Hey, Flu (por Paulo-Roberto Andel)

São quase cinco da manhã. Ligo a TV em vão para distrair a depressão, essa inimiga louca para me levar ao suicídio. Temos brigado há 30 anos. Até aqui, tenho vencido.

Por muitas e muitas vezes o Fluminense foi meu único amigo e meu único motivo para seguir em frente. Quando olho para o lado, quase nada sobrou desde o dia em que meu pai me ensinou a palavra Fluminense, eu gostei e nunca mais a larguei. Eu lembro da noite que isso aconteceu e já faz 52 anos, imaginem. O mais incrível é que todo mundo passou a amar o Flu por causa do escudo ou das cores. Eu, não: gostei da palavra. Parece incrível que tantos anos depois eu tenha me tornado um escritor. A força da palavra faz sentido.

Como qualquer tricolor que está há meio século nessa lida, posso dizer que já vi de tudo, de vitórias apoteóticas a derrotas monumentais. Não sei bem o que dizer do jogo de logo mais. Ao mesmo tempo em que começamos bem e fomos piorando na competição, sabemos da força e da superação do Fluminense em momentos assim. A Inter é melhor, mas isso sozinho não garante nada. Favoritismo só se comprova no jogo.

Seja o que for, será uma segunda-feira histórica. Nós, que fomos surrados em 2024, podemos chegar ao G8 do mundo. Fico pensando nos garotinhos tricolores de 10 ou 12 anos de idade, lembro de quando fui um deles, e penso que sou um deles até hoje, exceto pelas rugas, pelo sofrimento e pelo tempo que escorreu velozmente – cada momento desses é muito importante para mim porque estou mais perto do fim do que do começo. Pelo menos escrevi demais, a ponto de irritar anônimos vascaínos de pouco talento.

O que tiver de ser, será. Tudo bem. A Inter é favorita, o Fluminense tem a vocação da mosca na sopa, tudo pode acontecer. Há um velho e cansado coração tricolor batendo forte numa livraria, esperando clientes, sonhando em pagar dívidas e ter mínima dignidade, enquanto espia o jogo no smartphone e sonha com o Maracanã inesquecível de 1975, 1976, 1980, 1983, 1995… 2023. Nós somos cinema, sabe?

Cinco horas e nove minutos de Brasília. Eu penso em tanta gente agora, tanta. Como fazem falta, dói de pesar o pescoço, ninguém imagina. De tantos, vou lembrar de um ídolo que nem tricolor era, mas que não deixa de ser significativo: Monsieur Limá, grande ícone da música nos anos 1970 e 1980. É dele uma simples e marcante frase que talvez resuma esse inesquecível Fluminense x Internazionale: “O couro come!”.

Na TV, o céu escuro da minha São Paulo, com a marginal cheia de carros. Não há tempo a perder: nós somos Cinema Novo.