de regularidade mostrado em todo o campeonato.  A vitória por 2 x 1, com direito ao tradicional suor tricolor no fim da partida para manter o placar, não traduziu efetivamente o que se viu em campo, principalmente na primeira etapa.

Antes de tudo, o verdadeiro humorismo inundou o Engenhão e seus arredores. A tradicional Confraria do Garoto, expoente da gozação e do bom-humor cariocas, esteve presente na entrada do setor leste, seguindo depois a tocar pelas ruas. Cantar de 1 até 41 para galhofar o novo mais-querido-da-imprensa e sua ausência entre os campeões brasileiros foi um momento esfuziante. Quando eu era garoto, fazíamos esta mesma brincadeira contra o Botafogo, mas era muito mais simples: afinal, a contagem alongou-se apenas até 21. O anão fazendo vezes de bebê-chorão da Confraria, devidamente vestido com as cores do vice, foi um espetáculo à parte. Tudo isso me remeteu à crônica que nosso mestre Nelson escreveu certa vez sobre certa missa cômica na Igreja de Nossa Senhora da Paz – tanto ele quanto os confrades foram muitas vezes o sinônimo do humorismo qualificado, muito distante das reações de ódio, xenofobia e quase marginalidade de setores da imprensa vigente. Chefões e lacaios das redações foram reduzidos a pó de avenida sem o luxo do meio-fio. Os risos provocados pela Confraria serviram de excelente prenúncio da noite.

Tirando os ingressos que mais uma vez, apodreceram na mão dos não menos podres cambistas, nossa linda torcida fez o espetáculo de sempre: cantou, vibrou, pulou, ofereceu nossas lindas mulheres como estandartes de fé e, acima de tudo, teve paciência quando o Fluminense teve dificuldades no decorrer do jogo. Para ser campeão, um time precisa ser inteligente em campo e ter em sua torcida essa mesma inteligência. Foi o que aconteceu. Temos nossos admiráveis maníacos à mão, milhares deles. Não houve falhas. As arquibancadas foram o nosso sambódromo e, nelas, desfilamos com rigor.

Em campo, o Coritiba veio como o vice das lágrimas amargas, todo de preto, com o peso do luto pelo fascismo aviltante de parte da imprensa esportiva nas costas, incendiária de uma campanha nacional contra o Fluminense. Todo de preto para enfrentar o branco da paz das Laranjeiras. Sem maiores dificuldades, chegamos a um a zero com bela arrancada de Wellington Nem, que conseguiu todos os holofotes para si no primeiro tempo (e os repetiria no segundo, para o bem e para o mal): fez o gol importante aos 14 minutos aproveitando a bobeada no passe de Deivid, mas perdeu ao menos outros três, de modo que uma goleada tricolor na primeira fase teria sido absolutamente normal. Outro jogador que claudicou foi Digão: errou bastante e, em vários momentos, levou a torcida à loucura. Contudo, é um guerreiro de 2009 e tem enorme crédito. Carlinhos foi Carlinhos e isso quer dizer uma técnica admirável recostada à sombra de um bicho-preguiça. Bruno foi Bruno – no segundo tempo, seria decisivo na defesa. Neves acertou um balaço no travessão de Vanderlei em cobrança de falta pela direita. Afora isso, tudo correu como esperado: criamos chances de gol, o Coritiba praticamente não nos ameaçou exceto uma ou duas jogadas normais – só os esquizofrênicos pensam que é possível vencer todos os jogos facilmente sem receber um único ataque em resposto. O futebol tem dois times em campo, ora. Quanto a Cavalieri, regularidade e frieza de sempre. Jean recobrou a qualidade no meio-campo perdida na partida no Independência. Fred podia ter feito belo gol de cabeça no canto esquerdo de  Vanderlei, após cruzamento de Carlinhos, mas o goleiro espalmou para fora.  Ao fim do primeiro tempo, apenas algum incômodo pela sensação de que era possível ter liquidado o jogo. No time do Coritiba, os perigos eventuais moravam nas camisas de Lincoln e Rafinha.

