O que a gente sabe do Fla-Flu? (por Paulo-Roberto Andel)

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O que você sabe do Fla-Flu?

O que a gente sabe do Fla-Flu?

Grandes gols, decisões históricas, craques, artilheiros, multidões à flor da pele?

Cartolas, cartolagens, abnegação, drama, fúria, traição, medo, alegria?

O maior jogo do mundo, a maior decisão de sempre, a batalha que nunca termina? Bastidores, confidências, insubordinação, casacas viradas? Torcidas organizadas, new kids on the block? Experiências? Decepcões.

Nenhum Fla-Flu é somente ele mesmo, mas vários ao mesmo tempo. Muitos. A maioria, invisíveis.

Os garotos pobres catando latinhas nos arredores do Maracanã, solitários enquanto a turba vibra com os atos teatrais no gramado.

Porteiros de toda a cidade colados nos radinhos de pilha, ainda tão eficientes. Motoristas de ônibus e táxis também. Gente a trabalhar sonhando com os malabarismos da bola. Vendedores de shopping, residentes do Miguel Couto, garçons do Leme. Policiais de plantão numa viatura do Centro à espreita de esfaqueadores. Gente de Cordovil, Paciência, Honório, Anchieta.

Nem todos bons, nem todos maus. O adversário não é inimigo e, muitas vezes, é mais sincero do que o amigo da onça com seus malditos tapinhas nas costas.

Corações desesperados em frente à TV de casa ou de um botequim. Belém, Brasília, Vitória, Curitiba. Friburgo. Campos.

Dos 25 mil em Laranjeiras nos anos 30, Estado Novo, até esse de logo mais, 2015, muita libra já pesou. Aliás, desde bem antes, em sincera homenagem ao Barthô 1912.

Bola na Lagoa, empate consagrador, Flávio, Assis, Renato. Zico, mas nos momentos de folga apenas. E pensar no golaço do Cristóvão em 1979. Edinho de cabeça em 1981. Roni 2009 eliminando o rival pela primeira vez do clássico em disputa internacional.

Duro mesmo é não ter geral. Ruim.

É fácil falar das grandes vitórias. Mas o melhor está nas entrelinhas. Em 1982 eles fizeram gato e sapato na Taça Guanabara, 3 a 0 no primeiro tempo. Rolo compressor. O troco veio no returno, uma partida de pouco público, já sem grande valia. Acréscimos do árbitro, o craque Andrade escorregou, o esforçado Amauri ganhou a bola,  arrancou e fez 1 a 0. Quem também esteve em Assis 1983 pode ter pensado que era coisa de Deus: um raio caindo duas vezes no mesmo lugar.

Rodriguinho, Dirceu, o garoto Alexandre, Nildo, Cacau e muitos outros tiveram tardes e noites de heróis. Eles também: Edmar, Nélio, Jacozinho.

O que você sabe do Fla-Flu?

Dois mendigos com uma pequena bandeira rubro-negra aberta no corredor debaixo do viaduto da avenida Chile, rezando a Deus por um prato de comida.

A bela tricolor de formas generosas e calça provocante caminhando numa rua movimentada do Grajaú.

Garotos com uma bola dente de leite no gramado do Aterro, duas árvores são as traves, contando as moedas para os picolés sem marca, sonhando com o jogão de logo mais recheado de craques, mesmo que eles sejam mais incisivos nas manchetes de jornais do que na vida real.

Quem matava os torcedores na geral a tiros no fim dos anos 70? Diziam que era roubo. Ou a velha ditadura estava de prontidão. 

Um garotinho da quarta série aproveitando a aula de geografia da professora Leda Crema, mapa mundi, para pintar a lápis num papelzinho o escudo das Laranjeiras.

Acima de tudo, o Fla-Flu é um sentimento. A garantia de que os noticiários de amanhã não vão se resumir a mortes, roubos e sujeiras. As camisas que se digladiam para sempre, pelo oxigênio que lhes garante a vida, siameses enrustidos.

Queria que hoje fosse 1979 e meu pai me puxasse pela mão até a estreita roleta que, uma vez ultrapassada, levava ao campo dos sonhos. Uma pena que seja impossível, mas a grande verdade é que o futuro reside na memória.

O que você sabe do Fla-Flu?

Uma história de amores.

Assim seja. Fôrça Flu.

Panorama Tricolor

@PanoramaTri @pauloandel

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