Fluminense, minha cura (por Claudia Mendes)

Por algum tempo o futebol foi colocado para a grande massa como o ópio do povo. Droga potente, capaz de desviar pensamentos, sensações e ideologias. Como se dopasse a todos que fizessem uso desse entretenimento. Esse discurso fez parte de uma época em que pouco se podia falar, sentir e pensar. Prazer em alguma coisa? Somente em sonho.

Esse tempo acabou. E o futebol assume vários papéis na sociedade. Para mim, no caso, terapêutico, me dando provas importantes. A principal delas vem do meu time do coração: o Fluminense e tudo o que ele pode me proporcionar e fazer de milagres dentro de mim. Organicamente, o Tricolor me fez renascer para uma vida que estava cheia de fantasmas nos últimos três anos. A prova de fogo aconteceu no Maracanã, em noite mágica contra o Olímpia. Muitos vão saber do que estou falando.

Na pandemia, assim como grande parte da população, fui acometida de medos e inseguranças profundas que se transformaram em crises de pânico e ansiedade. Aos poucos, com muita terapia, essas patologias foram minimizando. Mas não curadas de vez. Era enorme a dificuldade de sair sozinha, mesmo que pelo bairro, de socializar. Enfim, de viver plenamente. Durante esses meses, um tal fantasma possante me fez indefesa. Só que agora descobri que eu sou possante e que domino esse fantasma. O Fluminense me ajudou a derrubar isso.

Pensei por uns dois dias se deveria ir sozinha ao Fluminense x Olímpia. Nesse período de pós-pandemia, tinha ido ao Maracanã duas vezes, de camarote, na companhia de amigos. Agora seria diferente…era a massa, grande público, a chance de ver o Fluminense em grande estilo. Caramba, agora não tinha jeito. Foi feito um desafio interno. Eu iria enfrentá-lo.

Vou conseguir? E o barulho? E o tumulto? Sim, isso tudo me assustava. Porque nas crises, até os burburinhos nos supermercados e nos shoppings me atormentavam. Tive medo de chegar ao estádio e ter de voltar dali mesmo, não segurar a onda. Mas era o Fluminense, brigando por uma vaga na semifinal da Libertadores.

Somente eu sabia dessa missão e tudo bem se não conseguisse. Chegou o carro de aplicativo para me levar. De Vila Isabel ao Maracanã, 40 minutos. Caramba 2. Ruas fechadas, a entrada era pelo Belini. Respirei fundo e fui soltando o ar bem devagar, como a terapeuta me ensinou. E a tal “rua de fogo” me fez a recepção. Fogos, cervejas para o alto, gente indo e voltando, chuva. Pronto, estava bem pertinho!

Caramba 3: Cheguei! Quando passei na catraca as pernas tremeram. Foi como se estivesse debutando no Maracanã. Só então que me dei conta de que meus fantasmas ficaram do lado de fora. Passei do portal imaginário, para o portal da emoção.

Molhada que nem um pinto, de chuva e suor, escolhi meu lugar. Aos pouquinhos a galera foi chegando e lotando. Cantei as músicas, como se fosse a primeira vez e senti um orgulho profundo de mim mesma. Quando os times entraram em campo e participei do mosaico, ficou explícita a minha vitória pessoal e íntima. Vontade de chorar de emoção. Olhei para os lados, era uma comoção coletiva. Muitos chorando. Não era um mosaico qualquer. O Maracanã era um mosaico único, inteirinho preparado para a grande noite e nossos guerreiros.

Durante a partida, nos dois gols, em cada grito abafado e com a torcida jogando junto foi me tomando um sentimento gigante de empoderamento. Eu era a dona dos meus sentimentos e nada mais poderia me deter. Comemorei a vitória do Flu e minha vitória pessoal. Voltei pra casa andando, não peguei o carro de aplicativo, queria curtir aquela redenção só minha. Lembrei das pessoas que dizem que sou doente pelo tricolor. Se existe essa doença, o Fluminense é cura. Tenho essa certeza.