Reitero: 1 x 0 nos basta em todos os jogos. É preciso entender que o momento não é o de oferecer espetáculos estrambóticos, ter homens-foca equilibrando a bola em um circo de grama, viver as cores do superlativo. O que nos cabe é a vida real: o drama, a dificuldade, o drama, o esforço e a vitória. Alguns falam que o Fluminense não tem um futebol bonito, que é ameaçado pelos adversários, que a tática do governo Abel é arriscada por demais, mas tudo fica mudo diante de uma única pergunta: onde estão as grandes e monumentais equipes deste campeonato que não ameaçam o tricolor no topo da tabela. Outra pergunta: quem perde cinco ou sete jogos é melhor do que quem perde três. Façam-me um favor os imbecis das redações e seus lacaios em busca de quinze minutos sem fama: desapareçam no ocaso.

Voltamos para o jogo, segundo tempo em riste. Deco sentiu e saiu imediatamente, experiente que é. Perdeu algumas bolas, foi esplêndido em outras, combateu como sempre. Ouso dizer que é o mais combativo dos craques brasileiros em atividade no mundo: desfila no campo como um príncipe da elegância de um Didi, um Gerson, um Delei, mas não se furta ao combate constante na marcação. É um exemplo. Toma cartões justamente por isso. Pois bem, com a saída do Luso, Wagner veio a campo, mas se machucou também mais tarde – então, para a preocupação de alguns, Diguinho veio a campo, felizmente sem comprometer. Tivemos também a esplêndida jogada de Jean, batendo os adversários e passando a Nem, chutou à direita de Vanderlei com a bola roçando a trave. Aos 22, o jovem quase-ponta arrancou com tudo mais uma vez pela direita, cruzou com categoria e Neves só cumprimentou de cabeça para o gol livre, fincando a bandeira tricolor no cume da vitória. Mesmo combalido, o Coritiba não se entregou e quase fez o gol no toque de Rafinha, após a bobeira de Cavalieri: tocou por cima, mas Bruno acertou uma linda bicicleta e tirou o gol feito. O Fluminense ficou mais recuado, passou a receber mais ataques e, a dez minutos do fim, os paranaenses descontaram com Everton Ribeiro depois de uma bate-rebate. Por dez minutos, os calhordas e seus capangas rezaram ao diabo pela debacle tricolor, mas foi em vão. Sóbis entrou por formalidade no fim, em lugar do esgotado Neves, até que as cortinas foram cerradas e mais uma vitória tricolor se confirmou.

Bastava 1 x 0; fizemos 2 x 1. O Fluminense voltou a ser mais líder do que nunca. A ironia do destino é cruel: o mesmo Coritiba que derrotamos pode ser o algoz atleticano no outro domingo em Couto Pereira. Antes disso – quem diria? -, a Gávea, historicamente tão pouco aplicada em jogos que pudessem nos beneficiar de alguma forma, desta vez terá que suar sangue ainda na luta contra o descenso no Independência, hoje improvável mas não totalmente descartado. Certo é que nossa vantagem aumentou, a imprensa marrom de tanto mofo nos armários sente suas tênues esperanças por um fio e, se você perguntar a qualquer tricolor pela chance de ser campeão, ele dirá: “Estamos a cinco passos do céu, senhor. Cinco passos.”

 

Paulo-Roberto Andel

Panorama Tricolor/ FluNews

@PanoramaTri @pauloandel

Contato: Vitor Franklin

5 Comments

  1. Os próximos dois jogos definirão a sorte do campeonato. Um empate e uma vitória nos colocariam muito perto da taça. Até um vitória apenas já ajuda. O que não pode é perder ou empatar os dois jogos. e se a urubuzada nos ajudar na quarta-feira, aí sim vamos pra galera.

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