Vaia, vaiar, vaiar pra quê? (por Paulo-Roberto Andel)

Vem de longe, muito longe mesmo. Ultimamente a discussão é cada vez maior, inclusive passado do razoável. Mas afinal, é proibido vaiar ou não?

Dentro de suas possibilidades, o Maracanã foi por muito tempo um dos únicos espaços de democracia real do Rio de Janeiro. Não que tenha nascido com essa vocação. A segmentação de geral, arquibancadas, cadeiras e tribuna dava bem o tom de quem deveria ficar em qual lugar. Acontece que a força do futebol derrubou as barreiras, então arquibaldos gostaram de ser geraldinos às vezes e vice-versa. A onda se espalhou.

Há dois mitos no revisionismo atual que não se sustentam de forma alguma e, por isso mesmo, merecem registro. O primeiro deles: a torcida do Fluminense estar permanentemente enchendo o Maracanã. O segundo: a torcida do Fluminense não vaiar nem criticar. Conversa para o gado: nos últimos 50 anos fizemos centenas de partidas esvaziadas no Maracanã e, com pequenos ou grandes públicos, a torcida tricolor sempre criticou muito o time. Nas Laranjeiras então…

Disse Nelson Rodrigues há décadas: “Nas situações de rotina, um “pó-de-arroz” pode ficar em casa abanando-se com a Revista do Rádio. Mas quando o Fluminense precisa do número, acontece o suave milagre: os tricolores vivos, doentes e mortos aparecem. Os vivos saem de suas casas, os doentes de suas camas e os mortos de suas tumbas”.

O apuradíssimo senso crítico da massa tricolor foi responsável direto por grandes conquistas do clube. Exemplos: o impecável título carioca de 1980; o fantástico tricampeonato carioca 1983-84-85 e o Brasileirão 1984. Ameaçado por cartolas que literalmente detestavam futebol, o Fluminense se salvou da pressão sentimental da Máquina e voltou ao caminho das conquistas. Quando se fala hoje dos anos 1980, tudo vira festa mas na vida real de então era bem diferente. Vaias, vaias, muitas vaias. Manifestações, protestos, passeatas e até greve de torcida fizeram parte dos atos. Sem as grandes pressões da torcida e, especialmente, da Fôrça Flu, a década de 1980 não teria sido vitoriosa como foi. É bom que se diga: até mesmo o time mais emblemático da história do clube foi muito vaiado – a Máquina Tricolor, nos anos 1970. E se a Máquina não escapou, amigos, ninguém mais escapou também.

No momento mais difícil da história do clube, entre 1996 e 1999, a torcida do Fluminense cansou de apoiar times sofríveis. Em plena Terceira Divisão, ficamos entre os cinco maiores públicos do país. Num Maracanã em obras e sem ingressos de arquibancada, o Fluminense colocou mais de 12 mil pessoas na geral sob a tempestade diante do Náutico, partida que encaminhou a conquista da Série C. Num dos dias mais complicados da história tricolor, na derrota para o ABC em 1997, nossa torcida lotou o Maracanã num domingo de manhã ensolarada. E na incrível arrancada de 2009 que salvou o Flu do rebaixamento, a torcida tricolor lotou o Maracanã, ainda que com ingressos muito populares.

Nos últimos anos, especialmente com a desastrosa “New Order” da arquibancada, inventada por essa turma que está no clube há mais de dez anos, inventou-se um novo jeito de torcer, onde o torcedor faz papel de claque, sofre uma verdadeira lavagem cerebral e é quase obrigado a ficar calado diante de verdadeiras sandices, ou batendo palminhas diante de derrotas e até goleadas. Felizmente parte da torcida tricolor jamais aceitou esse cabresto ridículo.

Então vaiar é bom? Não, não é legal, longe disso, mas em 99% dos casos a vaia é justa e procedente. Às vezes, muito às vezes, a torcida pode errar na dosagem, caso de Lelê domingo passado, mas quando ela reconhece dedicação e esforço a vaia dificilmente vem. É capaz de aplaudir nas derrotas, inclusive.

Outro mito: a vaia certamente desestabiliza o jogador. Só se ele estiver despreparado para cumprir seu ofício. Alguns dos maiores jogadores de futebol de todos os tempos viveram toda a sua carreira debaixo de vaias (muitas inclusive da própria torcida), como Romário e Paulo Cezar Caju. Todos devemos respeitar o próximo em tudo, agora não me venham com ladainhas. Estamos falando dos profissionais mais bem remunerados do país em qualquer área, que não raramente dizem que a vaia atrapalha, mas a badalada vida extracampo não. Tom Jobim e Chico Buarque foram vaiados por um Maracanãzinho lotado e não deixaram de ser gênios por isso.

Por fim: a torcida nunca vaia quando o time joga bem ou com garra. Quem não quer ser vaiado, que jogue bem ou com atitude. Todos sabemos que a perfeição é uma utopia, mas ela merece em ser perseguida.

Eu não gosto de ouvir vaias, mas gosto menos ainda de fiscais de torcida querendo impor aos outros suas duvidosas convicções. Basta respeitar o contraditório. Quem quiser, vaia; quem não quiser, aplaude. A vida segue.

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As besteiradas e o oportunismo geralmente marcam as falas do mandatário tricolor em suas coletivas. Semana passada não foi diferente.

Seu desprezo por torcedores e especialmente a modalidade Sócio Futebol é um fato, a ponto de dizer que há tricolores que “só vão ao estádio há dois anos”, como se milhares de tricolores espalhados Brasil afora não merecessem respeito porque não moram no Rio, embora sustentem o clube regularmente.

Curioso é que o mandatário, auto proclamado um “tricolor fanático presente a todos os jogos”, queira determinar quem é mais tricolor ou não. Afinal, antes de sua pantomima no julgamento da Flamenguesa 2013/14, era um completo desconhecido nas arquibancadas que, como disse antes, tiveram centenas de jogos vazios onde os torcedores se reconheciam facilmente. Bom, desconhecido pelo menos nas arquibancadas do Fluminense.

A obsessão em se enfatizar o triste momento dos rebaixamentos, prestes a completar trinta anos, nada mais é do que uma cortina de fumaça para esconder fracassos em tempos mais recentes, como nas temporadas de 2015 e 2019 – com a participação direta do mandatário nas decisões extraterrestres sobre o futebol. E por isso as classificações à Libertadores e a pontuação no Brasileiro são vendidas no discurso como títulos de araque.

O Fluminense tem 121 anos de histórias gloriosas. Nos últimos dez, ficamos muito a desejar. Se realmente fosse um tricolor das arquibancadas – tricolores -, o mandatário não mostraria tanta satisfação com boas e medianas colocações, que nada garantem por ora. Quem foi criado em meio ao denso pó de arroz comemora títulos.

Quem sabe, conquistando o Brasileiro 2023 e a Libertadores, aí sim o mandatário possa finalmente se gabar de grandes conquistas?

Assim seja.

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No fechamento desta coluna, veio a confirmação da negociação do jovem lateral Jefté.

Mais uma falta de vergonha na cara dessa gestão.