Sobre a tensão da torcida (por João Leonardo Medeiros)

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E se todo mundo estiver errado? 

Quando me dei conta de realmente ser tricolor, molecote ainda, estava indo ao Maracanã com a Young Flu entre 1984 e 1985. Vi nosso segundo Brasileiro e todo nosso bi e tri da década de 1980 junto com a Young. Nunca me considerei DA torcida, mas sempre estive COM a torcida, vibrando com suas bandeiras, com suas músicas, aprendendo sua mística.

A decadência do Fluminense na década de 1990 foi também a decadência de sua torcida, podemos hoje reconhecer. Isso abateu muito a Young que, pouco a pouco, conscientemente ou não, com maior ou menor complacência de seus dirigentes, cedeu ao modelo imposto pelas agremiações violentíssimas dos rivais.

Em poucos anos, para minha surpresa, passei a enxergar a grande Young como uma torcida em seu próprio benefício, uma torcida pela torcida, mais ou menos como a torcida do filhote bastardo, que até hoje só fala de si e, às vezes, lembra do time.

Não creio ter sido o único a me espantar com a querida Young e a se decepcionar com ela. Também pudera. O Fluminense fazia gol e a música puxada pela nossa maior agremiação era: “Young Flu porrada. / Eu sou, sou da Young eu sou, / vou dar porrada eu vou / E ninguém vai me segurar, nem a PM”. Na hora do gol! Em momentos de pressão do time, vinha lá o canto: “Bate, bate uma rapa, / Aperta um pretooo, se liga que eu sou tricolor”.

Sem caretice, não é um pouco excessivo para uma torcida cheia de senhores, senhoras e crianças? Pergunto eu: dá para cantar junto?

Segui onde sempre estive: no povão, para usar a linguagem das torcida, após um breve namorico com a Flunitor daqui dos meus vizinhos, grandes tricolores. Não vi, de onde estava, nenhuma inovação em nossa torcida até o grande advento da Legião.

Quem não se empolgou com a Legião no final da década de 2000 é mentiroso. As novas músicas davam vontade de cantar, as bandeirinhas faziam uma linda paisagem na arquibancada, a cantoria permanente empurrava o time. Do povão, vi e gostei. Mas desconfiei muito.

Primeiro, porque não entendo a razão pela qual a Legião decidiu assumir, como modelo de torcida, as barra-bravas argentinas, particularmente as do Boca. Sei o raciocínio: elas torcem até quando o Boca perde de 18 a 0 na Bombonera. Tudo bem, isso é uma postura com a qual podemos concordar ou não, mas, ainda assim, precisava imitar a sonoridade irritante do tamborzinho com prato das torcidas argentinas? Era realmente necessário cloná-las a rigor, naturalmente deixando de lado – pelo menos isso – o ímpeto da violência e da corrupção.

Honestamente, ano passado, acho que a fórmula desandou. O esforço por empolgar, legítimo, contrastou agudamente com a dor visível na cara dos torcedores que, saídos de um título, viam seu time ir ladeira abaixo, sem freio ou solução. Alegria em velório incomoda e não foi só a Young e as demais organizadas que se incomodaram.

Falo por mim: sou muito simpático à Legião (como sou à Young, à Força, à Flunitor etc.), admiro a abnegação de seus membros e o caráter não beligerante da torcida. Mas fiquei incomodado ano passado. Este ano, fiquei estupefato. Num dos jogos do carioca, a Legião puxou aquela musiquinha copiada, se não me engano da torcida do San Lorenzo, que se refere ao título da Libertadores. Cara, é sofrido ver o filhote-bastardo e o rival petit na Libertadores e a gente só no estadual. Cantar que a gente vai ganhar a Libertadores, nesta situação, beira à loucura ou ao escárnio, com todo respeito.

Enfim: concluo com um terrível diagnóstico. Estamos novamente em crise. O time está em crise, jogando um futebol modorrento há um ano, o clube meio perdido e nossas organizadas, nossa salvação, nossos guias de sempre, não têm força para apontar a luz do fim do túnel. A chama reduziu e restou uma tola briga entre si.

Discordo da opinião de que o clube deva alinhavar a solução, proposta do meu ídolo, Gustavo Albuquerque e por outros. Nossas organizadas têm de mostrar a que vieram, têm de provar que torcem para o Flu e não para si mesmas. Se não querem fazer as pazes, que não briguem. Se não querem cantar juntos, que respeitem o canto dos outros. Se não querem mais torcer, que fiquem em casa. Só não podem atrapalhar nosso Fluminense em momento tão conturbado. Repito: a solução no Fluminense sempre foi imposta pela torcida. Está na hora de assumir a responsabilidade.

Panorama Tricolor

@PanoramaTri

Imagem: uol