Futebol de antigamente (por Ernesto Xavier)

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O futebol em sua essência envolve elementos que ao longo do tempo foram se perdendo. A profissionalização do esporte mais apaixonante do mundo afasta cada vez mais o torcedor do clube. Antigamente os torcedores faziam parte do dia a dia de seus times do coração. Ir a um jogo de futebol era um evento que começava no bairro, na preparação das famílias para ir ao estádio, no clima de euforia e apreensão antes dos jogos, do movimento nas redondezas, nas brincadeiras entre adversários nas ruas, nos bares cheios e finalmente no jogo.  O romantismo do futebol entrou em extinção a partir do momento em que jogadores viraram celebridades de TV com super salários. Os clubes de bairro faliram e perderam importância, a violência afastou as famílias e os preços inviabilizaram as massas.

Ontem (sábado), vivi um mundo que eu só conhecia através de histórias. Estive em Bangu, no estádio Moça Bonita, para assistir a estreia da segunda divisão do Campeonato Carioca, entre América e Audax. Meu pai, que jogou no clube tijucano no final da década de 70, pelos juvenis, queria ver de perto o seu segundo time, que acabou virando também o meu. Lá fomos nós. Chegamos com a partida iniciada. O entorno do acanhado estádio já mostrava suas peculiaridades: crianças soltando pipa, bares cheios, praça com cachorros para lá e para cá, clima de subúrbio genuíno.

Compramos imediatamente os ingressos (R$ 10), após sermos abordados por um cambista que nos cobrou R$ 15 (até lá eles existem). Entramos no estádio e procuramos um local tranquilo para vermos o jogo. A torcida pequena, mas apaixonada, “apitava” o jogo, cantava, vibrava com a equipe. No campo o que se via era um jogo fraco tecnicamente, mas com disposição, entrega e luta. É emocionante ver a participação direta do torcedor na temperatura do jogo. Foi incrível ver um jogador do América dominar a bola e lentamente avançar para o ataque. A torcida foi à loucura, gritou no ouvido do sujeito, que imediatamente acelerou o passo e partiu em direção ao gol, proporcionando um momento de perigo. Cada jogador ouve claramente tudo que falam dele nas arquibancadas. Xingar um jogador, é xingar MESMO.

América

O empate em 2 a 2 teve todos os ingredientes de uma grande partida. O América saiu na frente com um belo chute de Léo Rocha (olho nele). No segundo tempo, em dois vacilos da defesa americana, o time de São João de Meriti virou. Quando a torcida rubra se irritava e já vaiava alguns jogadores, o lateral esquerdo Enric driblou três marcadores, invadiu a área e tocou na saída do goleiro, empatando o jogo. Golaço. Vibrei.

Assistimos o segundo tempo na tribuna de honra. Sabem como? Simplesmente fomos entrando e ninguém falou nada. Segurança pra quê? Era um grande encontro de amigos, nada de ruim poderia acontecer. Éramos no máximo 400 ali. Dona Ruth, torcedora símbolo do América, trocava algumas palavras conosco e incentivava a equipe o tempo todo. Ex-jogadores conversavam animadamente. Empresários negociavam jovens promessas ao celular. Quem mais viu aqueles 90 minutos de nostalgia? Ninguém. Aqueles momentos ficarão registrados no coração e na memória apenas daqueles apaixonados por futebol que ali estavam. Eu, tricolor convicto, me emocionei com o espírito que vai se perdendo cada vez mais, mesmo assistindo a outro clube. Eu amo futebol. Eu amo o Fluminense. Eu aprendi a gostar muito do América. É um sentimento diferente. Ali temos a sensação de pertencimento.

O juiz apitou. A vitória não veio, mas estávamos satisfeitos. Papai encontrou um roupeiro da sua época de jogador e ambos trocaram algumas lembranças. Eu observava aquelas cenas que para mim eram poesia. No retorno para casa voltamos conversamos animadamente. O futebol, antes de tudo, é um conciliador. Ele une povos, mexe com sentimentos, cria laços. Futebol não é o ópio do povo. Futebol é o próprio povo.

Panorama Tricolor

@PanoramaTri @nestoxavier

Imagens: Ernesto Xavier

#SejasóciodoFlu