Álbum de figurinhas (por Paulo-Roberto Andel)

 

Em algum lugar do grande apartamento em que morávamos eu e minha família, meu pai veio com uma revista grande, que era dele, não minha. Copacabana, provavelmente 1973 para 1974, rua Santa Clara, número 345, prédio antigo, subíamos uma escada, a sala era enorme. Ditadura Médici.

Eu tinha cinco anos de idade. E lia. E escrevia. É.

Meu pai manuseava a revista com carinho ao me mostrar. Não era bem revista, mas, na verdade, um álbum de figurinhas, o primeiro que me vem à mente na infância. Mais precisamente, o álbum da Copa do México em 1970.  A princípio, tive certa estranheza em ver todo mundo de amarelo e verde nas fotos, quando pensava em futebol me vinha imediatamente à vista o grená-branco-verde. Então, pai Helio foi explicando aos poucos, falando de jogador por jogador, tomei um susto quando disse que Everaldo tinha morrido. E falou de Carlos Alberto, que tinha sido um craque do Fluminense. Falou de Pelé, claro. Até que parou num nome diferente que me marcou para sempre: Félix.

Primeiro, ele se vestia de forma diferente de todos os outros jogadores. Segundo, meu universo era feito de Paulos, Helios, Ricardos, Joões, Lourdes, Terezas – Félix era a primeira vez que eu ouvia falar, na minha ingenuidade de criança (achamos que sabemos várias coisas, mas nunca sabemos nada direito). Gostei daquilo. Tempos depois, eu não somente tive direito ao meu próprio álbum de figurinhas como logo estava sendo jogado ao alto no Maracanã pelos amigos grandões – ou seja, adultos – a cada vez que o Fluminense fazia um gol. E quem estava lá? O Félix.

Já morando na rua Siqueira Campos, muitos desenhos animados à tarde com minha mãe em casa, aparece nas telas o Gato Félix (Felix The Cat), decano personagem infantil. Claro, a primeira lembrança veio direto à imagem do querido goleiro. E quando comecei a acompanhar futebol loucamente, 1978, um goleiro no futebol do Rio, Americano de Campos, fazia muito sucesso por causa da elasticidade das defesas. Nome? Apelido: Gato Félix. Mas nada me remetia diretamente ao desenho e sim à primeira lembrança: o goleiro, o goleiro, o goleiro do meu time, agora treinador de goleiros. Um dia, a dirigência do Fluminense foi ingrata: demitiu Félix antes do devido, ele passou a ser gerente de uma loja de carros. Faltaram delicadeza e bom-senso: merecia ter sido melhor aproveitado. Bom, Castilho passou anos e anos suplicando pela chance de ser nosso treinador.

Os anos escorreram, tivemos o excelente Paulo Goulart e, seguir, a lenda de São Paulo Victor. Em todas as efemérides, era lembrada a maravilhosa escola de goleiros do Fluminense – e, nela, o nome de Félix era uma eterna referência. Nem podia ser de outra forma: campeão do mundo, campeão carioca, campeão brasileiro, o goleiro era uma verdadeira lenda vida da história do clube.

Os anos passaram, Félix nunca mais teve vínculo profissional com as Laranjeiras. Mas o amoroso ficou para sempre: a cada vez que era chamado, fazia questão de ser fotografado com vestes e acessórios tricolores. Um campeão do mundo que mostrava orgulho em empunhar nossas cores, nossa camisa em todas as aparições. E foi assim até recentemente, sem qualquer interrupção.

Mas ontem, ao ligar meu computador pessoal, deparei-me com a notícia do falecimento de Félix. A inevitável dor da despedida, certeza que todos temos.

Olhei para trás.

Nasci em 1968. Quando conheci o herói, era ainda criança de colo.

Foram quase quarenta anos, de perto ou à distância, espiando meu símbolo maior daquele álbum de figurinhas do meu pai. O moço que se vestia diferente, o moço que tinha o nome diferente. O goleiro.

Félix esteve perto de mim o tempo todo, seja nos livros, nas revistas, no jogo de botão, nas referências tricolores, nas entrevistas com os heróis do passado do Fluminense.

Despediu-se discretamente, num hospital, quando todos os holofotes estavam apontados para o centenário do mestre Nelson Rodrigues. Pareceu que quis ir embora sem que ninguém notasse – algo impensável, impossível para milhões dos nossos torcedores.

Aquele apartamento da rua Santa Clara era meu mundo, não o imóvel, mas o que continha: alegria, minha família, a infância. O álbum de figurinhas.

Hoje, assim como a perda incomensurável de Felix, uma falta enorme.

Logo mais, temos um clássico contra o Vasco no Engenhão. E Cavalieri há de ser mais Félix do que nunca.

Castilho ganhou um companheiraço para dividir os treinos no céu.

Paulo-Roberto Andel

Panorama Tricolor/ FluNews

@pauloandel

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Contato: Vitor Franklin

1 Comments

  1. Excelente! mesmo nascendo em 62, ou seja, acompanhando toda a carreira dele no Flu, lembro mais do Paulo Vitor. Lógico, quanto ao Paulo Vitor, vi toda a carreira no Flu pela TV. Já a “Era Félix” foi quase toda no radinho.

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