Carta a Levir Culpi (por João Leonardo Medeiros)

João Leonardo

 

Prezado Senhor Levir Culpi,

Escrevi cartas aos seus últimos quatro antecessores, sempre com a mesma mensagem. O que disse a todos e repito agora ao senhor é o seguinte conselho: entenda-me e, juntos, seremos felizes.

Permita-me primeiro apresentar-me: sou a torcida do Fluminense, a primeira e única torcida do Brasil (os outros clubes têm meros fãs). Tenho sido muito maltratada nos últimos anos. Meu amor tem se portado mal, em desalinho, como quem volta da noite meio chapado – e tem sido isso todos os dias de noites intermináveis. Não consigo sequer comprar a roupa que veste meu amor, não entendo por que razão, mas a verdade é cristalina como essa: não há loja que a venda no grande Rio. Como se não bastasse, sem qualquer decisão judicial, haviam me aplicado a pena de ficar a 300 km distante do meu bem.

Cortou-me o coração ver o senhor, que tanto se sensibilizou por outras turmas, criticar-me publicamente. Será que o senhor não entendeu que eu estava sendo vilipendiada, crucificada, prejudicada? Será que o senhor não entendeu que eu carecia de um afago, de um gesto de aproximação, de uma piscadela de olhos?

O acaso nos levou ao meio termo entre o exílio e o abraço. Não sei se alguém explicou ao senhor que estaríamos próximos, que era preciso fazer a sala, estender o tapete vermelho. Há pequenos gestos que fazem muita diferença. Por exemplo, deixastes fora da festa alguns profissionais que não condizem com meu amor, ajustastes meus representantes para que finalmente eu tivesse orgulho em regê-lo. Faria o mesmo com quem quer que estivesse lá com aquela camisa, com aquele brasão, mas foi excelente perceber a mínima capacidade em entender-me.

Sem falsa modéstia, sou realmente uma força da natureza. Hoje provei ser capaz de converter um jovem bastante modesto, Maranhão, numa força incontrolável, imparável, como dizemos na língua do esporte. Transformei também um rapaz amado, mas conhecido pelos surtos de descontrole, meu querido Marquinhos, no líder de uma equipe jovem, uma serenidade potente que meu amor não pode dispensar. Todos viram também o adormecido Cícero transmutar-se da água para o vinho, do soro para o sangue, da latência para a vida. Samuel fredou, Gum thiagou, Douglas denilsou e por aí fomos todos juntos, como se nunca antes tivéssemos tido um pequeno deslize.

Alguns vão dizer: foi uma mera partida contra um adversário em crise. Que desdém, que coisa feia. Foi numa mera partida contra o mesmo Cruzeiro de quem arranquei – à distância, mas com fé – uma vitória improvável que virou outras tantas, que impediu um rebaixamento, que deu um título, que levou à Libertadores, que deu outro título, que me manteve no auge por três anos seguidos. Esse ano parece com aquele, o de 2009. Tem o Palmeiras na frente, tem postulantes inseguros, tem a gente aí. Naquele ano, eu briguei comigo mesmo e quase sucumbi. Comecei este ano da mesma maneira, mas talvez possa aproveitar o tempo que resta e fazer mais um milagre.

Meu caro Levir Culpi, não me subestime. Hoje ouvi você dizer que foi a primeira vez que “sentiu alguma coisa de fora para dentro”. Cá entre nós, isso foi meio mentiroso, não? Já sentistes outras vezes, por exemplo, quando adversário, mas não tivestes a sensibilidade ou a humildade de perceber que a força que incomodava naqueles momentos poderia ser a mesma a apoiar agora. Também fiquei na dúvida se comparecestes em pessoa a Juiz de Fora, para onde, na final da Liga, rumei com milhares dos meus, numa diáspora de pelo menos 15 mil almas que saíram de um estado a outro. Não te lembras? Parece não ter ninguém no meu amor para recordar tudo isso, de sorte que tive de dizer eu mesma, nessas linhas apertadas.

Como diria um dos meus, sou Soberana. Se me sacaneiam, reajo de alguma forma, ou protestando, ou desaparecendo. Mas, em absolutamente todas as vezes que fui minimante cortejada, estive lá e, estando lá, fiz a diferença. Quer me ter ao seu lado? A fórmula é simples: perdendo ou ganhando, mantenha a chama acesa. É ela quem faz a fênix renascer das cinzas.

Saudações tricolores,

Torcida tricolor

NOTA: No fim de semana, morreu assassinado um jovem botafoguense. Ouvi dizer que também um vascaíno foi assassinado, julgado pelo crime capital de andar na rua com a camisa do time de coração. À família dos dois jovens, expresso aqui minha solidariedade irrestrita.

Panorama Tricolor

@Panorama Tri

Imagem:jle