1970 – parte I (por Mauro Jácome)

Neste ano de tetracampeonato, já pulamos, gritamos, comemoramos e mostramos quem somos; de onde viemos, onde estamos, para onde queremos ir. Definitivamente, recuperamos o respeito e a confiança. Consolidamo-nos no topo da elite do futebol brasileiro. Há problemas internos graves ainda, mas que estão em mãos que tem plenas condições de encaminhá-los para a melhor solução.

Campeão, Bicampeão, Tri, Tetra. Para reviver um pouco dessa trajetória, retorno ao ano de 1970 para relatar, em três partes, um pouco da nossa primeira conquista de âmbito nacional, recentemente reconhecido como torneio nacional. A CBF, corretamente, retirou o que não pode existir na história: as fronteiras artificiais. A linha do tempo é sensível às verdades, aos fatos, não às regras.

Deixando de lado essa discussão filosófica, voltemos aos fatos. O ano de 1970 é emblemático. Estávamos no auge da ditadura, das perseguições políticas e do “milagre brasileiro”. O Brasil tornou-se tricampeão mundial. Placar surge na vida de todos os torcedores. Muito do conhecimento do futebol de minha geração deve-se ao antigo molde da revista, que estava nas bancas semanalmente. Quem não se lembra do Tabelão? Fantástica.

Chico (Apesar de você), Elis (Madalena de Ivan Lins e Ronaldo Monteiro de Souza), Tim Maia (Azul da cor do mar, Padre Cícero), Paulinho da Viola (Foi um Rio que passou em minha vida), Clara Nunes (Ê Baiana), Milton Nascimento (Para Lennon & McCartney), entre outros, trabalhavam duro e, apesar da censura, mantinham viva a nossa falecida música. No mundo, os Beatles se desfaziam, a Guerra do Vietnã continuava, morria Charles de Gaulle.

No futebol doméstico, o fim dos anos 60 e começo dos 70 ainda eram, predominantemente, providos pelos estaduais. As disputas eram extremamente acirradas nos estados e um título carioca, pernambucano, paulista, catarinense, mineiro, paraense, baiano, paranaense ou goiano, era motivo de orgulho tanto quanto os nacionais atuais.

Paralelamente, a expansão do futebol para além das fronteiras dos estados era uma necessidade. A Taça de Prata, no estilo da Copa do Brasil atual, reunia campeões estaduais, mas foi o Torneio Roberto Gomes Pedrosa a primeira iniciativa de nacionalização do futebol. Palmeiras (67 e 69) e Santos (68) levantaram o caneco nas três primeiras edições.

O torneio de 1970 começou no mês de setembro. Mesmo mês em que o mundo perdia Jimi Hendrix. No dia 18, foi encontrado morto num hotel em Londres. Suspeita-se que tenha sido assassinado em razão de um seguro de US$ 2 milhões.

Disputaram a fase classificatória 17 clubes dos sete principais estados da época, futebolisticamente falando: Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Bahia, Pernambuco e Paraná. Os times foram divididos em dois grupos e, na fase classificatória, jogaram todos contra todos:

Grupo A: Palmeiras, Atlético-MG, Botafogo, Grêmio, Santos, Bahia, São Paulo, América-RJ.

Grupo B: Cruzeiro, Fluminense, Flamengo, Internacional, Corinthians, Santa Cruz, Atlético Paranaense, Ponte Preta e Vasco da Gama.

Na primeira fase, o Fluminense ficou em segundo lugar do Grupo B com 20 pontos, atrás do Cruzeiro, empatado com Flamengo e Internacional. Ganhou no saldo de gols. Foram 8 vitórias, 4 empates e 4 derrotas.

A estreia foi no dia 26 de setembro, num sábado, contra o Corinthians, no Maracanã, para 18.111 torcedores. Vitória por 1 x 0, gol de Flávio. Paulo Amaral, técnico à época, mandou a campo: Jorge Vitório; Oliveira, Galhardo, Assis e Marco Antônio; Denilson e Didi, Cafuringa, Flávio, Jair e Lula. Samarone entrou no decorrer do jogo. Do lado corintiano, jogaram Ado (tricampeão no México e reserva de Félix), Suingue (havia jogado pelo Fluminense em 68/69), Rivellino (comandante da Máquina e um dos maiores ídolos tricolores), Ivair (o “Príncipe” transferiu-se para o Fluminense em 1971), Paulo Borges (um dos principais jogadores do grande Bangu, campeão carioca de 66).

A Folha de São Paulo do dia do jogo noticiou: “Paulo Amaral acredita muito no Fluminense, diz que o clube poderá fazer, na Taça de Prata, uma campanha melhor que no Campeonato Carioca. É uma maneira sutil de dizer que o Fluminense será campeão. No campeonato, ficou a um ponto do campeão, o Vasco da Gama”. Era uma premonição.

