40 anos sem Nelson Rodrigues (por Paulo-Roberto Andel)

Há exatos quarenta anos, o maior escritor do futebol brasileiro publicou sua página final.

Desde então, jamais foi superado. Porém, é certo que influenciou muitos outros escritores a contar as novas – e antigas – histórias do Tricolor.

Nelson nasceu com o Fla-Flu. Viu de perto o esquadrão dos anos 1930, o título na Lagoa, o Mundial de 1952, os Torneios Rio-São Paulo e a era de ouro em fins dos anos 1960, que se propagou pela década seguinte com a Máquina Tricolor de sonho. Seu último suspiro foi para o maravilhoso e efêmero ano de 1980.

Uma pena. A vida tem limite.

É se se imaginar as maravilhas que teria publicado sobre o toque e o voo imortais de Assis e o gol de barriga.

Mesmo nos anos terríveis, Nelson teria sido um farol, uma torre de vigia a defender o Fluminense.

É divertido cogitar o que seria o velho Nelson hoje. Provavelmente teria uma página com milhões de seguidores e desafetos, inclusive entre seus pares. Suas crônicas fantásticas teriam milhares de compartilhamentos e não seria surpresa se fosse lançado candidato à presidência do clube – com muito mais competência do que vários mandatários já testados. O que pensar das respostas que daria aos haters?

Talvez com Nelson não tivéssemos sido rebaixados, nem perdido aquela Libertadores, nem passaríamos a penúria dos atuais oito anos de figuração entre lutas para não cair. Seu texto era uma força da natureza que nos servia de bússola nas tempestades. E o que teria sido seu rol de crônicas sobre personagens e fatos dos triunfos de 2010 e 2012?

Constatação inevitável: uma década depois da morte de Nelson, o Fluminense perdeu o protagonismo que precisa ser resgatado o quanto antes. Abrimos mão da supremacia local, tivemos restrito brilho nacional e continental, este sem a marca da eternidade que os títulos garantem. Trocamos a humildade dos vencedores pela arrogância oca dos pernósticos figurantes.

Durante mais de meio século, o Fluminense de Nelson Rodrigues foi tão grande que o cronista previu a eternidade do clube. O maior dramaturgo brasileiro injetou poesia, drama e comicidade nas crônicas de futebol, fazendo do nosso time o objeto esportivo mais laureado da literatura nacional. Resultado: ele mesmo, Nelson, é que se transformou em uma presença perene do Flu. É a força que nunca seca: quantas vezes não recorremos a suas frases, máximas e sentenças?

Dia 21 de dezembro de 2020. Começou o verão carioca que já nos atinge há dias. É uma bela tarde de sol. Quarenta anos depois de sua morte, Nelson Rodrigues ainda é nosso líder máximo. Esperamos que ele volte de alguma forma. Esperamos um encontro com o verdadeiro Fluminense – aquele que ele viveu como ninguém. Esperamos a próxima crônica, que enalteça nossos heróis e troque as comemorações por negociações de dívidas pela velha festa dos grandes títulos, das vitórias avassaladoras, dos craques monumentais e dos gênios da raça, os reis da garra – batalhadores incansáveis.

Enquanto o Fluminense não voltar a ser o verdadeiro protagonista, Nelson Rodrigues não descansará em paz. O Tricolor deve a ele um reencontro com a própria história, com a gênese, com suas raízes de triunfo. Muito do que somos devemos a ele, é preciso acertar as contas com a vocação das três cores da vitória. Honremos a memória do mestre.