Imparcialidade – Deixa os garotos brincar 2 (por Gustavo Coelho)

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Imparcialidade, mundo mudo, estádio único

Quem toma a imparcialidade, então, como meta, o que é notório na subjetividade que funda o espírito de todos os movimentos fascistas, não dá conta de medir a repressão que se faz necessária para erguer esse empreendimento. Repressão que aqui não é somente do tipo físico, policial, mas especialmente de tipo psíquico, libidinal, comportamental, poiético, dado que nesse regime, o Ser também é encurralado nos estreitos limites da falta de espaço de diferenciação deixado pelo esclarecimento neutral, inclusive os próprios fascistas. Daí, sendo breve, que, mesmo prometendo um mundo “melhor”, “mais bonito”, “pleno”, “de acordo”, “sério”, repleto desses selos de convencimento, o plano de instauração de tal mundo sempre vê seus métodos mergulhados na violência, violência do pior tipo, aquela do extermínio, sem trocação, sem jogo. Sendo, então, o fascista, um crente na imparcialidade do mundo, do que diz, e de si, precisa lidar com o peso psíquico que é a auto-vigilância de quem não pode nunca mostrar-se vacilante, Diferente do que diz de si e do mundo, algo não “único”. Tal paranoia na projeção implacável de si e do mundo sob controle, por reflexo, o leva a buscar a compensação desse regime nos prazeres, que de fato existem, da violência descontrolável, última trincheira da impossibilidade da implantação plena de um regime neutro. Toda imparcialidade, neutralidade, é, portanto, um desejo fascista e que, dada a natureza do ser humano como ser de linguagem, portanto bailante no fio da navalha da imprecisão, da Diferença, é em si mesma uma impossibilidade. Em todo caso, tomada como possível e desejada, conduz o Ser a crer-se como um “é” definitivo, um mutismo balbuciante contra-poético, nunca um ente vacilante agitado também por algo da incerteza, da imprecisão, sendo as únicas doses mal reguladas desta sua dimensão que ele pode provar, aquelas experimentadas na violência do extermínio covarde do outro. Tudo o que é imparcial e neutro, é portanto, potencialmente genocida, uma vez que por fim, o mundo que projeta é um mundo sem linguagem, já que nesta, quando a imparcialidade torna-se um possível, e a neutralidade um desejo, ela mesma passa a ser um alvo. Poderia usar esse raciocínio para denunciar a marmotagem do projeto Escola Sem Partido, mas, analogamente, já que estamos numa página que mantém uma relação nada imparcial com o futebol, ou seja, com a vida, podemos também entender os recentes desejos por “jogo com torcida única”, “estádio/arena 100% coberto por assentos”, “proibições às organizadas”, “criminalização dos sinalizadores”, “demonização do rojão”, como ferramentas que se impulsionam por esse mesmo desejo – o do mundo achatado ao único, fascista portanto. Outras relações entre esse desejo pela regulação desproporcional das intensidades e uma inconfessa paranoia pelo controle de si através da projeção do controle do mundo, do estádio, retomaremos na próxima coluna. Sempre assim, advogando pela vida bem fruída.

Panorama Tricolor

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Imagem: guc