Na sequência, dia 03 de outubro, novamente num sábado, no Maracanã, o Fluminense venceu, de virada, o Cruzeiro por 2 x 1, com dois gols de Lula. Correram no Maior do Mundo, com a camisa azul, dois tricampeões mundiais: Piazza e Tostão. O time celeste ainda tinha: Raul, Zé Carlos, Natal, Evaldo e Dirceu Lopes. Timaço. O Fluminense, ainda desfalcado de Félix, foi com: Jorge Vitório; Oliveira, Galhardo, Assis e Marco Antônio; Denilson e Didi; Cafuringa, Flávio , Samarone e Lula. 32.230 compareceram ao jogo. “Filpo, desde o começo da semana, vinha se queixando da fraqueza técnica dos laterais do Cruzeiro. Para o jogo de ontem, substituiu Pedro Paulo por Raul Fernandes. Mas a medida piorou tudo. Raul Fernandes, mais deficiente que Pedro Paulo, foi driblado por Lula em todas as jogadas e os dois gols do Fluminense saíram por falhas dele. Do lado direito do campo, Cafuringa, muito bem, jogou tranquilamente e chegou à área quando quis, passando sempre por Wanderley.”, publicou a Folha de São Paulo no dia seguinte.

No domingo, dia 4 de outubro, a música perdia mais um ícone: Janis Joplin. Vítima de uma overdose de heroína, a bela voz do Rock calava-se. Tinha 27 anos e foi encontrada morta num quarto de hotel, em Los Angeles.

7, quarta-feira, foi o dia de pegar o Grêmio e da estreia de Félix no torneio. Além do goleiro tricolor e do lateral Marco Antônio, mais um tricampeão entrou em campo: Everaldo. O time gaúcho tinha, também, Valdir Espinosa (o famoso técnico) e Ari Hercílio (foi para o Fluminense em 1972). Mais uma virada, mais uma vitória por 2 x 1. Lula e Marco Antônio fizeram os gols tricolores. O árbitro foi Armando Marques e o público foi de 29.940. Armando Nogueira, no Jornal do Brasil de 08/10/1970, disse: “O quadro modificou-se um pouco no segundo tempo: menos por virtude técnica do time do Fluminense e mais pela baixa de rendimento físico da meia-cancha e dos atacantes do Grêmio. E foi por isso que o Fluminense empatou. Mas o jogo não se decidiu aí; decidiu-se em favor do Fluminense por uma falha sem tamanho do goleiro Arlindo: tomou um gol de Marco Antônio, em chute fraco, em que o goleiro colheu a bola e a deixou morrer nas redes”.

“Time por time, não há comparação. A única coisa que preocupa um pouco: todos sabem que o América vai se trancar na defesa para evitar uma goleada”. A Folha de São Paulo de 11 de outubro já dizia da intenção do time rubro carioca. Não deu. Fluminense 3 x 0, sob 28.291 olhares, com gols de Samarone e Flávio (2). Jogaram: Félix; Oliveira, Galhardo, Assis (Albérico) e Marco Antônio; Denilson e Didi;  Cafuringa, Flávio, Samarone (Cláudio Garcia) e Lula.

O jogo contra o América encerrou a série de jogos do Fluminense no Maracanã. Quatro jogos, quatro vitórias, oito pontos e liderança do Grupo B.

A primeira viagem aconteceu para o confronto contra o Bahia, em 14 de outubro. O jogo foi realizado em Aracaju, no Estádio Lourival Baptista. O Fluminense conheceu sua primeira derrota no campeonato. 1 x 0 para o Bahia, gol de Zé Eduardo. Naquele tempo, jogavam pelo Bahia Picasso (Ex-São Paulo) e o folclórico Beijoca. O técnico era o campeoníssimo paraguaio Fleitas Solich (El Brujo), que havia treinado, entre outros, o Fluminense nos anos de 1967 e 1968. Na sua bagagem de títulos levava: o Campeonato Paraguaio (Libertad), o Sul-americano (Seleção do Paraguai), o Tricampeonato Carioca (Flamengo), a Liga dos Campeões (Real Madrid), o Campeonato Paulista (Palmeiras), o Campeonato Baiano (Bahia). Como jogador, conquistou os campeonatos paraguaio (Nacional) e argentino (Boca Juniors). Só isso.

O Fluminense continuava excursionando pelo nordeste brasileiro. Quatro dias depois, chegava a Recife para enfrentar o Santa Cruz, nos Aflitos. A FSP do dia seguinte escrevia: “Se o Fluminense não fez seu gol mais cedo, foi porque não explorou bem seus dois pontas. Aos 29 minutos, o Fluminense era senhor do campo. O público aplaudiu o gol da tarde e preparou-se para a goleada”. A goleada não viria. Flávio, aos 28’ do primeiro tempo, foi o autor do gol único do jogo que devolvia, ao Fluminense, o caminho das vitórias. O Santa Cruz tinha em seu plantel Givalnildo (jogou pelo Fluminense em 1980) e Luciano (jogou pelo Corinthians campeão de 1977). Jogaram pelo Fluminense: Félix; Oliveira, Galhardo, Assis e Marco Antônio; Denilson e Didi; Cafuringa (Wilton), Flávio, Samarone (Cláudio Garcia) e Lula. O árbitro foi José Favilli Neto e o público foi de 14.524 pagantes.

