O planejamento do planejamento… (por paulo-roberto andel)

fluminense 3 0 são cristovao  2 02 07 1983

fluminense 3 0 são cristovao 02 07 1983

Há 32 anos e três dias, a imortal dupla Assis e Washington estreava pelo Fluminense contra o São Cristóvão. Ninguém sabia, mas ali começava uma grande era de glórias e uma base fantástica que permitiria grandes façanhas ao Tricolor, pelo menos até 1988.

Curioso é pensar que parte dos jogadores que formaram esse timaço não eram propriamente novidade no clube. Já vinham de um 1982 difícil, onde depois de boa campanha no Brasileiro, o Fluminense sucumbiu na Copa dos Campeões e no Estadual. Acabara de terminar o Brasileiro em 18º lugar. O “veterano” das Laranjeiras era Deley, campeão em 1980.

A estrela da companhia era Washington. Assis veio como um contrariado contrapeso. Os dois já tinham jogado juntos no Internacional de Porto Alegre, sem grande sucesso. Apareceram no cenário nacional pelo Atlético Paranaense, terceiro colocado no Brasileiro 1983. Deu no que deu: ganhamos tudo.

Entre 1983 e 1988, o Fluminense teve os seguintes treinadores (afora interinos): Cláudio Garcia, Carbone, Carlos Alberto Parreira, Carlos Alberto Torres, Nelsinho, Luiz Henrique, Antônio Lopes, Carbone novamente, Sebastião Araújo, Ismael Kurtz e Sérgio Cosme. Dez.

Em campo, o Tricolor conquistou títulos espetaculares e, quando não conseguiu, realizou grandes campanhas e jogos.

A montagem de 1983, trazendo a garotada do Inter aos poucos (Jandir, Branco, Tato), mesclando com remanescentes da equipe, foi criteriosa. À beira do campo, nem tanto. Isso não impediu o Fluminense de fazer história, mas possibilita boas discussões à mesa do bar.

SALTANDO 32 anos no tempo, ou 31, eis o que quero dizer.

Planejamento.

A palavra repetida por dezesseis em cada dez executivos de futebol quando se quer comentar uma boa fase no gramado, geralmente avizinhada de “gestão” e “trabalho”.

PLANEJAMENTO_ESTRATGICO_2

Ano passado, o Fluminense fez algumas partidas tão boas que foi aplaudido por mais de 50 mil torcedores numa derrota no Maracanã, 2 a 1 para o Vitória.

Alguns mais apressados disseram que ali estava a revolução do futebol brasileiro, comandada pelo treinador Cristóvão – que então veio para substituir Renato Gaúcho, 90 dias no cargo.

Talvez uns cinco ou seis jogos mágicos, que deram gosto de ver o time em campo. Um monumento. Depois, por motivos desconhecidos (na verdade, nem tanto), a coisa desabou. A chance do título brasileiro virou água, não deu vaga para a Libertadores, a decepção foi uma realidade.

Adeus, investidora. Adeus, Fluminense. Vai acabar, vai morrer. Piada. Mas é bom que se diga: a sobrevivência plena não teve nada a ver com atos de genialidade administrativa. Bastou o (desejável e importante) óbvio.

Contrariando boa parte da torcida (e de caciques do elenco), Cristóvão teve o contrato renovado para 2015. Boa parte dos jogadores encerrou seus vínculos, Conca veio e foi, Cícero veio e foi, a proposta foi apostar em valores desconhecidos, muitos deles vinculados a dois empresários que possuem boa lida no clube – ou que tivessem boa pontuação no escáuti produzido em Álvaro Chaves. A maior parte deles ainda não mostrou serviço. Alguns já saíram das Laranjeiras.

No trucidado Carioca com sua Federassauro, a coisa não deu certo. Cristóvão foi demitido, pouco depois da melhor apresentação do Flu neste 2015 até aqui, 3 a 1 sobre o Botafogo no Maracanã. Foi substituído pelo inacreditável Ricardo Drubscky, comentado aqui. Não emplacou dois meses, era óbvio. Entretanto, em suas primeiras partidas, o que mais se lia era a respeito de sua inteligência, preparo e conhecimento de futebol. Cabe meu respeito; apenas não constatei nas atuações do time durante a breve era drubiana. O próprio mandatário tricolor falava de uma campanha digna em 2015, enxergando limites à frente.

