Breves reflexões (por Paulo-Roberto Andel)

IMG_47801548135522Tendo ou não tendo jogo, pouco importa: o Fluminense está em todos os lugares. Ora quando falo com minha namorada, ora nas lidas deste PANORAMA, ora nas amizades e contatos virtuais, nos projetos de livros a caminho. A caravana não para.

Assim posto, terminado o desastre de sábado, tive um grande domingo: chopes, a saudável aragem de um dia de eleições, rever grandes amigos do passado, ganhar um espetacular CD do Can de Gustavo de Moraes, sucrilhos au lait. Veio o fim de noite e aqui me registro.

As coisas mudam. A vida muda. Pobre de quem não se recicla. Mas nem tudo. Algumas reflexões podem ganhar perenidade, outras não.

Sobre o Fluminense há de tudo um pouco.

As poucas boas partidas recentes dão o gosto de revival, de esperanças, de pequenos sonhos e fantasia. Quem dera a vida fosse só isso. Não é.

As partidas oscilantes abalam convicções, desafiam paradigmas, trazem contestações. Caso de agora.

Se há um mau sentimento que não existe em minha vida é o de ingratidão. Contudo, ser amigo, fã,  admirador ou reconhecer a história não é sinônimo de bajulação ou de elogios gratuitos vitalícios. O torcedor critica e elogia como vê.

Desde aquele 3 x 2 fantástico contra o Palmeiras no dia do tetra em 2012, a verdade é que nosso time nunca mais foi o mesmo. Vai fazer dois anos. Teve lampejos, grandes momentos efêmeros (5 x 2 sobre o São Paulo este ano), sugeriu que o impossível era possível. Então acreditamos, torcemos, choramos e sofremos. Perder é normal e faz parte de qualquer esporte – exceto o frescobol; fora de contexto é perder quando ficam visíveis todas as condições de se vencer e isso não acontece por fatores alheios ao jogo. Depois daquele tetra imortal, todos acreditamos ter time para dez anos, inspirados em folclórica frase do querido Abelão. Só que o tempo não para.

Depois de um 2013 pavoroso comandado integralmente pela investidora – e que só não terminou em tragédia porque cada André Santos tem o Heverton que merece -, dezenas de milhões de reais gastos, o maior massacre midiático já imposto a um clube e uma torcida no futebol brasileiro, tudo o que a torcida do Fluminense mais merecia era um time em 2014 que mostrasse garra e luta a cada segundo das partidas disputadas. Isso seria a nossa redenção, o fortalecimento, ainda mais com vários jogadores permanecendo em Laranjeiras com salários vultosos e boas condições de trabalho. Mostrar que 2013 foi uma injustiça.

Não deu. Ainda.

Começamos 2014 com Renato Gaúcho, o eterno herói de 1995 jamais repetido à beira do campo. Apostamos no talento infinito de Walter, mas a balança pesou. Em campo, o pífio campeonato carioca era febre no termômetro. A troca era inevitável, o Sr. Celso cuspiu fogo e veio Cristóvão.

Num raro momento mágico, o Fluminense teve quatro ou cinco partidas de sonho, a ponto de ser aplaudido em partidas onde foi derrotado mas jogou bem. Problemas aconteciam, mas foram varridos para debaixo do tapete. Dois deles, muito graves: Fred, o artilheiro, o símbolo de muitos, reagindo de forma desproporcional contra torcedores e, mais tarde, depois do mau episódio do Santos Dumont (caso de polícia e que assim deveria ter sido tratado), ameaçando um motim do qual jamais se desculpou. Muitos tricolores apaixonados deram toda a razão do mundo ao artilheiro. A paixão geralmente cega, não permite contraditórios e faz do apaixonado às vezes um reacionário. Num dado momento, o Brasil inteiro foi contra Fred, exceto a torcida do Fluminense que o acolheu depois do maior desastre da história da Seleção Brasileira, com o jogador sendo massacrado pela mesma mídia que antes o bajulava.

