Uma outra Copa (por Paulo-Roberto Andel)

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Há muito tempo eu não via tantos jogos de uma vez. Claro, a Copa do Mundo é uma excelente oportunidade. Mas nas últimas edições – mesmo a vitória de 2002 – alguma coisa me parecia estar fora da nova ordem mundial.

Não sei se o fato da Seleção tornar-se para mim algo tão distante contribuiu para isso. Falo dessa coisa de superstars isolados hermeticamente, longe do povo, turma que se reúne na Europa para amistosos e tchau. Aos poucos, afastei-me por conta daquilo que se torna indiferente e desimportante, de tão distante e inatingível que fica. Entretanto, jamais quis o papel de torcer contra: pensava nos milhões de brasileiros que tinham na Seleção a sua única alegria diante de uma vida tão sofrida.

Agora mesmo, poucos dias antes de começar esta bela Copa de 2014, o cenário não era dos mais empolgantes: a imprensa em geral jogando contra e insistindo na mofada tese que o sucesso do evento favoreceria a situação nas eleições presidenciais de outubro (sonora bobagem, visto que o penta em 2012 de nada serviu para o governo da época), as ruas frias, distantes, o povo sem engajamento na competição – alijado que foi por causa do poder econômico que cerca o match.

Tudo mudou quando as torcidas estrangeiras começaram a invadir o Brasil. Aos poucos, os foreigners ocuparam ruas, praias, pontos tradicionais e espalharam simpatia por todos os lados. Deu liga, criou o clima, trouxe boas vibrações gerais. O mar chileno na praia de Copacabana, a procissão holandesa em Porto Alegre, o mar de prata argentina no Maracanã, a festa colombiana amarela no Mineirão. Viramos o centro de convivência da América Latina. Eu, outrora tão reticente, tratei de comprar a minha televisãozinha nova, tirar a poeira da minha corneta amarela e me empolguei para escrever um livro. Perto da minha casa, no coração do Rio, vi simpáticos mexicanos com sombreros, espanhóis com suas bandeiras de fúria, lords ingleses caminhando elegantemente, gatas australianas e argentinas. Apesar da frustração de ser um sem-ingresso, você se sente parte desse planeta bola, tão efêmero quanto fascinante. E, claro, os jogos tem ajudado: divertidos, corridos, disputados. Bons.

A Seleção Brasileira não vai bem. Pode arrancar e ser campeã, pode ficar pelo caminho e causar dor. Mas uma grande vitória o Brasil já conseguiu: ser berço, arena e saudável botequim do mundo nestes dias. Todos os corações nos espiam. Há problemas sim, mas todos pequenos diante do nocaute dos derrotistas, convictos de que a Copa seria um fracasso porque “isso é Brasil” – favor não confundir isso com as justas manifestações sociais. A Nacional ainda não fez os corações brasileiros baterem mais forte pelo que tem feito no campo, mas que a Copa tem significado um tremendo superávit na nossa auto estima, inegável.

Vão falar de alguns argentinos baderneiros, chilenos idem. Qualquer Fla-Flu ou Derby é muito mais tenso, todos sabem. Deixemos de lado o complexo de vira latas e a hipocrisia fugaz. O Brasil não conhece o Brasil. Um dia vai conhecer. Por enquanto, o mundo conhece o Brasil.

São apenas uns dias. Quem dera fossem muitos mais. Os sotaques das ruas são ótimos. Uma outra Copa.

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Um dos jogos mais paradoxais deste Mundial foi o confronto entre Argentina x Irã, realizado ontem no Mineirão.

Todos davam como barbada a vitória dos hermanos, cinco para cima. Não se cogitava que o Irã pudesse criar qualquer problema maior. No entanto, com o passar do jogo, os argentinos lentos, sem inspiração e os iranianos heróicos, lutando contra suas evidentes deficiências técnicas, sustentando um empate em zero quase inacreditável a priori.

No segundo tempo, parecia que os iranianos começavam a perceber que o impossível é relativo. Do jeito que podiam, atacaram. O goleiro argentino Romero fez três grandes defesas – numa delas, quase Reza repetiu Van Persie -, enquanto seus cansados companheiros tentavam chuveirinhos sem sucesso.

O empate era praticamente uma realidade quando o futebol mostrou porque arrebata bilhões de coração pelo mundo. No último minuto, Messi (apagado em campo), ajeitou na diagonal e acertou na costura da rede – seu único lance brilhante do jogo. Golaço.

Não há dúvidas de que, pelo esforço, os iranianos não mereciam perder. Porém, o que poderia ser mais injusto numa Copa do Mundo do que um craque passar em branco?

Messi, sempre contestado, às vezes supervalorizado e noutras equivocadamente subestimado, mostrou seu melhor repertório: o de desafiar definições.

Panorama Tricolor

@PanoramaTri @pauloandel

Imagem: pra/ nasa