Gol de barriga, 27 anos depois (por Paulo-Roberto Andel)

A cada ano que passa, aquele dia se mostra mais invencível e vocacionado para a eternidade.

Infelizmente, para as novas gerações fica mais difícil entender o que era o Maracanã de mais de 100 mil pessoas. Praticamente um outro esporte.

O Fluminense lutava, lutava, batia na trave e prosseguia. Lutava contra as próprias limitações. O basta veio em 1995.

O que aconteceu naquele Fla x Flu de 25 de junho de 1995 nunca mais se repetiu. Depois de ter feito um dos melhores primeiros tempos da história do clássico, o Flu deixava escapar o título por entre os dedos: o empate rubro-negro veio a doze minutos do fim do jogo. Dali em diante tudo virou drama, ciência e poesia. E livros, claro.

Quase 30 anos depois, eu ainda me sinto impactado. O intervalo entre os gols de Fabinho e Renato Gaúcho, dos 33 aos 41 minutos do segundo tempo, continua sendo o momento mais dramático e apoteótico que vivi como torcedor em toda a minha vida. Do outro lado, eles berravam tanto que pareciam estar a centímetros de nós. Em campo, o Fluminense parecia ferido de morte mas corria como se nada tivesse acontecido. Na arquibancada, muitos dos nossos foram embora: temeram pela virada flamenguista que parecia inevitável. Cometeram um erro: o Fla x Flu nunca termina.

Quando aconteceu o gol de barriga, ficamos atônitos: era olhar para o bandeirinha e confirmar se tinha valido mesmo, enquanto Renato corria sozinho pelo outro lado do campo – ele era a única pessoa no Maracanã que sabia o que tinha acontecido no lance. Enquanto isso, a nossa arquibancada virou praça da apoteose: desconhecidos se beijavam, rolavam pelos degraus enlameados, gritos ensandecidos, lágrimas, abraços, lágrimas e fé. Dos túneis de acesso, surgiu a multidão que havia ido embora – souberam do gol nas rampas do Maracanã ou já fora do estádio. E ali ficamos com a certeza absoluta do título tão sonhado, mesmo com o Flamengo nos atacando loucamente – Wellerson brilhou – e com três homens a menos – Sorlei, Lira e Lima.

Quando o jogo acabou, fiquei paralisado. Tive certeza de ter vivido o momento mais emocionante de minha vida com o Fluminense. Algo que te deixava inerte, sem reação, fora de si, quase um processo hipnótico. Algo tão forte que, mesmo depois de três livros publicados sobre o assunto, ainda não se esgotou do meu sentimento.

Thiago Silva, um dos maiores zagueiros do mundo, virou Fluminense naquela tarde. Muitos garotos fizeram o mesmo. Não era uma decisão qualquer: nunca mais no futebol brasileiro um time foi campeão derrotando o melhor jogador do mundo pela FIFA. Nunca mais uma decisão foi tão eletrizante e cheia de alternativas.

Achávamos que ficar nove anos sem títulos jamais se repetiria na história do Fluminense, mas acabou acontecendo. Quis o destino que novamente fosse o velho rival a ser batido em 2022, desta vez numa decisão em dois jogos e com o faro de gol de Germán Cano. A festa tricolor foi bonita e merecida, mas não cabe comparação com 1995. Os que tiveram a sorte de serem tricolores naquela já distante decisão experimentaram um gosto único, exclusivo, que pode ser representado por uma famosa frase de Frank Sinatra: “Só se vive uma vez. E da maneira que eu vivo, uma vez basta”.

Daquele jeito, com aquele roteiro, o jogo do gol de barriga só se vive uma vez – e eterno, ele permanece entre nós.