O finado Eurico e os rebaixamentos (por Marcelo Savioli)

Amigos, amigas, indo direto ao assunto, se tem um episódio dos longínquos anos 90 do qual não me esqueço, é o ocorrido numa quarta ou quinta-feira à noite. A data teria sido 19 de novembro de 1996.

Na ocasião, o Fluminense, comandado por Renato Gaúcho, lutava bravamente para escapar do rebaixamento e obtinha a segunda vitória seguida, contra o Juventude. Para chegar à última rodada dependendo apenas de seu resultado, o Flu precisava que Criciúma ou Bahia, ambos jogando em casa, tropeçassem.

O problema é que os adversários eram Flamengo e Vasco. Nem é preciso dizer que o Urubu não se opôs a uma tranquila vitória catarinense. Já em Salvador, o que se viu foi o Vasco lutando até o fim, sendo grosseiramente prejudicado pela arbitragem. No final da partida, o Bahia fez o gol da vitória, de pênalti inexistente.

Ao final da partida, Eurico Miranda, presidente do Vasco, bradava ao microfone das rádios que havia uma armação para rebaixar o Fluminense. O que se descobriu depois foi que o árbitro do jogo recebeu um misterioso cheque de R$ 5 mil.

Muito falam os “estoriadores” que houve uma grande armação no ano seguinte para reverter o rebaixamento do Fluminense, apesar da história do 1.0.0, o caso de suborno envolvendo Corinthians, Atlético PR e Comissão de Arbitragem da CBF. Curiosamente, essa mesma “estoriografia” abafou o caso do cheque, que foi um dos grandes escândalos daquela semana que antecedeu a queda do Fluminense. A entregada de Flamengo e Atlético PR para Bahia e Criciúma na última rodada completam o drama policial de quinta categoria.

Pode-se até dizer que Eurico agiu com ardil e demagogia, já que era inimigo declarado do Fluminense, não só nas palavras, quanto nas ações. Não obstante, em 1992, sob seu comando, o Vasco teve a possibilidade de tirar do Flamengo o tetracampeonato brasileiro. Bastava, na última rodada do quadrangular semifinal, abrir as pernas para o São Paulo. O Vasco venceu de 3 a 0 e levou o Flamengo à final contra o Botafogo.

Podemos lembrar que o Vasco foi um aliado fiel do Flamengo naquele período, a começar pelo apoio incondicional à farsa do bi em dois anos em 1979, o que desmontaria a tese da esportividade vascaína. Há que se lembrar, no entanto, que não há registro, de que me lembre, do Vasco ter entregado uma partida para prejudicar algum adversário.

Qualquer dúvida, a gente pode levar para o lado mais do humor cáustico, aludindo à inusitada constituição moral do brasileiro. Talvez Eurico representasse bem isso. Era capaz das mais sórdidas manobras de bastidores, de manobrar a política e ganhar na mão grande, mas entregar jogo, de jeito nenhum.

Eurico ainda capitalizaria a virada de mesa de 2000 para tirar o Gama de jogada e salvar o Botafogo do rebaixamento. Sabe-se lá de onde surgiu a tese de que resgatou o Fluminense da Série B, se a manobra visava dar uma solução para o impasse criado pela briga judicial entre Gama e CBF, sendo que sequer houve Série A ou B naquele ano, mas um único campeonato com mais de cem clubes.

Eu sempre digo que Eurico só pode ser equiparado por Roberto Marinho entre os dois maiores inimigos históricos do Fluminense. A FAF (Frente Ampla pelo Flamengo), criada pela cúpula de Marinho, institucionalizou a fraude e a trapaça (vide caso do tri em dois anos, escândalo do Serra Dourada e o caso das papeletas amarelas). A Globo trabalhou com denodo e arte para substituir o Fluminense pelo Flamengo como maior clube do estado na mente das pessoas. Eurico, de um modo mais truculento e escancarado, se aliou a Caixa D´Água e passou a atacar o Fluminense às claras, como faz a FERJ até os dias atuais.

