Ronaldeco (por João Leonardo Medeiros)

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A performance de Ronaldo, o Gaúcho, em suas primeiras partidas por nosso tricolor lembrou-me bastante a impressão inicial que o hoje ídolo Deco causou em nossa torcida. Permitam-me recordar a trajetória do ídolo consagrado para apontar o caminho da possível consagração do candidato a ídolo.

Deco, ou Anderson Luís de Souza, chegou ao Fluminense no ocaso de sua extraordinária carreira. Na diáspora dos jovens talentos brasileiros, Deco deixou o país com 19 anos, sem brilhar ou mesmo atuar sequencialmente em qualquer equipe brasileira. Sua história na Europa inicia com uma fugaz passagem pelo Benfica, mas começa de fato quando veste a camisa azul e branca do Porto como fantasia de Mago. Ganhou tudo no Porto, nacionais, Taça UEFA, Liga dos Campeões e a Taça Intercontinental no Japão. Desprezado pelo Brasil, fez história na seleção portuguesa, contribuindo decisivamente para retirar do ostracismo uma seleção com história no futebol mundial. Certamente todos se lembram da história vitoriosa, lindíssima, de Deco no Barcelona, o ícone do futebol mundial para as gerações mais jovens.

Foi após uma passagem ruim no Chelsea que Deco chegou ao Fluminense em agosto de 2010, às vésperas de completar 33 anos. Já no pequeno período de Chelsea, sua fragilidade física foi exposta, tornando-se claro que o craque de meados dos anos 2000 não poderia mais repetir a performance extraordinária por repetidas vezes, nem por muito tempo. Por essa razão, sua chegada ao tricolor foi cercada de desconfiança e, desde a estreia no empate contra o Vasco em 22 de agosto de 2010, a torcida encarou Deco com a esperança de ver o gênio em ação e o temor de que ele não fosse mais capaz de render. Ainda assim, nossa maior força, nossa massa, recebeu o luso-brasileiro de braços mais do que abertos, como o pai que recebe o filho depois de décadas sem vê-lo.

O temor pelo fiasco da contratação parecia concretizar-se em cada uma das partidas iniciais de Deco. Uma ou outra grande jogada parecia insuficiente para justificar o pagamento de uma soma vultosa a um veterano que mais frequentava o departamento médico que outra coisa. Quando em campo, a precária condição física impedia uma sequência de jogos e a retomada do ritmo, de maneira que Deco parecia sempre descompassado em um time razoavelmente bem arrumado. Lembro-me de um senhor, grande tricolor, muito conhecido dos frequentadores do estádio, que urrava das arquibancadas ao longo do ano de 2011: “Eu não aguento mais o Deco”. Figuraça de Caxias, para onde sempre tenta uma carona após os jogos, o tricolor-ilustre-entre-populares realmente não escondia sua decepção com o jogador que ele acreditava estar roubando o Fluminense.

Como uma história dessas rendeu um ídolo ao clube? A resposta está no ano de 2012. Com uma melhor condição física, Deco exibiu sua magia. Quem é o tricolor que não se emocionou com o gol de Deco que nos deu a vitória sobre o Boca na Bombonera? Não fosse pelo roubo do senhor José Buitrago na primeira partida das quartas de final daquele ano, possivelmente teríamos eliminado mais uma vez o gigante portenho e rumado para a disputa do título. Quem não se emocionou com a partidaça de Deco na final da Taça Guanabara de 2012 e no massacre sobre o Botafogo nas finais do estadual daquele ano? Quem não se emocionou com a chapelaria de Deco no brasileiro, com suas atuações magistrais, com sua demonstração de talento in natura? Quem não viu resplandecer na sua figura a imagem da vitória quando, após a derrota para o Galo nos minutos finais de um grande jogo, o craque declarou: “Eles ganharam o jogo, mas nós vamos ganhar o campeonato”.

A performance de Deco em 2012 foi tão extraordinária que o tricolor de Caxias, jocosamente chamado de Deco nas arquibancadas, passou a ser seu fã número 1. Trocou uma camiseta tricolor bem exótica, daquelas antigas, feitas com uma trama parecida com meia arrastão, pela camisa com número 20, que usa até hoje, diga-se de passagem. Em lugar de “Eu não aguento mais o Deco”, era possível ver o cômico senhor idoso, negro, bem-humorado gritar a todos pulmões: “Eu amo o Deco”!

É lembrando de Deco que vejo Ronaldo. Ele começou melhor que Deco, talvez por ter poucas lesões em sua longeva carreira. As atuações são fracas, é verdade, mas o cara se dispôs a ir a campo com pouca condição física, ficando à mercê da impiedosa crítica dos inimigos de plantão, dele e do Fluminense. E por que se dispôs a ir a campo? Nitidamente porque o Fluminense precisava: com Vinícius fora de combate e Gerson com a cabeça na lua, era preciso dar peso ao meio campo, colocar alguém que segurasse a bola por ali. Ronaldo foi para o sacrifício.

Não é coincidência que Ronaldo seja poupado no momento em que Vinícius volta e Gerson acerta seu reingresso no planeta Terra. Agora, podemos poupá-lo e tenho certeza de que ele voltará outro. Se eu tivesse coragem, apostaria uma grana grande que Ronaldo voltará contra o Atlético Mineiro com uma atuação destacada, bem superior à de suas primeiras. Eu apostaria nisso, e apostaria que Ronaldo vai ter uma passagem brilhante pelo Flu. Histórias de recuperação são a cara do Fluminense e a de Ronaldo vai ser apenas mais uma.

Tricolores queridos: rompamos o imediatismo, dando tempo ao tempo. É bem provável que do invólucro de Ronaldo surja o craque vencedor de tudo como um dia em 2012 despertou o Mago no corpo sacrificado de Deco. Se não surgir o craque, fiquemos com um bom passe, com um lançamento ou outro, com a batida de falta, com o olhar e a postura vitoriosos. Não é pouco, não é para poucos. Saibamos acalentar a tricolidade no coração do Gaúcho e vejamos o que vai dar. Que venha o Ronaldeco.

Panorama Tricolor

@PanoramaTri

Imagem: Antonio Lacerda- EFE

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