1984 – XIV (por Mauro Jácome)

1984 - Capítulo 14 - O jogo perfeito (1)

1984 – Capítulo 14 – O Jogo Perfeito

O sonho de Fla x Flu na semifinal do Campeonato Brasileiro de 1984 teve o mesmo destino das Diretas-Já. O adversário do Fluminense seria o Coríntians, que massacrou o Flamengo no jogo de volta, em São Paulo: 4 x 1.

Muitos jogadores corintianos marcaram época. Tanto pelo lado técnico, como pelo posicionamento político, numa época em que ninguém podia falar nada publicamente que não fosse para elogiar a “revolução”. Encaixavam-se nesse grupo de jogadores o craque-líder-médico-revolucionário Sócrates, o ótimo lateral-esquerdo Wladimir e o irreverente e bom centroavante Casagrande. Os três jogadores, mais o sociólogo-dirigente Adílson Monteiro Alves, criaram uma forma diferente de relacionamento clube x jogadores, dentro de um sistema reacionário-aristocrático-feudal-escravocrata que reinava no futebol brasileiro. Batizaram de Democracia Corintiana. Foi uma época muito interessante, que colocou em evidência algo que passa longe dos boleiros: opinião.

A escalação do time paulista começava pelo goleiro Carlos, titular da Seleção Brasileira por muitos anos. Tal qual o goleiro, Edson e Juninho vieram de uma das maiores máquinas de revelar bons jogadores: a Ponte Preta. Fazia companhia ao Magrão, no meio-campo corintiano, Zenon. Campeão brasileiro pelo Guarani, em 1978, Zenon ostentava um farto bigode e tinha na visão de jogo, nos chutes de média distância, nas cobranças de faltas e nos lançamentos seus pontos fortes. Merecem menção, ainda, o voluntarioso Biro-Biro (ou Lero-Lero, conforme dizia o presidente-mito corintiano Vicente Mateus), o eficientíssimo Eduardo e o folclórico e veloz Ataliba. O grupo era dirigido por Jorge Vieira, um dos técnicos mais respeitados naqueles tempos.

Pode-se ver que se tratava de um baita time, mas quem pretendia ser campeão não podia temer nada, nem ninguém. E assim foi.

FICHA TÉCNICA

CORINTHIANS 0 X 2 FLUMINENSE

Árbitro: Luís Carlos Félix (RJ); Renda: Cr$ 246.078.500,00; Público: 90.560
Gols: Assis 39 do 1º Tempo; Tato 36 do 2º Tempo.
Corinthians: Carlos, Édson, Juninho, Mauro e Wladimir; Paulinho, Sócrates e Zenon; Biro-Biro, Casagrande (Ataliba, 22 do 2º) e Eduardo. Técnico: Jorge Vieira.
Fluminense: Paulo Victor, Aldo, Duílio, Ricardo e Branco; Jandir, Delei (Leomir, 38 do 2º) e Assis; Romerito (Renê, 20 do 2º), Washington e Tato. Técnico: Carlos Alberto Parreira.

O jogo no Morumbi foi um ícone de perfeição tática. As peças movimentaram-se de tal forma que o Coríntians, mesmo com todos os seus craques em campo, assistiram estupefatos ao movimento do time tricolor. Defesa-ataque-defesa-ataque. Todos jogavam por todos, todos sabiam onde todos estavam, e a bola rolava como se inteligência tivesse, sabendo, sempre, para onde deveria ir, sem um único erro. Os jogadores do alvinegro não encontravam espaços para ocupar, nem os companheiros para dialogar. Invariavelmente, havia um jogador de camisa tricolor no caminho. Em compensação, quando o time paulista subia e perdia a bola, não conseguia, na marcação, o mesmo sucesso do adversário. Enfim, o jogo feito pelo Fluminense serve de referência para quem quiser conhecer a excelência tática.

E ninguém melhor para corroborar essa tese do que João Saldanha, na sua coluna no Jornal do Brasil do dia seguinte:

Barato para o Coríntians

COSTUMA-SE dizer que o Fluminense joga um futebol solidário, mas ontem esse time teve um desempenho brilhante, em que a solidariedade de que se fala aconteceu em razão da boa qualidade do futebol, apresentado por vários e bons jogadores (…) O Fluminense não se apequenou quando o Coríntians entrou brabo, para amedrontar, e passava da defesa para o ataque com o toque rápido e inteligente de Romerito e o bom futebol de Delei. Na frente, Assis e Washington, que jogam juntos há bastante tempo, estão cada vez melhores. (…) Enganou-se o Corintians, que ainda estava ontem sob o impacto daquela vitória estrondosa sobre o Flamengo, que foi jogar em São Paulo cheio de empáfia e arrogância. (…) O Fluminense entrou consciente e o primeiro tempo foi equilibrado no meio-de-campo, com marcação severa de ambas as partes, não permitindo liberdade de penetração na área de um ou de outro time. O segundo tempo foi claramente do Fluminense. Domínio total, perfeito. O Corintians, sem ordem, sem ninguém mandando, e o Fluminense, ao contrário, jogando sempre bem-estruturado, com um bom conjunto e com uma atuação soberba. (…) perder de dois, para o Coríntians, foi até muito barato. (…) não vai ter para o Coríntians, mesmo porque acho que o Fluminense não vai dar uma de Flamengo.