Então chegou um novo treinador, o terceiro em cinco meses.

Enderson Moreira, o mesmo que encarou a tremenda roubada em 2011, classificando o Flu na Libertadores depois da bagunça no Caso Muricy, até hoje não explicada direito. Enderson, também o mesmo de trajetórias recentes conturbadas por times como Goiás, Grêmio, Santos e Atlético Paranaense, causadas pelo que se costuma denominar de “fatores internos”.

Com todo esse pacote, o Fluminense ainda vinha de um nocaute inacreditável diante do Atlético Mineiro por 4 a 1, em 17 de maio passado, com o time flanando no gramado (o que infelizmente aconteceu em oportunidades anteriores). Digno de socar a tela da TV novinha ou entrar em campo para tomar satisfações.

Nos últimos parágrafos, convenhamos: nada era animador. Mas o futebol está aí para desafiar paradigmas e definições, no que o Fluzão é um aluno aplicado. Então, o time que parecia assustar a torcida subitamente se encheu de garra e disposição, superou suas limitações, contagiou as arquibancadas e, mesmo sem ser brilhante, colecionou as vitórias que hoje que o colocam no G4 como um dos times mais regulares do certame e até candidato ao penta neste momento.

Todos sabem que o Brasileiro está muito nivelado por diversos fatores: a crise econômica e a dos clubes, a escassez de craques, o assédio dos times estrangeiros e por aí afora. Assim sendo, aí estamos com nosso modesto time e, se conseguir atravessar com vigor o longo semestre que acabou de nascer, quem sabe o Fluminense não enche sua torcida de alegria outra vez?

Importante marcar posição: nada de megalomanias esquizofrênicas. É só o começo. Times vão despontar, times vão ficar pelo caminho, azarões podem surgir.

Mas nada disso atrapalha o momento FELIZ que nós, tricolores, estamos vivenciando no campo.

Um bom resultado no Morumbi contra o São Paulo logo mais é um novo passo na busca de uma afirmação – e até mesmo um título – que parecia bastante improvável até bem pouco tempo. Enderson Moreira está há quarenta dias no cargo de treinador do Fluminense.

Por enquanto, vivamos a nossa felicidade e que ela se prolongue a cada novo mês nessa disputa. Se a garra do time em campo continuar prevalecendo, podemos esperar dias cada vez melhores e a briga pelo topo.

Estou entre os mais otimistas em qualquer circunstância. Sempre estive, aliás, e graças a isso é que pude me tornar um escritor publicado: comecei minha carreira literária nesse sentido. Se não fosse um otimista, não acreditaria em quinze pessoas comprometidas em escrever de graça neste PANORAMA há anos. Mas fiquei positivamente surpreso com nossa atual colocação na tabela – esperava umas cinco ou seis posições abaixo. A surpresa dentro de campo é excelente; entretanto fora dele, nada chega a causar espécie em termos negativos.

Assim sendo, é inevitável esta provocação a você, amigo(a) leitor(a), e a mim mesmo: o excelente retrospecto recente que temos tido em campo foi fruto exclusivo de planejamento?

Se a sua resposta é sim, ela conta com meu profundo respeito. Mas permita-me a elegante discordância plena: é que os fatos públicos acima narrados não me permitem a corroboração.

Enderson não foi planejado. Nem Drubscky. Nem Cristóvão. Nem Renato Gaúcho lá atrás. O próprio Vinicius, que vinha sendo um dos melhores jogadores deste campeonato, não tinha sido devidamente percebido até chegar ao Fluminense? E quem apostaria que o jogador mais regular da campanha do time neste ano fosse… Wellington Silva, outrora defenestrado? Fazia parte dos planos a sondagem (tentativa? contratação) ao veterano Wellington Paulista, com ampla rejeição da torcida? E a saída de Wagner, que renovou em fevereiro passado por quatro temporadas?

