A arte de secar e a triste realidade (por Paulo-Roberto Andel)

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Meio de semana, o Flu não estava em campo, o que fazer? Nada como aquela boa e sofisticada arte de secar o rival na TV, ainda mais quando ele possui um império econômico e midiático permanentemente a seu favor. Duas esfihas do Habib’s deixadas pela cônjuge, um copo de coca-cola, dois bolinhos Ana Maria de baunilha e está montado um grande lanche diante da TV.

Gozações à parte, ficou até barato: o Cruzeiro perdeu um caminhão de gols e poderia ter aplicado uma goleada histórica. Claro que é divertido ver o mais querido das redações levar uma chinelada, mas no caso é mera constatação.

Não sei dizer onde aprendi o ofício de secar. Em 1978 eu nem tinha dez anos de idade e lá estava ouvindo a decisão no grande rádio Telefunken que tínhamos em casa, torcendo pelo Vasco e me sentindo mal com o gol de Rondinelli no final. Meu pai, mentor esportivo, nunca deu uma única palavra sobre o assunto, mas trabalhava firme: rival contra o Campo Grande no Maracanã, lá estávamos na modesta torcida alvinegra da Zona Oeste. Rival contra o Palmeiras, jogaço de 1979, eu achando um barato estar no meio de um bolinho verde contra um mundão de gente vestida de vermelho e preto. O Fla-Flu e sua longa trajetória em minha vida se encarregaram do resto.

Perto da meia noite, uma chuva de mensagens no WhatsApp e no Facebook, piadas, gargalhadas. E aí o futebol exerce uma de suas melhores funções: servir de brincadeira, de riso enquanto do lado de fora a vida está braba: desemprego, depressão, violência, desesperança. Mesmo sem o nosso time em campo, é uma maneira de se distrair e ocupar a cabeça para não pensar em um Rio e um Brasil tão abandonados e tristes, jogados à própria sorte.

Ri pacas depois do jogo, falei com amigos, abracei virtualmente os colegas da arquibancada rival. Tudo me ajudou a esquecer um pouco dos meus inúmeros problemas, além de ser mais divertido do que espiar a tragédia diária que cerca o Fluminense: calotes, mentiras, ódio, capangas virtuais levando e trazendo a guerra, tricolores querendo a morte de tricolores, tricolores culpando a torcida pela incompetência de quem toca o clube, o grande campeonato trash para se saber qual “gestão” é menos desastrosa, arrogância, prepotência, misoginia, até racismo e congêneres. Enfim, uma bosta. Nem nos piores momentos do passado dava para se imaginar o que se vê hoje. E o que o Flu ganha com tudo isso? Pone…

Ou pensar que o Pedro pode ir embora antes do justo e razoável, sem retorno esportivo. Ou que a única solução razoável para o clube é impossível: livrar-se de 98% dos que estão dentro e não deixar entrar 98% dos que estão fora agora. É muita gente ruim pra pouco espaço ou, lembrando daquela sensacional página do Facebook, “Pessoas escrotas que torcem para o seu time”.

Melhor pensar nos meus botões, no campeonato do Rock Flu no sábado e em uma boa vitória sobre o Inter na segunda-feira. É o campo, sempre ele, com a missão de espantar as más almas que o cercam em busca de pequenas vilanias. E descer para zoar os flamenguistas no trabalho, enquanto ainda se pode rir nesta terra de injustiças e escrotidão.

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Morreu Guilherme Lamounier, um dos grandes músicos brasileiros dos anos 1970. Doente e recluso há muitos anos, desprezado pela mídia.

O Brasil é uma tragédia, sempre à espera de um Renato Rocha mendigando sem rumo para um grande especial de TV. Enquanto isso as pessoas estão na sala de jantar, pouco se importando com o que acontece fora de seu mundinho particular.

Panorama Tricolor

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