Assim como aconteceu no Morumbi, o Maracanã recebeu uma multidão para o jogo da volta: mais de 118 mil. Dessa vez, nada de “invasão corintiana”. No dia em que eu completava 22 anos, o Fluminense me presenteava com a classificação para a final contra o Vasco:

FICHA TÉCNICA

FLUMINENSE 0 X 0 CORINTHIANS

Árbitro: Romualdo Arppi Filho (SP); Renda: Cr$ 355.384.500,00; Público: 118.370
Cartão Amarelo: Juninho, Ataliba e Édson.
Fluminense: Paulo Victor, Aldo, Duílio, Ricardo e Branco; Jandir, Delei e Assis; Romerito, Washington e Tato. Técnico: Carlos Alberto Parreira.
Corinthians: Carlos, Édson, Juninho, Mauro e Wladimir; Biro-Biro, Sócrates e Zenon (Dicão, 21 do 2º); Ataliba, Casagrande e Eduardo. Técnico: Jorge Vieira.

Sócrates afirma que agora quer ser um italiano

O Coríntians anunciou ontem, oficialmente, a venda do passe de Sócrates, para a Fiorentina da Itália, por 2 milhões e 700 mil dólares (…) (JB, 22/5/1984).

Sócrates havia prometido no comício da Praça da Sé pelas Diretas-Já que, caso a emenda de Dante de Oliveira fosse aprovada, não sairia do Brasil. A derrota política e a derrota para o Fluminense precipitaram sua ida para a Itália.

Na semana entre os dois jogos das semifinais, Johan Cruyff anunciava sua aposentadoria como jogador. Cruyff fez parte da melhor geração holandesa, que, comandada por Rinus Michels, revolucionou o futebol. Pode-se atribuir à influência tática que o carrossel holandês teve no futebol mundial, o início do fim do futebol-arte. Polivalência, marcação forte, movimentação intensa, overlaping, foram alguns conceitos que passaram a fazer parte do jargão futebolístico. O sucesso do Ajax e da Seleção Holandesa nas Copas de 74 e 78 incentivou o mundo a adotar alguns dos novos métodos. O próprio Fluminense de Parreira adotou com bastante intensidade o futebol solidário e de muita movimentação, que ainda não eram características dos times brasileiros. A Cruyff atribui-se créditos na filosofia implantada nas categorias de base do Barcelona nos anos 90 e que revelou Piqué, Busquets, Messi, Xavi, Iniesta, Fábregas.

No próximo capítulo, o primeiro round.

Até lá.

Revisão: Rosa Jácome

Foto: www.extra.globo.com

Capítulo 13: www.panoramatricolor.com/1984-xiii-por-mauro-jacome

Demais fontes: www.futebol80.com.br e www.fluminense.com.br

10 Comments

  1. Eu estava lá em SP (e na outra também): Foi engraçadíssimo ver a torcida corinthiana achar que o SCCP ganharia de goleada por ter feito isso com o CRF uma semana antes e ver o time deles entrar na roda. Com 15 minutos de jogo eles nem mais olhavam para o campo, tamanho o show de bola, não tirando os olhos da Torcida Tricolor, pois queriam nos trucidar (eramos uns 5.000 dos 95.000 e tantos presentes) como tinham feito com a torcida rubro-negra no jogo anterior, acabando ali com a fmosa união Fla-Fiel que começou em 1976 (vejam que linda a foto no JS depois do jogo de 1976, em que um chefe de torcida do Corinthians diz que um dia retirbuirão o apoio que a torcida rubro-negra lhes deu). 2 a 0 saiu muito barato, pois para mim Assis foi o único jogafor que destuou em campo, quase sempre errando o último passe e perdendo bolas dominadas que habitualmente ele não fazia, pois parreceia querer provar alguma coisa para os paulistas, por ter saído do SPFC sem o brilho que teve em outros clubes. Se o Assis tivesse no mesmo nível do resto do time, teria sido uns 10 a 0!

    Aqui no RJ apanharam muito, pois sendo uns 3.000 ou 4.000 (a Folha de SP diz que eram uns 5.000, mas não eram tanto), quiseram ocupar cerca de 1?4 das arquibancadas e foram apanhando até o canto das tribunas, pois neste dia os rubro-negros já não quiseram mais lhes dar apoio.

    Uma manobra errada de caminhão de lixo abririu um buraco nos muros do Maracanã e milhares de pessoas entraram por ali sem pagar e serem registradas. Houve estimativas que 160.000 possam ter estado no Maracanã neste jogo de 1984.

    O público PRESENTE no Morumbi foi de 95.392 (não me lembro se achei esta informação na Folha de SP ou no Estadão).

    1. Alexandre, no programa ‘jogos para sempre’, do sportv, o Vladimir disse
      que os jogadores achavam que eram ‘favas contadas’, vencer o flu pelo fato de uma
      semana antes, eles terem goleado os molambos; Ganharam o que à Luzia ganha… Hahahaha!

    2. Dê uma olhada no JB, creio que do dia do jogo. Em meu artigo sobre os maiores públicos do FFC na RSSSF Brasil, em observações do item I, eu publico o dia exato.

      1. O Jornal do Brasil, de 22/05/1984, informou que no dia do jogo um caminhão da firma que faz a limpeza do estádio colidiu com o muro do Maracanã, derrubando-o, entrando por ali milhares de torcedores sem pagarem por ingressos. No dia 24/05, em sua página 24, o JB divulgou que
        a capacidade do Maracanã nesta época era de 161.428, incluidos 6.983 portadores de cadeiras (perpétuas e cativas), vagas nas tribunas de honra, de dirigentes e de imprensa.

  2. Partida perfeita do Flu. Fomos bem tecnicamente e taticamente.
    O meu pai, já havia me falado muitas vezes dessa partida. Mas quando eu
    assisti o compacto dela, pela primeira vez, impressionou-me muito o time.
    Time compacto, coeso e mortífero; Dois foi pouco.
    Que venha a grande finalíssima, contra o bacalhau!
    E, antes que me esqueça: parabéns, tricolor!

Comments are closed.