Torcida, futebol e alguns protestos (por Walace Cestari)

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Confesso que nem sempre torço pela seleção brasileira. Acho que qualquer torcedor prefere seu clube campeão de turno no estadual que um título da seleção. Não trocaria uma vitória do Flu por qualquer conquista do selecionado canarinho. Mais ainda, se houvesse jogo do Tricolor no mesmo horário de um jogo do Brasil, a escolha seria óbvia pelas três cores.

Entretanto, há de se admitir que a Copa do Mundo é algo diferente. Por isso mesmo permite maiores opções de torcida. Sinto minh’alma presa ao Fluminense como parte integrante de meu DNA. Dou-me o direito não sentir o mesmo pela seleção da CBF. Gosto, na Copa do Mundo, de assistir aos jogos e deixar-me conquistar pelo futebol de alguma(s) das seleções. Isso não quer dizer que não possa torcer pela seleção canarinho, mas ela deve me convencer com seu futebol.

Neste quesito, até que o Brasil vem bem. Parece que achou um estilo de jogo com intensidade e busca pelo ataque, o que é um alívio para quem gosta de futebol. Particularmente, admiro o jogo tático, coletivo, bem pensado, com fluidez e dinâmica. Muitas vezes, o Brasil deixa a desejar nesse aspecto, prendendo-se exclusivamente ao talento individual – que, muitas vezes, traduz-se em individualismo improdutivo. Parece que dessa vez, até mesmo pela falta de dribladores natos, à exceção de Neymar, teremos uma equipe mais coletiva. Eu acho isso bom.

Por tudo isso, gosto do futebol que vem jogando a Alemanha, com posse de bola e velocidade e imagino que, por conta disso, os germânicos cheguem como um dos favoritos à taça. O grupo dos alemães não é fácil, com Portugal – um bom time, mas que joga em função do talento de Cristiano Ronaldo –; Gana, a mais forte seleção africana, com bom poder de ataque e velocidade, mas com problemas na defesa – e os Estados Unidos, uma equipe aplicada taticamente, mas sem grande renovação nos últimos tempos.

A atual campeã, Espanha, confia em seu futebol tique-taque, mas não parece com a mesma força. Sem o Messi, o misto Barcelona-Real Madrid, perde o toque genial que dá a diferença ao clube catalão, ainda que, nos últimos tempos, o modelo pareça dar sinais de esgotamento. Ainda assim, os espanhóis devem passar em seu grupo, junto com a Holanda – que deposita em Robeen e Van Persie a esperança de não se tornar a decepção da competição – ou Chile, que vem jogando bem e pode surpreender.

E aí está o problema. Não tenho dúvidas sobre a classificação do Brasil em seu grupo, salvo uma hecatombe de proporções históricas. Devemos ganhar da Croácia e de Camarões e fazer o jogo mais difícil contra o México – mais por conta de uma sina inexplicável do que por qualquer questão de elenco. O jogo das oitavas-de-final deverá ser um teste duríssimo para a seleção “verdamarela”, pois pegaremos ou a Espanha – o que acho improvável – ou Holanda, em uma reedição do jogo que nos eliminou na África do Sul.

Ainda que a Holanda não tenha o mesmo ímpeto, é sempre um jogo difícil. O jogo dos holandeses “casa” bem contra o Brasil, em especial o ataque pelos lados do campo, nas costas de nossos laterais. A saída de gol de Júlio César ainda nos traz más recordações e pode ser, mais uma vez, uma arma da Laranja contra nós. Entretanto, sua linha de marcação está enfraquecida e há desfalques importantes no meio de campo neerlandês.

Não acredito na eliminação prematura do Brasil, especialmente em uma Copa como anfitrião. A bem da verdade, Brasil sempre contou com a complacência da arbitragem nas Copas, que, de costume, pende para os donos da casa. Somando-se as duas coisas, não tenho dúvidas de que teremos um “in dubio, pro Brasilia!”. Claro que não digo que o Brasil ganhará suas partidas por conta disso, mas creio que não correremos o risco de erros contra nós. O que já é uma enorme vantagem.

Apesar de tudo, vem chegando a Copa. As ruas não vivem o clima de festa. As pinturas e enfeites surgem timidamente. Os comerciantes têm evitado relacionar seus negócios à Copa, seja por medo de alguma represália popular, seja por serem vistos como alienados políticos. O fato é que a Copa não é mais um produto popular e, até as grandes empresas correm para colar a imagem apenas à seleção, não mais ao evento inteiro.

A confusão ideológica é enorme. Há um receio generalizado em admitir que se gosta de futebol no Brasil! Isso é um contrassenso. Amamos futebol e adoramos a disputa da Copa do Mundo. Queremos ver as estrelas internacionais desfilando sua arte em nossos gramados. Ao mesmo tempo, não podemos aceitar a incompetência (para não fazer acusações mais graves) dos governos federal, estaduais e municipais. Não passou a hora de cobrar. Houve cobranças antes, deve haver protestos agora e haverá manifestações depois.

Uma coisa não anula a outra. Queríamos uma Copa com gastos responsáveis, com intervenções de melhorias na mobilidade urbana, na segurança e na saúde públicas. Mas queríamos uma Copa, não esqueçamos. Por isso é importante que a Copa sirva de palco também para que mostremos o quanto fomos enganados. Que bom que vai ter Copa. Que bom que o mundo inteiro vai ver que este povo gosta de festa e futebol, mas que também sabe fazer greve e que vai às ruas para protestar e brigar por uma sociedade melhor. E isso será um verdadeiro gol de placa.

Panorama Tricolor

@PanoramaTri

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