Minha cabeça rolando no Maracanã (por Paulo-Roberto Andel)

Duas da manhã de domingo. Faz um frio enorme e me atordoa pensar em quem passa necessidade na rua. Estou debaixo de minha humilde coberta.

Ao longe, passa um carro na rua deserta. A cidade perdeu sua boemia, agora restrita a guetos. O Rio vive a miséria; nem os botequins servem de consolos para o povo triste.

Na TV, o telejornal repete as mesmas más notícias dos últimos dias. É a sina.

Marina dormiu cedo e parecia um ursinho. Os amigos também dormiram cedo. Não é fácil a vida do insone com a cabeça cheia de dor. Nem uma mensagem salvadora no WhatsApp. Tudo bem.

Bom, vai ter Fluminense. Às sete da noite, no Maracanã gelado, com Wellington e Cris Silva, talvez até o Caio Paulista. Fiquei de encontrar o Marcelo e o Edgard na Leste, é um alívio. Os colegas ajudam a gente nas horas difíceis.

As coisas não andam boas. Na verdade nem cheiram bem, só que, ao passar na roleta cheia de fiscais, a gente quer mais é ter doze ou catorze anos de idade, tudo para reviver o melhor de nossas vidas, quando tínhamos o futuro pela frente. E eu lá quero saber dessa gente rota que pensa ser dona do meu time? Que se danem! Escroqueria sem grife.

Em algum lugar do teto eu sonho com outro jogo. Pintinho carrega a bola com elegância e lança. Imagine Rivellino, rapaz? E Félix? São muitos nomes, muitos.

Minha cabeça rolando no Maracanã. Aquele com uma espessa nuvem de pó de arroz, trezentas bandeiras e uma torcida que cantava junta, sem sujeitos com melancias no pescoço nem grandes câmeras, implorando por popularidade. Pobres diabos.

O Fluminense grande, gigante, que não aceita dois ou três anos sem título, que não comemora sétimo lugar, que não se conforma com derrotas nem com a coadjuvância.

Então penso em todos aqueles jogos que vivi, muitos na arquibancada e na geral, muitos nas velhas cadeiras azuis, ou ainda pelo rádio, o velho e grande Telefunken de meu pai. Muitas alegrias e tristezas também, porque torcer não é editar a própria vida. Muitos craques e perebas também. Grandes lotações e jogos de um árido deserto. É a vida em riste.

Era a multidão sonhando com as tabelas. Fosse de camisa tricolor ou branca, muito branca, o Fluminense era um azougue.

Como o tempo não espera, a luz tímida da manhã feia atravessa a cortina escura à janela. Vinte para as sete de logo mais ou daqui a pouco. O domingo sem nenhuma atração prevista termina com o Fluminense no Maracanã. Sonhar é preciso. Hora de abrir a cortina do passado.