Os finados tricolores estão vivos demais (por Paulo-Roberto Andel)

Tudo é Fluminense.

Antes que a luz do sol chegue para homenagear os que já se foram, mas que ainda estão vivos demais nas retinas da memória, tudo é Fluminense.

A nossa história tem um passado colossal, de modo que os nomes mais antigos são falados como se estivessem por aqui até a semana passada. Falamos de Castilho e Batatais, de Bigode e Romeu, de Marcos Carneiro de Mendonça – com seu maravilhoso escudão tricolor ornamentando a camisa branca – e o tanque Welfare como se ainda fossem jogadores da ativa, felizmente. Afinal, ser Fluminense atende a um princípio filosófico basilar: recordar é viver.

O que dizer de Assis e Washington? De Zezé? De feras da Máquina como Carlos Alberto Torres, Rodrigues Neto, Cléber, Doval e Dirceu? De um tanque como Waldo? De Zezé Moreira e Nelsinho? De Ximbica? E de monumentais presidentes como David Fischel, Manoel Schwartz e Arnaldo Guinle?

Mais de 40 anos depois de sua morte, Nelson Rodrigues continua tão vivo no imaginário do Fluminense que não seria surpresa encontrá-lo à saída da Leiteria Mineira ou do Paladino. Tão vivo que só os de alma bem pequena o desprezam. Nelson, o maior dramaturgo brasileiro da história, injetou poesia e drama no teatro tricolor e isso continua porque não há ribalta maior do que a nossa.

Mas até aqui falamos dos famosos. Não podemos esquecer que a glória do Fluminense foi também escrita por milhões de anônimos, que dos tempos da rua Guanabara até os atuais do Novo Maracanã abarrotado, empenharam seus tostões para ver e rever o grande amor em três cores da glória e vitória, que rimam como nunca. Gente que veio de todas as classes e cores, de balneários e subúrbios, gente das artes e letras culturais – celebremos Bibi Ferreira, Sérgio Britto, Sérgio Sant’anna, Paulo Cezar Saraceni, Mário Carneiro, Bárbara Heliodora e uma multidão.

O sol já se põe, antes das seis da manhã. Todos os mortos tricolores se prepararam para despertar e sonhar nesta quinta-feira, porque a descoberta da América é logo ali. Logo eles vão ocupar as ruas de Copacabana – sempre! -, do Largo do Machado, de Vaz Lobo, do Andaraí e de Campo Grande. E vão espiar os irmãos vivos que, neste feriado, estarão descansando ou trabalhando, todos suspirando sem parar pela decisão do próximo sábado.

Nós, tricolores, formamos dois países. O do presente, onde somos milhões num só coração, e o do passado, também de milhões que, se não podem nos oferecer a presença física, cantam, vibram e choram com suas almas que são rios de curso interminável, nos banhando para que sigamos rumo ao futuro. E aí, caros amigos, é novamente o farol de Nelson Rodrigues que ilumina nosso destino: “Se quereis saber o futuro do Fluminense, olhai para o seu passado. A história tricolor traduz a predestinação para a glória”. E é assim que caminhamos para o sábado que se aproxima.

Os mortos tricolores estão vivos demais. E estão conosco. São muitos e muitos nomes de uma lista interminável, que pode ser representada por um sinônimo de gols, alegrias, humildade e a maior vitória de todos os tempos: Super Ézio, eterno, eterno.

Recordar é viver. Tudo é Fluminense.

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Em memória de Helio Andel (1941-2008) e Maria de Lourdes Andel (1945-2007)