O novo(?) semestre do Fluminense (por Paulo-Roberto Andel)

Deve ter sido a primeira vez em oito anos que eu não havia publicado aqui imediatamente após um jogo decisivo do Fluminense.

Bom, a turma já havia dito quase tudo. E apesar da minha súbita animação depois da vitória nos pênaltis na Taça Rio, não deu para ir além disso. Pensando bem, não dava. A gente torce porque é nosso ofício, nossa missão, mas não se constrói um time campeão num supetão.

Mesmo assim, para não perder a coerência, andei relendo meus escritos por aqui. Queria ver a coesão. Ela realmente existiu. Se fosse resumir as colunas deste ano, o resultado seria o seguinte: time montado de esguelha imediatista, cheio de veteranos e sobras, com dificuldade para voos mais altos. A vitória na Taça Rio foi uma sobrevida, essa é a realidade, por mais que tenha sido legal – e foi.

Claro que o futebol não deveria ter voltado, claro que o Fluminense foi muito prejudicado com o retorno súbito em plena pandemia. Agora, não dá para tapar o sol com a peneira: mesmo que tivesse mais tempo para treinar, as dificuldades seriam as mesmas.

Questão de encarar a realidade. Resta saber o que os dirigentes vão fazer (ou não) para mudar o paradigma desta década quase perdida dos anos 10.

Lá atrás, a opulência financeira da Unimed, especialmente a partir de 2008 – embora já tivesse dado sinais em temporadas anteriores – foi decisiva para que até 2013 o Fluminense tivesse elencos de grosso calibre, com jogadores experientes e vencedores misturados a jovens. Foram três anos de respeito entre 2010 e 2012. De lá para cá, o Flu se perdeu dentro de campo, salvo efemérides como turnos do estadual e a finada Primeira Liga (promessa de revolução no futebol brasileiro segundo as palavras sem valor de Peter Siemsen).

Durante algum tempo, o discurso oco de tuiteiros eleitorais garantiu a confiança da torcida e enganou a muita gente no decorrer destes anos, incluindo o titular desta coluna. Mas nem todo mundo é otário para sempre, com exceção dos auto-declarados espertalhões. Falas que não correspondem aos atos simplesmente desabam. É sabido que o Fluminense deve uma fortuna, produz pouco dinheiro novo que não seja rifando revelações e, de uns seis anos para cá, ainda não surgiu o torcedor tricolor que saiba relacionar todas as contratações para o futebol profissional, tamanha a quantidade de jogadores anônimos envolvidos em rápidas chegadas e saídas. Com isso, os resultados esportivos foram naturalmente pífios, demolindo certezas ocas.

É muito bacana a chamada força espontânea que move parte da torcida tricolor em situações pontuais. Ora pela arquibancada, pra pelo Flu, ora pela associação. Bacana mesmo. Porém, isso decorre da própria ineficiência do clube em utilizar seus quadros remunerados para situações específicas, assim como de estimular a torcida como um todo em vez de nichos ocasionais. E, pela já tradicional dificuldade das sucessivas gestões tricolores em dialogar com quem não os bajula – ou muito bajulou -, o clube acaba cercado por uma verdadeira montanha de desencontros: os governistas e adesistas propagam um mundo tricolor de Pollyanna, onde tudo é mentirosamente belo e perfeito, enquanto ex-adesistas (renegados por motivos desconhecidos) traçam o inferno tricolor do dia a dia. O fato é que há muito, muito mais gente além destes dois grupos que não quer caça às bruxas, o empalamento de dirigentes etc, mas simplesmente que o Fluminense volte aos tempos de protagonista, em vez de figurante, nas principais competições que disputa, tal como fazia no século XX e num curto momento deste século XXI até aqui.

Independentemente de lutas admiráveis como a deste ano contra a volta do futebol, motivo de orgulho para qualquer tricolor em pleno gozo de saúde mental, o Fluminense tem que voltar a ser grande todo dia. Para isso, precisa de gente grande em todos os sentidos. De manchetes grandes e significativas, em vez de bafafás porque pagou salários (nada mais do que obrigação de contratante). Nisso, por sinal, os veículos de clipping que orbitam o clube têm especial responsabilidade: é preciso saber distinguir o que é informação relevante do que não passa de caça-like. Por outro lado, cabe aos torcedores a busca por informações concretas em vez de factóides chutados por picocelebridades patéticas.

Mudando de foco, o que dizer das repetidas ações trabalhistas na Justiça contra o Flu, todas milionárias e sufocando cada nova gestão, que culpa imediatamente a anterior (com razão)? Uma pergunta elucida o assunto: quem estava lá antes? Outra: quem fez estes contratos?

Para voltar a ser grande no dia a dia, o Fluminense precisa escutar não apenas os pares políticos de ocasião, mas aprender a dialogar com todas as correntes. Enquanto isso não acontecer, o amor de milhões não deixará de ser refém dos Chiquinhos Zanzibares do clube (que me perdoe o colunista), auto-proclamados dono da quadra, dono da vaga, dono da sauna e por aí vai. E é exatamente isso que nos engessa: a grandeza de milhões de torcedores Brasil afora sufocada pelos desejos pessoais de meia dúzia.

Tudo isso repercute no principal: o Fluminense em campo. Os resultados dizem tudo e valem como lição para todos os que, por mera comodidade, apontavam o período entre 1986 e 1994 como um desastre para o clube pela falta de títulos no futebol. Apesar de gestões medíocres naquele tempo, com times baratos e alguns jogadores sofríveis, o Flu não era coadjuvante, pelo contrário: chegou a duas semifinais de campeonatos brasileiros, decidiu três campeonatos estaduais e foi surrupiado na decisão de uma Copa do Brasil. De 2012 para cá, salvo a efêmera Primeira Liga, estamos perto de oito anos sem conquistas, duas decisões cariocas perdidas, nada na Copa do Brasil, pontualidades na Sul-americana (que é o lado B da Libertadores, onde todo mundo joga) e cinco lutas contra o rebaixamento.

Por sua história e tradição, o nosso time pode até surpreender ocasionalmente, uma vez ou outra, mas não passará disso sem mudanças profundas em seu modelo de gestão – reitero: não trato aqui de pessoalidade, mas de conjuntura, de perspectiva. Nosso modelo é ultrapassado e isso se reflete numa realidade: estamos perto de chegar a quarenta anos do último time que nos garantiu várias temporadas consecutivas de protagonismo, aquele maravilhoso formado em 1983 e que durou praticamente até o fim daquela década, num tempo em que, ao contrário do mundo de Pollyana mencionado mais acima, a torcida do Fluminense falava grosso, era exigente ao extremo e cobrava permanentemente. Não se trata de truculência, mas de firmeza, e nem de fantasia, mas realidade. E ninguém acusava ninguém de não ser tricolor por cobrar resultados do clube.

Resta saber se honraremos ou não a máxima de Nelson Rodrigues. Para ter a vocação da eternidade, o Fluminense precisa da modificação de conceitos no presente. Caso contrário, a cada novo início de campeonato só viveremos de lampejos, celebrando fanfarronices que rapidamente se esgotam e não honram os motivos que fizeram de todos nós torcedores do Tricolor.

Panorama Tricolor

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