Ao mesmo tempo, Eurico operava na linha da violência explícita e da engenhosidade. Aproveitou toda a propaganda em torno do Flamengo para adotar uma estratégia típica de marketing. Posicionou o Vasco como o principal rival do maior clube da cidade de mentirinha. Foi ajudado pelas circunstâncias e, claro, pelas arbitragens, a impor um período de derrotas sequenciais ao Fluminense, para reforçar esse posicionamento, dizendo que contra o Fluminense não tinha bicho por vitória. Enfim, foi um gênio. Um gênio do mal, diga-se de passagem, mas um gênio, capaz de capitalizar a simpatia de todos nós ao desafiar o poder da Rede Globo.

Esse é só um dos episódios que explicam os três rebaixamentos do Vasco para a Série B no século XXI. A verdade é que o Vasco gastou muito para se posicionar como o anti-Fla, mas virou saco de pancadas. O Fluminense se encontrou com a Unimed e se posicionou como clube nacional e, posteriormente, internacional, se transformando na referência carioca no mundo. Tudo isso causou profunda mágoa, rancor e ressentimento aos vascaínos. Como dizem que as palavras e o pensamento têm força, de tanta fixação nos rebaixamentos armados do Fluminense, como sabia o próprio Eurico, os vascaínos acabaram provando, em dose tripla, do próprio veneno.

Eurico fechou o século XX, ou abriu o XXI, dependendo do ponto de vista, com o ápice de seu modelo de governo, com aquela armação toda na final contra o São Caetano. Ganhou, como tanto apreciava, no grito. Só que o mundo mudou, e vieram os pontos corridos. Armações, como aquela de 1986, que reverteram o rebaixamento do Vasco no tapetão, ou de 1984, quando quase acabou campeão brasileiro, tendo entrado na competição pela janela, se tornaram praticamente inviáveis.

Os rebaixamentos, assim como os títulos das décadas anteriores, são produto do modelo Eurico, com gastos irresponsáveis, gestão financeira desequilibrada e ausência de visão profissional e empresarial do clube.

Eurico era um homem vivendo fora de seu tempo. Um personagem, que, como tal, não pode ser jamais ignorado. É um personagem do futebol brasileiro, não para ser admirado ou respeitado, mas para ser contado.

Inimigos como Eurico e a Globo, que usaram de ardil para nos depreciar, marginalizar e reduzir nossa torcida, podem ser odiados por nós, mas, ao mesmo tempo em que optam pelo caminho errado, nos apontam o caminho certo a seguir.

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Mudando radicalmente de assunto, vez ou outra eu leio comentários que acusam os Esportes Olímpicos e o Social pela crise do futebol do Fluminense. Dizem que as receitas do futebol são desviadas.

Amigos, amigas, vamos acordar, porque já há uma razoável separação das unidades de negócio. Se é para profissionalizar o futebol e querem separar, tudo bem, vamos analisar. O que não pode é se praticar reiteradamente a injustiça sobre dois pilares da história e da grandeza do Fluminense.

Você pode dar a volta ao mundo derrubando as cadeiras que a verdade não vai mudar. O Fluminense está nessa situação atual porque recusa a gestão profissional, porque prefere ser cabide de emprego, porque concentra excesso de poder na mão do presidente. O Fluminense está assim porque teve três anos de gestão temerária, com um aumento do endividamento na casa de quase R$ 100 milhões anuais. Isso é crime. O problema do Fluminense é a dívida de curto prazo, decorrente de obrigações negligenciadas, que geram execução e penhoras. Não tem nada a ver com Esportes Olímpicos ou Social.

Quando deixamos de valorizar nossa história, começamos a dar o grande passo para perder contato com a nossa própria identidade.

Saudações Tricolores!

Panorama Tricolor

@PanoramaTri

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