Os ratos estão entrando… (por Edgard FC)

Poucos meses após vencer o Brasileirão de 2010, um triunfo na história recente do Fluminense, campeonato que havia – à época – 26 anos da última conquista, aquele memorável confronto contra o Vasco em 1984, o treinador Muricy Ramalho em decisão que tomou muitos de surpresa, pediu demissão do clube, denunciando falta de estrutura, falta de investimento em melhorias e até citando a presença de ratos no vestiário.

Não mais que de repente, após grande repercussão na imprensa esportiva, toda a narrativa do clube foi na direção de focar no rato. Arranjaram até um cadáver, um camundongo frutífero e fofinho, desses que habitam áreas mais calmas e de acesso a comida fácil. Certa vez, uma família desse tipo ‘ocupou’ o forno do meu fogão, por uma noite, sem que soubéssemos.

Morava na Fazenda da Bica, região suburbana do Rio de Janeiro, em Cascadura. Era prática, e ainda é, dos funcionários da Prefeitura atearem fogo às matas (Mata Atlântica) das encostas próximas as ruas e ladeiras do simpático bairro, que possui até uma pequena cachoeira.

Com esses incêndios, muitos animais fogem e adentram as residências, camundongos, gambás e até pequenas cobras (não peçonhentas) são visitas constantes. Tendo no bairro um famoso criador de cobras, o China, que pedia para que, quando caçássemos camundongos, os levemos para alimentá-las. Mas nossa história sobre os ratos é outra.

Vejam como esse simpático roedor é capaz de nos fazer desviar do foco central da conversa. Exatamente o pretendido naquele momento com o tal cadáver, que teria suicidado do alto dos telhados da arquibancada (risos).

Voltemos aos ratos narrados por Muricy Ramalho, como ele mesmo disse: no vestiário tem até rato. Mas não são os ratos que habitam esgotos, que vivem de sobras e resíduos urbanos, como cantado em “Bichos Escrotos” dos Titãs, embora se assemelhem à descrição “Ratos, entrem nos sapatos do cidadão civilizado”, como um prenúncio de como agem, de como se portam e se vestem. Não obstante, temos um ratinho que comanda a cabeça de um cozinheiro na animação blockbuster Ratatouille, sendo o verdadeiro cérebro do herdeiro do restaurante.

Coincidência? Eu acho que não.

Muricy dera um verdadeiro grito de alerta, em momentos comuns, de um caráter raríssimo nesse submundo do futebol, onde muitos ratos se escondem, porém sempre abrem suas caixas de ferramentas, como Skylab rascunha em “Os Ratos”, ilustrado no parágrafo:

Os ratos tomam meu corpo,
Ratos em quantidade,
Rato, será meu nome?
Os ratos por entre os dedos,
Rato na identidade,
Ratos nos pensamentos.

Muito embora sua música-poema faça referência também aos ratos utilizados como ferramenta de tortura pelos fascistas, nazistas e militares brasileiros na Ditadura Civil-Militar que tomou de assalto o poder no Brasil entre as décadas de 1960-80. Rogério nos brinda com esse trecho de forma brilhante, delatando o como agem e se perpetuam os tais roedores e como se fundem e se confundem seus interesses.

O treinador deu diversas entrevistas a posteriori sempre tentando evitar o tema, mas em uma ou duas deixou sair de si sobre as visitas inesperadas no vestiário, demissão do diretor que o blindara de situações espúrias, troca na VP de futebol do clube, deixando a relação de interesses e pedidos de favores chegar na Comissão Técnica de forma inescrupulosa. Muricy falou sobre isso, falou de modo contristado, sabedor de que esse modus operandi destrói coisas belas, como era nossa equipe naquele período, o melhor em tantos tempos.

Ele nos tentou alertar, usou de linguagem cifrada, mas com endereço e localização específica. Ah, e como esses ratinhos são serelepes, para amenizar (se é que é possível) a tragédia que é estar entregue e sem controle, como Paris, que estima ter cerca de 50 ratos para cada habitante humano, os danadinhos agem como Jerry, que sempre dá nó tático no Tom e se associa aos cachorrões para seguir aprontando suas molecagens. Ou o Ligeirinho, jamais alcançado, tamanha sua perspicácia e driblador como só. Porém, ainda se alimenta de outra habilidade, sempre que é necessário, é usado como carta coringa a fim de levar a culpa por destruir documentos importantes, fazer sumir apreensões da Polícia, quando esta se trata de ervas e químicos entorpecentes.

Por fim, os ratos a que Muricy se referiu, poderiam ser tantos e muitos outros, ou até coadunar a algum desses, com certa semelhança, mas decerto não eram e nunca foram o pobre camundongo estampado nos jornais naquele fatídico 1 de abril de 2011.