A multa contratual, a negociação dos jogadores e o jabaculê (por Wagner Victer)

Em toda organização pública ou privada, quando se faz uma desincompatibilização de ativo, a alta administração ou um regime colegiado deve aprovar quando não se vende esse ativo por valores registrados contabilmente, ou estabelecidos em algum tipo de contrato.

Essa prática é usual em empresas de capital aberto, devidamente acompanhads pela comissão de valores imobiliários, para que algum acionista majoritário não venha comprometer acionistas minoritários e fazer práticas indevidas, pois aquilo é um ativo da empresa.

Da mesma forma, em fundos de investimentos e especialmente em planos de previdência, a venda de qualquer ativo que não seja pelo valor atuarial requer uma série de aprovações, que são práticas mínimas de compliance, afora as devidas justificativas para todos os cotistas. Ou seja, é possível vender algo tanto por valores abaixo do registrado ou valores registrados atuarialmente desde que, seguindo uma série de procedimentos, colocando avaliações independentes que demonstrem que aquela não é uma prática caracterizada como uma gestão temerária.

Da mesma forma que se estabelece o contrato com um jogador de futebol e quando se dispensa aquele jogador efetivamente, o clube é responsável em saldar todos os salários e encargos até o final do contrato. O objetivo da multa contratual é garantir não só para o atleta como para a administração e seus cotistas e futuras administrações, que a organização está tendo um ativo que deve ser respeitado.

Desta forma, a multa contratual é um ativo que o clube tem como se fosse a garantia para todos os seus cotistas e gestores que ele tem um valor associado àquele atleta, e que logicamente paga por isso quando estabelece um contrato.

É claro que na multa contratual eventualmente pode-se considerar um valor acima do mercado, e a própria venda de um jogador abaixo numa multa contratual pode se transformar em uma oportunidade, ou uma operação financeira necessária para aquela organização não sucumbir. Porém, tudo isso obrigatoriamente tem que ser justificado e dado à devida transparência para aqueles que são cotistas da organização – e nesse caso especialmente não é a torcida, mais sim os sócios da organização, através dos canais que o estatuto de cada organização, nesse caso o clube, deve proceder.

O mais estranho que observamos no futebol, porém de maneira muito forte no Fluminense, é que a multa contratual virou uma espécie de peça de ficção existente na hora de celebrar o contrato. São comercializados jogadores, a maioria deles da base, sem a devida justificativa e colocações públicas das razões que o público se desfez daquele ativo devidamente escriturado, que é a multa contratual, e que devem estar amparados claramente em regras de mercado, necessidades urgentes e aplicações dos recursos em alguma operação específica – e claramente algo que de um light off em todos os passivos que existem em relação aquele atleta, até porque como é um direito em relação ao jogador, este recebe também um benefício quando se vê livre daquela obrigação contratual. Porém, isso não estamos vendo no Fluminense, pois muitas vezes vendemos muito abaixo do valor da multa contratual e depois os mesmos atletas voltam contra o Fluminense após ter esse benefício para buscar outros tipos de passivos, o que demonstra certamente amadorismo ou leniência, ou até eventualmente uma prática também no mínimo a ser investigada.

A mais recente discussão, que é a venda dos atletas KayKy e Metinho, muito abaixo das multas contratuais, em uma negociação obscura que pode lembrar as transações do bêbado equilibrista, não segue os princípios básicos da devida apresentação das razões onde as multas contratuais que se ignoram não são cumpridas, ou efetivos ganhos futuros em negociações que podem ser gatilhos, ou manutenção de percentual em passes que possam compensar a exclusão dessa obrigação.

Não se precisa virar um Clube-Empresa para ter práticas simples de governança. Porém, não apresentar claramente isso à sociedade e aos sócios do clube, que na realidade são cotistas daquele patrimônio, não é o afastamento de regras básicas de gestão mas sim questões que podem sugerir cheiro de jabaculê. Isso é extremamente preocupante, está gerando revolta e, principalmente, indignação da torcida.