Nem só de nostalgia vive o histórico Fluminense. Escrevi na semana passada uma coluna que se pretendia no meio do caminho entre a recordação nostálgica, obviamente do passado, e a crítica do presente. Falando da atitude de Ézio, pretendi homenageá-lo, mas também informar os jovens torcedores que nossa história tem muitos heróis de verdade, de carne e osso, que jamais faltaram com o clube.
Não sou eu mesmo, entretanto, um saudosista nato. Minha paixão sempre foi o presente e as possibilidades de futuro contidas em suas contradições. O Fluminense tem atualmente um time e um elenco instáveis, não confiáveis, sob os quais pesa a suspeita de corpo mole em determinadas partidas. Como estamos numa boa fase, todavia, não é de bom tom ficar remexendo em feridas, como usualmente fazem os mal intencionados jornalistas da mídia esportiva.
A nós importa destacar que o Fluminense é, como diria Cazuza, um museu de eternas novidades. No meio de um elenco cheio de furos, com alguns jogadores aquém do requisito técnico para vestir a histórica camisa tricolor, desponta, aos poucos, um autêntico novo ídolo, uma estrela em nossa imensa constelação. Não preciso dizer seu nome ao leitor. Pergunte aos tricolores que acompanham o time quem é seu jogador preferido do elenco atual. Não tenho a menor dúvida de que, apesar da atração ainda exercida por Fred e pelo próprio Gum, muitos já nomeariam o garoto magrelo, de sorriso franco e palavra fácil: Gustavo Scarpa.
Gustavo Scarpa tem absolutamente tudo para entrar para a seleta, embora grande, lista de ídolos históricos do clube: é um grande jogador, dedica-se como poucos a absolutamente todos os jogos (mesmo quando não atua muito bem ou quando todo o time vai mal), é um rapaz simples, entusiasmado com sua profissão, visivelmente um moço de bom coração. Quando Gustavo nasceu, o primeiro calçado que entrou nos seus pés, naquela foto da maternidade, foi uma sandália, a sandália da humildade. Jamais tirou o calçado, está lá por dentro da chuteira, e entra em campo com ela em todas as partidas.
Penso que, hoje, apenas uma de duas coisas separam Scarpa da efetiva condição de ídolo: tempo ou títulos. Renato Gaúcho não precisou de tempo para entrar para a história. Bastou-lhe a contribuição decisiva em um título, AQUELE título de campeão no ano em que a principal emissora de tevê do país preparou a festa da vitória para o rival comemorar seu centenário. Marcão precisou de tempo, como Magno Alves, porque suas carreiras no clube não foram recheadas de títulos importantes. São eles prova, entretanto, de que títulos não são uma credencial exclusiva para a idolatria tricolor. Nossos ídolos têm atestado de caráter, não meramente de sucesso. O sujeito que gosta do clube apenas porque é vencedor não gosta do clube, gosta de vencer. O Fluminense é vencedor, mas a paixão de sua gente já provou atravessar os mares agitados da derrota, até da sarjeta. No passado, sobre os ombros da soberana, pilares como Magno Alves e Marcão ergueram-se para pôr o clube novamente de pé.
Scarpa tem de conquistar uma dessas duas coisas para alcançar o olimpo. É só o que lhe falta, pois, como disse, tem todos os atributos para figurar no panteão. Não sei se alguém já explicou isso tão claramente ao menino, que está prestes a ser seduzido pela sereia vestida de ouro. Já pipocam na imprensa aos poucos uma ou outra notinha que trazem como tema sua venda para o exterior. Os empresários já devem estar na cabeça de Scarpa dizendo que é agora ou nunca, que se quebrar a perna pode perder a oportunidade, que não se pode deixar escapar a possibilidade de emancipar a família. Não são exatamente mentiras, certo? Mas se aplicam com graus diversos, dependendo do jogador.
Há jogadores que não podem realmente deixar passar uma mísera oportunidade, pelo simples fato de que dificilmente construirão no clube uma história com H maiúsculo. Também é, para estes, aquela grana ou nada para salvar a família para sempre. Tem muitos no elenco assim e seria deselegante nomeá-los. Mas definitivamente não é o caso de Gustavo Scarpa. Se tem um diabinho no ouvido do cara dizendo aquilo tudo, que apareça um anjinho para dizer o oposto: que ele pode ter um salário imenso no clube, enriquecer já no Fluminense, entrar para nossa galeria de grandes ídolos, ser um megacampeão tricolor, ter um porto seguro para voltar aos 32 anos depois de ter saído aos 28, em troca de um contrato definitivo.
O papel do clube ainda não está claro nessa história. Os dirigentes querem vendê-lo ou ficar com ele? O gerente de futebol declarou que quem pagar a multa leva. Não diga! Será que ele acha que a gente é imbecil? Isso a lei determina: quem pagar a multa, leva. A questão é quanto é a multa. Ela, pelo que entendo, é proporcional ao salário. Pois bem: se há um jogador no elenco que merece um super-salário, esse jogador é Gustavo Scarpa. O que se espera, portanto, é que os dirigentes segurem o candidato a ídolo e deem assistência completa ao jovem para que o sucesso não lhe suba à cabeça. Deem tempo ao rapaz, para que ele escreva um capítulo na história do mais tradicional clube do país. Tenho certeza de que poderemos confirmar que o título dessa coluna não foi exagerado.
Panorama Tricolor
@PanoramaTri
Imagem: jlm
Pertinente. Preciso.
Continue escrevendo sobre o tema.
Que esta pergunta seja feita pessoalmente aos nossos cartolas!
Não há exageros no título, João Leonardo. Nem mesmo hoje. Basta que as sugestões e recomendações elencadas, sejam observadas e implementadas pelos dirigentes.