PELÉ (1940-2022) (por Paulo-Roberto Andel)

Faleceu o Atleta do Século XX – o do XXI, ainda não temos certeza ou talvez nem tenha surgido ainda.

O brasileiro mais conhecido do mundo.

Ao lado de nomes como Oscar Niemeyer, Tom Jobim, Carmen Miranda, Glauber Rocha, Lula e Paulo Coelho, dentre outros, Pelé foi um embaixador do Brasil na Terra. O maior de todos eles.

Também o maior jogador de futebol de todos os tempos. Todos, sem exceção, sem necessidade de teoremas confusos e verborragia barata. Com todo respeito aos que discordam desta sentença, não tenho tempo a perder.

Dentre os gigantes da história do futebol, Pelé foi o maior porque nenhum outro fez mais de 1.200 gols, nem ganhou três Copas do Mundo, nem municiou sete dos dez maiores artilheiros da história de um clube de futebol, somando mais de 1.700 gols. Nenhum outro dos maiores craques de todos os tempos tem geniais gols perdidos como ele na conquista de um título mundial – basta lembrar das jogadas maravilhosas contra a Tchecoslováquia e Uruguai no México em 1970 (quando o Brasil deu o troco de 1950), frequentemente reprisadas 50 anos depois. Está tudo no YouTube, felizmente.

Até 1958, o Brasil era um ponto de interrogação no mundo, frequentemente ligado às zombarias da Disney. A infeliz derrota de 1950 nos fragilizou a ponto de Nelson Rodrigues denunciar o complexo de vira-latas como um paradigma brasileiro. A imortal vitória na Suécia transformou a nossa imagem diante do mundo, e o país experimentou uma euforia jamais vista: numa só tacada, vieram à luz a Bossa Nova, o Cinema Novo, o Teatro Brasileiro de Comédia, o futebol brasileiro, o Concretismo, o desenvolvimento à vista, a reforma gráfica nos jornais começada pelo Jornal do Brasil (com Janio de Freitas, ele mesmo) e os sinais de que finalmente o país daria certo.

Entre 1958 e 1970, Pelé deu as cartas no futebol. Fez centenas de gols, liderou o Santos à gloria mundial – lotando o Maracanã com 250 mil torcedores em dois dias – e escreveu boa parte das melhores histórias da Seleção Brasileira.

Ao lado do gênio Garrincha, Pelé disputou 40 partidas com a camisa amarela. Nunca perdeu um jogo.

Há muitos dados que poderiam caber aqui, mas tudo é pequeno diante da despedida do Rei. Ele está para o esporte assim como Miles Davis está para o jazz, Pablo Picasso para as artes plásticas, Saramago para a literatura e Bob Dylan para a canção. Gente que, diante de tanta gente espetacular, teve em si as vírgulas para sobressair.

Ademir da Guia, Dicá, Rivellino, Zico, Sócrates, Falcão, Messi, Maradona, Di Stéfano, Didi, Gerson, Dirceu Lopes, Ronaldinho Gaúcho, Rivaldo, Cruyff, Paulo Cezar Caju, Platini, Puskás e tantos monstros do futebol mundial, jogadores colossais, ficam todos no pódio com a prata. O ouro é do Rei. Quem tiver dúvidas, deixe de lado a teimosia e se delicie no YouTube.

Para fechar, gostaria de recontar uma história testemunhada por meu querido amigo, o sociólogo Marcelo Rodrigues Lessa , que por muitos anos foi vizinho de Altair, lateral esquerdo do Fluminense, campeão mundial de 1962 pela Seleção. Durante anos, a filha de Altair teve um sério problema de saúde que exigia uma caríssima medicação trazida do estrangeiro. Por anos a fio, Pelé bancou a importação regular dos remédios. Esta é apenas uma de centenas de iniciativas que jamais ganharam as páginas dos jornais porque, claro, a prioridade é das notícias ruins, muitas vezes manobradas.

Há pouco, Lula e Gilberto Gil se manifestaram sobre a passagem de Pelé. Torcedores comovidos ocupam o Museu do Futebol em São Paulo e o Maracanã, no Rio. Noticiários do mundo inteiro anunciam a relevância do Rei. Populares lamentam nos ônibus e trens.

Vai-se embora um homem que desafiou definições, conquistou o planeta e escreveu uma história vitoriosa. Humano, errou e acertou, acertou muito mais do que seus detratores. Um homem que jamais foi visto em público com agressividade, falta de educação e elegância. Um homem negro que ganhou a admiração e o respeito de milhões de homens brancos, negros, amarelos, de todas as matizes e diversidades. Um homem que encantou o olhar adolescente de meu pai.

Um homem que, a seu modo, mudou o mundo.