O primeiro desafio de Roger Machado no Flu (por Marcelo Savioli)

Amigos, amigas, depois da ressaca decorrente do desagradável episódio da noite de quinta, quando os café com leite conquistaram mais um título brasileiro, e ainda com uma derrota que nos tirou, mesmo que provisoriamente, da fase de grupos da Libertadores, é hora de começar a pensar o futuro próximo.

Até porque o futuro próximo está próximo de mais, muito além do que manda o bom senso, mas em virtude de uma temporada conturbada em decorrência da pandemia de Covid-19.

Primeiramente, o Fluminense não jogou contra o Fortaleza uma partida capaz de justificar o entusiasmo de alguns tricolores. Foram dois gols de bola parada e o Fortaleza jogando tempo demais no nosso campo, um traço típico da nossa trajetória nesse Campeonato Brasileiro, que ora acaba de terminar.

Roger Machado assume já com um grande desafio, que pode ser nitroglicerina pura. O Fluminense tem uma base para iniciar a próxima temporada? Sim, tem. Ter uma base não significa, no entanto, que tenhamos a solução completa.

A explicação para o Fluminense ter dado tanto poder de iniciativa ao Fortaleza na noite de quinta é a mesma de sempre. Desde Odair Helmman, o Fluminense é moldado para proteger a titularidade de dois jogadores: Fred e Nenê. Era assim antes mesmo de Fred ter condições de jogo. É só ver a declaração do próprio Fred afirmando que Odair barraria Evanilson para que ele jogasse a partir de determinada rodada.

Como funciona isso? E funciona com Marcão também. Escala-se dois homens de lado, que podem ser meias (Michel Araujo) ou atacantes (Wellington, Luiz Henrique e Lucca), com intensidade física e poder de marcação, cuja função é recompor a linha média de marcação ao lado dos volantes.

Podemos, sim, ter dois atacantes, como na partida com o Fortaleza, mas a função deles é ser meias pelos lados. A função defensiva chega a ser mais importante, muito mais, que a ofensiva, e já há nisso um contrassenso, que explica muitas dificuldades que passamos.

Tudo isso é feito para que Nenê e Fred fiquem confortáveis no jogo, como homens da sobra na marcação. Isso faz com que nosso esquema defensivo funcione muito bem. Com Martinelli e Yago protegendo a zaga, com os ponteiros (Lucca e Luis Henrique) bloqueando os corredores laterais, apoiados pelos laterais, uma dupla de zaga que faz a diferença na fase defensiva e um goleiraço, que é o Marcos Felipe.

Está explicado por que quase não sofremos gols nas últimas rodadas. Porém, por outro lado, todavia e entretanto, o Fluminense se tornou um time de uma nota só na fase ofensiva. Com Fred e Nenê à frente, não consegue pressionar a saída de bola nos zagueiros e nos volantes. Com Fred e Nenê como homens mais avançados, não consegue contra-atacar.

O que nos resta? A transição trabalhada, com a bola nos pés, tentando encontrar espaços pelos lados, que são explorados quase sempre em lançamentos dos zagueiro. Tanto melhor, contra o Fortaleza, quando esses lançamentos vinham dos pés de Ferraz, porque quando era Lucas Claro a bola ia nos pés dos adversários ou pela linha lateral.

É só observarmos que os nossos dois gols foram decorrentes de bolas paradas. Contragolpes? Isso não existe.

O Fluminense pode continuar com essa filosofia nessa temporada? Depende do que almejamos, porque essa formação não será capaz, e já mostrou isso, de encarar equipes de alto nível.

Em outras palavras, Nenê e Fred juntos não dá. Não nos deixemos iludir pelos resultados. O que importa, no entanto, são as soluções. Uma delas é a empreendida em nossa melhor exibição no returno, que é a entrada de John Kennedy no lugar de Fred.

Tivemos pressão na saída de bola do adversário? Não, mas tivemos os contragolpes. É muito simples de explicar. Temos dois ponteiros, que são atacantes de origem, mas eles não estão atacando espaços na frente quando o Fluminense contra-ataca. É o que faz John Kennedy, e é o que não fazem Fred e Nenê, que subiu de produção tendo Kennedy para lançar.

É uma coisa muito simples, mas o efeito foi devastador. Para o Ceará, claro. Então quer dizer que o Fred atrapalha? Sim, não e talvez. O que podemos dizer é que o simples fato de termos um escape ofensivo, um jogador que tem velocidade, dribla e ataca espaços, nos tornou um time muito mais produtivo ofensivamente.

A outra solução é tirar Nenê e deixar Fred. Nesse caso, teríamos dois atacantes que se completam. Mas aí é para deixar de lado essa história de atacantes que não atuam como atacantes. Precisamos ter quatro meias capazes de desafiar todas as situações de jogo, seja a transição rápida, seja a construção desde a intermediária defensiva, como acontece agora. Seja, inclusive, para colocar mais pressão nos adversários quando esses têm a bola.

Nesse caso, eu penso que um losango no meio seria matador, sem precisar mudar muito as características do time atual, em que o time ataca com os laterais espetados e Martinelli afundado entre os zagueiros para fazer a saída de bola.

Em outras palavras, Martinelli, Yago, Ganso e a descoberta que precisa ser feita. Um meia ofensivo capaz de ligar contra-ataques a partir da linha média, com bom drible, chegada na área e capacidade de finalização em diferentes situações. Não sei se Michel Araújo poderia ser esse jogador, embora tenha todas essas características, mas o perfil é mais ou menos esse, com o plus de ser um jogador que marca, combate e tem muita intensidade no jogo.

Assim, Fred e John Kennedy fariam a dupla de ataque, o que favoreceria as características atuais de Fred, de sair do meio dos zagueiros para buscar espaços vazios e ajudar a construir jogadas.

Além de Araujo, temos Miguel e Wallace, mas não há alma viva capaz de atestar se esses rapazes podem dar essa dinâmica à equipe, pois ninguém sabe, ninguém viu.

Fica esse desafio para o Roger e para quem terá que montar o elenco. Acho que a zaga, o gol e a lateral direita estão resolvidas. Temos uma excelente dupla de volantes, podemos jogar com três e ter Ganso ou Michel Araujo, por exemplo. Temos André e Metinho. O Yuri, fazendo a função do Martinelli, não compromete. Já fez antes, e bem.

Talvez nem tenhamos um grande problema de peças no meio-ataque. O nosso desafio, talvez, seja reconhecer o que pode e o que não pode fazer sentido. Já falei de Miguel e de Wallace; temos Pacheco, Luis Henrique, John Kennedy e Samuel. Temos Fred e Nenê. Temos até o Lucca. Precisamos achar um time que faça mais sentido para quem quer cumprir sua obrigação na temporada, que é conquistar a Libertadores e o Brasileiro.

Aliás, o único setor em que temos um problema consolidado é a lateral-esquerda. Egídio de bigode fica no meu time tranquilo, mas precisamos de alguém para lhe fazer sombra, porque o Danilo Barcelos não dá.

Saudações Tricolores!