Se o ídolo que serve de paradigma erra e perde a noção de espaço e razão, é natural que alguns de seus companheiros de lida façam o mesmo. É possível agora entender Kenedy mandando a torcida se calar? Ou Wagner, mesmo correndo e lutando, achando-se no direito de barganhar renovações de contrato em troca de uma vaga na Libertadores? Ou Cristóvão dizendo que tricolores reclamam de barriga cheia pela “ótima” posição no campeonato? Cavalieri dizendo-se injustiçado por parte da torcida? E tudo isso é também fruto de uma estrutura equivocada, onde o jogador obedece mais ao dono da investidora (trem pagador) do que a qualquer treinador e dirigente. Problema de 15 anos, agravado nos últimos 12.

Num ambiente de conturbação, é claro que só se pode esperar irregularidade. Nesse ponto de vista, a campanha tricolor no Brasileirão é plenamente normal, exceto pelo fato do time ter custado até aqui 22,5 milhões de reais.

Há um sinal claro: o da necessidade de renovação. Grandes times são maravilhosos, podem fazer história mas possuem prazo de validade. O futebol é dinâmico e não permite que um time tenha a longevidade espetacular dos Rolling Stones.

Outro sinal claro é de que Conca e Cícero devem ser os nomes certos dentre os veteranos remanescentes nos futuros Flu 2015 e 2016, pelo que tem apresentado, pela ampla condição física e dedicação incessante. Jovens como Rafinha, Fernando, Gustavo Scarpa, Edson e Marlon, mesclados a outros valores, podem dar novo gás a um Fluminense geralmente combalido a partir dos 20 minutos do segundo tempo, caso frequente dos últimos dias.

Existe algum sentimento de ingratidão por se acreditar que é inviável pensar em Jean para 2015 ou Fred para 2016? Não. Alguém deixa de reconhecer o quanto Sobis lutou pela camisa do Fluminense em 2011, 2012 e 2013 e não é sombra do que já foi? Jamais. Carlinhos não foi heróico em momentos cruciais em Barueri e no Engenhão quando o tri veio? Claro que sim. Todos os campeões tricolores merecem respeito e gratidão eterna? Sem sombra de dúvidas. Mas uma observação é fundamental: o Fluminense não é casa de amparo de milionários e nem pode ser refém de vaidades mesquinhas, sejam elas de caráter social, dirigencial e menos ainda dentro das quatro linhas. E isso vale para todos os jogadores. Se um dia Castilho, Preguinho e Assis saíram, qualquer um também poderá fazer o mesmo.

Quando as coisas vão mal, só a torcida é capaz de mobilizar grandes construções. Que bom seria se a nossa fosse minimamente mais unida, participativa e comprometida com as finanças do clube (leia-se compra de ingressos, sócio-futebol e também participação política): seria mais fácil libertar o Tricolor de velhos fantasmas e certo parasitismo.

Ainda ia falar de outras coisas, tais como sobre o pensamento matematicamente raso de que criticar a investidora é ir a favor da Flapress. E também das quase inexplicáveis derrotas frente a Horizonte do Ceará e América de Natal. Ou da falta de conscientizacão de quem ama o Fluminense exclusivamente em murais, posts e 140 caracteres. A coluna esticou além da conta e essas bobagens ficam para a próxima, na tevê ou rádio.

Ou fiquei cansado demais, feito o Fluminense de sábado passado em Brasília, arrastando-se em outubro como se já fosse dezembro.

Pensando bem, a saideira: até quando seremos reféns sentimentais de 2012, esperando o melhor de um time que já não existe mais, de jogadores cujos apogeus fazem parte do passado?

Panorama Tricolor

@PanoramaTri @pauloandel

Imagem: pra

2 Comments

  1. Bravo, Andel!

    É uma pena jogadores e comissão técnica não dedicarem um tempo (mínimo que seja) a reflexões como essa. Ou pior, lerem sem dar a devida atenção.

    SSTT4

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