Está longe de ser a melhor coisa, quase sempre é desagradável, em alguns casos é até injusta. Agora, se tem algo que abriu caminhos para títulos memoráveis do Fluminense é a vaia, ao menos para os que conhecem a história do clube.
Nos longínquos anos 1930, as vaias por 12 anos sem títulos fizeram com que o Fluminense montasse o maior time de sua existência, multi campeão e base da Seleção. Já nos anos 1970, mesmo depois de uma sequência maravilhosa em 1969/70/71/73, as vaias de 1974 ajudaram a conduzir o Flu para a dourada Máquina Tricolor. Quando era um absurdo o time ficar três anos sem ser campeão, as vaias exigiram a reação que resultou no grande time de 1980 – e este, logo desfeito, gerou muito protesto da arquibancada, liderada pela Fôrça Flu, até desaguar na montagem do maravilhoso time tricampeão brasileiro e carioca, outro dos maiores da nossa história e que teve como titulares muita gente boa que ouviu MUITA vaia – perguntem a Paulo Victor, Aldo, Duílio, Jandir e Deley, meio time que já estava no clube antes do segundo semestre de 1983. E não custa lembrar: quando os clássicos eram clássicos mesmo, 120 mil pessoas significavam 60 mil aplausos e 60 mil vaias no começo de qualquer confronto.
“A grande vaia é mil vezes mais forte, mais poderosa, mais nobre do que a grande apoteose. Os admiradores corrompem.” (Nelson Rodrigues, o maior cronista tricolor de todos os tempos)
Há alguns anos, existe uma prática estranha no Fluminense: treinadores e auxiliares ridicularizarem parte da torcida que vaia. Tudo com o selo de mediocridade da gestão Emebê, que se escora na conquista da Libertadores para ludibriar a opinião pública com sua condução caótica. E claro, não poderia ser diferente agora, com Renato Gaúcho – nome imortal no campo em 1995 e personagem marcante de três dos livros que escrevi sobre o nosso time.
Incapaz de modificar o cenário medíocre do time desde que voltou ao clube, Renato ligou o besteirômetro na coletiva e disparou: “Tem torcedor que vem aqui no Maracanã descarregar problemas particulares em cima de jogador. Com cinco minutos de jogo tem torcedor vaiando”. E mais: “Entendo que é muito perigoso trabalhar em clube no ano de eleição, mesmo ganhando não agrada todo mundo”.
Um verdadeiro show de estupidez e alienação, não muito diferente das palavras do chefe, acusando tricolores de torcerem contra o clube por criticarem sua gestão literalmente arrombada – basta que venha a público a verdade sobre as contas do clube, há anos manipuladas e ocultas.
Na verdade, parte da torcida do Fluminense não vaia aos cinco minutos por causa de problemas pessoais. A vaia é pelo primeiro erro grosseiro que sucede atuações de merda, fato corriqueiro há mais de um ano e meio, no mínimo. Time que joga bem nunca é vaiado – pelo contrário, é capaz de ser aplaudido até nas derrotas. Já o time medíocre é o contrário: pode ser vaiado até nas vitórias.
É importante dizer que, com todo o respeito mesmo, o Unión que perdeu ontem é um dos times mais fracos que já pisou no Maracanã nos últimos 45 anos, tempo em que frequento o estádio permanentemente. Noutras épocas, a torcida tricolor talvez tivesse até perdido a paciência com o jogo medonho desta quarta. Vaiou foi pouco e quase não xingou.
Você, que acompanha estas linhas, não vê o Fluminense jogar bem duas partidas consecutivas há quanto tempo?
E por que quando o time é poupado, volta a campo pior do que antes?
Há quanto tempo Fábio tem sido espetacular no gol tricolor? E por quê? Por que estamos sendo muito convincentes ou por que somos constantemente acossados na defesa, fazendo nosso goleiro ser muito mais pressionado?
A vaia é porque parte da torcida entende que determinadas contratações cheiram a trapaça, sem expectativa de retornos esportivos e financeiros, com altos salários pagos às custas da liberação barata e precipitada dos jovens da base, mais prazos longos e aditivos.
A vaia é porque parte da torcida não tem vocação para claque ou vassala, e quer ver o Fluminense não apenas vencendo adversários de quinta categoria, mas convencendo, mostrando grandeza e capacidade de disputar títulos.
A vaia é para dezenas de milhões de reais jogados fora com contratações extraterrestres e injustificadas. E porque muita gente faz sacrifício para comprar ingressos caros para ver um futebol de bosta como o atual.
A um mês do sonhado Mundial de clubes, o Fluminense não mostra condições mínimas para sequer chegar perto da decisão. Sua posição no Brasileirão é enganosa, às custas de seis pontos conseguidos com sorte no último lance – a rigor, só jogamos bem contra o Corinthians. O futebol apresentado é sofrível, tosco, medonho, digno de um “planejumento“. Mas Renato reverbera o discurso de seu “chefe” em vez de buscar alternativas para melhorar sua equipe, que praticamente tem brigado com a bola e o bom futebol.
Particularmente não gosto de vaias, raramente vaio, mas poucas vezes elas foram tão precisas quanto nesta quarta no Maracanã. E merecidas.
O que Renato quer? Que o Fluminense perca oito jogos seguidos para o Botafogo e a torcida comemore? Que jogue uma partida patética como a de ontem e a torcida solte fogos de artifício tipo Réveillon? Vá então para o Corinthians ou o Atlético Mineiro, trabalhe do mesmo jeito e aguarde a reação popular dos alvinegros de São Paulo e Minas Gerais, respectivamente.
Faça-me um favor…
Se estiver insatisfeito, peça demissão. Tem gente louca pelo salário milionário.