Eu não preciso de você (por Pedro Machado)

sempre

Nossa história de hoje aconteceu há muito tempo, numa galáxia muito, muito distante. Qualquer semelhança é mera coincidência.

Dona Nancy era uma artista plástica em plena decadência. Viveu seus momentos de fama e sucesso nas décadas passadas, quando então era casada com o milionário João de Deus. Herdeiro de uma fortuna da família, João – que nunca deixou faltar nada dentro de casa – era o principal apoiador e patrocinador de Nancy em suas exposições. Nossa personagem constantemente era premiada nacional e até internacionalmente pelos seus belos trabalhos.

As coisas já não iam tão bem financeiramente quando João veio a falecer. Além de não deixar nenhum centavo, deixou milhões em dívidas para a pobre viúva. Sem saída e sem dinheiro, Dona Nancy se viu obrigada a fazer suas exposições nas galerias mais chechelentas do País, muitas vezes em troca apenas de um prato de comida. Tinha chegado ao fundo do poço.

Certo dia, num destes encontros e desencontros da vida, Dona Nancy conheceu Celsinho.  Empresário muito promissor e dono de uma ganância que não cabia nele. Trocaram então telefone, depois telefonaram e decidiram se encontrar* (momento Renato Russo).

Alguns meses depois, Celsinho veio com uma proposta mais que indecente. Dizia ele: “Nancy meu amor, já nós conhecemos há algum tempo e quero te pedir uma coisa. Casa comigo?” A viúva nem teve tempo de respirar e Celsinho já emendou: “Pense bem, posso te dar tudo que você precisa. Com meu dinheiro, você vai poder voltar a fazer suas exposições nas melhores galerias do país, e quem sabe até do mundo!” Como não tinha nada a perder, Dona Nancy aceitou a proposta.

Nos primeiros meses, o casamento era só alegria. Não tinham tanto dinheiro assim, mas viviam felizes com que tinham. Aos poucos foram crescendo juntos, como fazem os casais de sucesso. Dona Nancy voltava a expor em galerias mais renomadas e Celsinho ia enriquecendo.

Com o passar do tempo, o relacionamento foi se desgastando como em muitos casamentos. Celsinho, bipolar ao extremo, com certa frequencia chegava bêbado em casa com marcas de batom no pescoço. Não foram poucas vezes, que Dona Nancy chegou até a apanhar. Em outros dias, chegava cedo com flores fazendo juras de amor. O relacionamento conturbado era o principal assunto das 3 vizinhas invejosas, Dona Mulamba, Dona Manuela e Dona Pequena. Diziam elas: “Um casamento só por dinheiro, só por interesse, nunca vai dar certo!

Como voltou a fazer sucesso, ganhando premiações que há muito não ganhava, Dona Nancy foi agüentando a situação. Pensava ela: “Se eu largar o Celsinho, estou perdida! Sem o seu dinheiro e o seu apoio, eu não tenho nem o que comer”.

Acontece que quanto mais Dona Nancy aparecia na mídia e era premiada, mais Celsinho enriquecia, chegando a se tornar um dos homens mais ricos do País.  O Sucesso lhe subiu a cabeça. Tornou-se uma pessoa insuportável!

Era louco, tinha surtos extremos! Vendia e comprava os móveis da casa ao seu bel prazer, sem se preocupar se aquilo seria útil para o lar. Uma vez, vendeu a máquina de lavar e comprou mais uma geladeira só para guardar cervejas. “Você agora vai para o tanque, lavar todas as roupas da casa na mão! O importante nesta vida são as minhas cervejas.”

A situação se tornou insuportável. Depois de muito pensar, Dona Nancy tomou uma decisão: Pedir o divórcio. Decidiu começar uma nova vida, começar do zero. Como era dona de um talento enorme, poderia até passar certa dificuldade nos primeiros anos, mas tinha certeza que com muito esforço iria se reerguer. Decidiu ser livre, ser feliz.

Certa noite, após chegar mais uma vez bêbado em casa, Celsinho não encontrou sua esposa. Procurou pela casa toda e nada. Olhou em baixo do travesseiro e encontrou em CD com seu nome. Apressou-se a ligar o rádio para saber o conteúdo. Ouviu-se este velho forró:

“Eu não preciso de você

O mundo é grande o destino me espera,

Não é você quem vai me dar na primavera
As flores lindas que sonhei no meu verão
Eu não preciso de você

Já fiz de tudo pra mudar meu endereço
Já revirei a minha vida pelo avesso
Juro por Deus não encontrei você mais não

Cartas na mesa, o jogador conhece o jogo pela regra

Nem sabe tu que eu já tirei leite de pedra,
Só pra te ver sorrir pra eu não chorar.

Você foi longe

Me machucando e provocou a minha ira,

Só que eu nasci entre o velã e a macambira

Quem é você pra derramar meu munguzá

Eu me criei
Ouvindo o toque do martelo na poeira
Ninguém melhor que Mestre Osvaldo na madeira

Com sua arte criou muito mais de dez

Eu me criei
Matando a fome com Tareco e Mariola

Cantando os versos dedilhados na viola,
Por entre os becos do meu velho vassoural.”

Panorama Tricolor

@PanoramaTri

Imagem: regianicarvalho, sobre Legião Urbana