De volta ao Maracanã, o sétimo jogo foi contra o São Paulo, dia 22 de outubro, numa quinta-feira. Na edição do dia do jogo, a FSP escrevia: “A falta de Denílson, um jogador que defende bem no meio-campo e tem algum talento para armar os ataques, dá o domínio do meio-campo para o São Paulo. Porque o time de Zezé Moreira tem dois dos melhores armadores do mundo – Gerson e Pedro Rocha – e porque Silveira, o substituto de Denílson, é bem mais fraco que ele”. Entraram em campo pelo tricolor: Félix; Oliveira, Galhardo, Assis e Marco Antônio; Silveira e Didi; Cafuringa, Flávio, Samarone (Mickey) e Lula (Jair). Pelo time de três cores: Sérgio; Forlán (pai de Diego Forlán, jogador uruguaio e do Internacional), Jurandir, Dias e Gilberto (o Gilberto Sorriso); Édson e Gérson (o grande torcedor do Fluminense); Paulo, Terto (Zé Roberto), Pedro Rocha (Carlos Alberto) e Paraná (certa vez, no Maracanã, chutou a bandeirinha ao tentar cobrar um escanteio). Marco Antônio abriu o placar aos 18’ e Gérson empatou aos 33’, ambos no primeiro tempo. Somente 7.391 tomaram muita chuva para ver o jogo apitado por Armando Marques.

No dia seguinte, o JB noticiava: “Paulo Amaral demonstrava o seu aborrecimento com a atuação do time, andando de um lado para outro do vestiário, que ficou fechado por cerca de cinco minutos, ocasião em que ele gritou com os jogadores. Mesmo com a porta fechada, quem estava de fora pode escutar algumas frases do técnico: quando dou instruções são para ser obedecidas e não acontecer como hoje”.

No mesmo dia, 25 de outubro, em que Allende, eleito nas urnas em setembro, foi confirmado presidente pelo Congresso chileno, o Fluminense viajou a Porto Alegre para, no Beira-Rio, enfrentar o Internacional de Carpeggiani, Carbone, Valdomiro e Claudiomiro. O Fluminense jogou sem Félix e Galhardo. Diante de 26.660, o Colorado fez 2 x 0. Saiu no JB de dois dias depois: “Durante todo o primeiro tempo, o Internacional dominou a partida. Mais pela desorganização de seu adversário do que por méritos próprios. No segundo tempo, o jogo virou. A equipe gaúcha se recolheu e o Fluminense começou a explorar esse recuo. Aos 23 minutos, depois de uma confusão dentro da área do Internacional, Hermínio colocou a mão na bola. Pênalti, que Flávio cobrou chutando forte no canto direito para Gainete fazer uma defesa espetacular. Tomado pelo pânico diante da chance perdida, o Fluminense perdeu sua estrutura e sofreu o segundo gol aos 31 minutos”.

Naquela altura do campeonato, com o Fluminense cumprindo a metade de seus jogos na fase classificatória, o Grupo A era liderado por Palmeiras com 11, seguido por Bahia e Atlético-MG, ambos com 9 pontos. Os demais: Santos e Botafogo (7), São Paulo (6), Grêmio (5) e, em último, América com 4 pontos apenas. O Grupo B era liderado pelo Fluminense com 11 pontos e a vice-liderança era do Flamengo com 10. Na sequência: Cruzeiro, Corinthians e Internacional, todos com 7; Santa Cruz, Atlético-PR e Ponte Preta com 6; na lanterna, o Vasco com 4.

Na próxima terça-feira, a complementação da fase de classificação do Torneio Roberto Gomes Pedrosa de 1970.

Mauro Jácome

Panorama Tricolor

@PanoramaTri

Contato: Vitor Franklin

Revisão prévia: Rosa Jácome

Fontes de pesquisa:

http://www.rsssfbrasil.com/miscellaneous/matflutpr1970.htm  (Alexandre Magno Barreto Berwanger)
http://acervo.folha.com.br
Mais diversos.

2 Comments

  1. Mauro, segue uma informação descoberta mais recentemente para a PARTE II, se você achar relevante:

    Publicou O Estado de São Paulo, de 22/12/1970, pág.32: Mais de 130.000 pessoas – 112.403 que pagaram ingressos e mais de 20 mil que entraram de graça – proporcionando a renda recorde de Cr$ 525.419,50, assistiram ao jogo entre Fluminense e Atlético Mineiro…

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