Agora, se a sua resposta é não, uma outra deliciosa provocação: mas que DIABOS aconteceu que o time, outrora trôpego, virou um leão da raça, da garra, da correria, da atitude, da entrega intensa, do tesão em pouco mais de um mês até esta última linha?

Quem sabe responder? Cartas para este sítio.

Em 2006, o Flu escapou do rebaixamento no Brasileiro em sua penúltima rodada. Seis meses depois era campeão da Copa do Brasil.

Em 1980, o Fluminense estava mais duro do que um côco seco. Foi mal no Brasileiro, dispensou vários jogadores, jogou a Taça Guanabara, foi vice-lanterna (com apenas seis times na disputa) e efetivou os reservas oriundos da base por absoluta falta de dinheiro (só contratou Cláudio Adão e Gilberto, ambos por uma ninharia). Resultado? Um dos times mais velozes da história do clube, campeoníssimo em cima do poderoso Vasco e dando adeus ao Flamengo de Copas Foras.

Resumo da ópera: nem sempre creia em tudo que você lê nas manchetes de jornais ou mesmo na imprensa oficial dos clubes de futebol. Muitas vezes, as façanhas acontecem por motivos absolutamente alheios aos dos atos dos executivos, planejadores, chefões, fodões de ocasião et cetera. Os fracassos também.

Resumo da ópera II: quando os jogadores estão a fim, pode ter salários atrasados, más condições de trabalho, problemas, tudo, que a cousa acontece. E quando NÃO estão a fim, nem que você tenha uma investidora com 80 milhões de reais – ou 50 – ou 30 – são milhões para dar num pau – os resultados positivos virão. Tudo depende de quem manda – no campo, no escritório, na grana.

NOTAS

1) depois de partidas malemolentes e desinteressadas, Gerson contra o Santos fez uma jogada fantástica que gerou o golaço de cabeça de Fred – uma das mais bonitas no Fluminense do século XXI. Lembrou o grande lance de Roger (Flores) contra o Vasco em 2000. Muitos falaram do incrível gol perdido por Fred na partida de quinta-feira, o que não é costume do atacante; estranhei que seu maravilhoso gol de cabeça depois de uma jogada sensacional tivesse tido repercussão menor.  

2) Grande êxito do nosso camarada Marcelo Janot, num mashup sobre o clássico do compositor Assis Valente, “E o mundo não se acabou”, que reflete o momento do Fluminense:

E O FLU NÃO SE ACABOU
(ASSIS Valente/ Marcelo Janot)

Anunciaram e garantiram
Que o Flu ia se acabar
Por causa disso
Torcedores de outros times
Começaram a secar

E até disseram que a Unimed
Ia patrocinar a flamengada
Por causa disso nessa noite
Em Laranjeiras só se ouviu gargalhada

Acreditaram nessa conversa mole
Pensaram que o Flu ia se acabar
Fui tratando de me divertir
Sem demora o Fred voltou a marcar

E o tal do Flu não se acabou

Abaixo, a versão da canção original, interpretada por Adriana Calcanhotto. 

3) A PALHAÇADA DA ISTOÉ

Uma charge estúpida mais uma vez em situação de crime contra o Fluminense.

Nenhuma novidade. Vide 2013, 2014.

Se até gente bem paga pelo clube pode pleitear a destruição de seus bens culturais, o que dizer do resto?

Videozinhos e bravatinhas almofadinhas em manchetes efêmeras são inúteis. O que a torcida espera é a saída da inércia.

Ação. Literalmente falando e escrevendo.

A ampla defesa institucional do Fluminense deve ser um item do planejamento. Ou, ao menos, deveria.

4) CAMPO

Todos os coracões tricolores do mundo esperançosos no Morumbi.

Esse patrulhamento ideológico de gente que afirma sobre tricolores que torcem contra, por causa de oposição política no Flu, é uma das maiores babaquices de todos os tempos, capaz de deixar o deputado e a Istoélixo no chinelo.

Panorama Tricolor

@PanoramaTri @pauloandel

Imagem: gestão negócios/uol

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