Dúvidas e dívidas (por Walace Cestari)

MARACANÃ TRICOLOR

Somos também responsáveis<

O Maraca é nosso! Será mesmo? Ando com a pulga atrás da orelha com nossa nova-velha casa. Não acho que tenhamos negociado de forma a ganhar com o resultado do contrato, mas sim que tivemos a postura de não perder. Isso incomoda, mas é uma visão que há muito nos assola. Preocupante.

Todos sabem do ufanismo que expresso em minhas frases. Faço porque somos mesmo a História (com letra maiúscula), temos o pioneirismo em nosso sangue e já fomos o modelo de organização para o mundo inteiro. Sempre fomos gigantes, enormes. Aos poucos, nosso pensamento foi apequenando-se, aceitando as imposições da mídia, criando uma verdade incômoda, que hoje parece ter virado cultura.

Saímos das nossas pautas positivas. Hoje, não perder é mais importante do que se arriscar a ganhar. E essa postura política que permeia os corredores da Eterna Laranjeiras, encontra eco no campo, onde o time parece adotar igual filosofia.

Dívidas impagáveis e más gestões levaram o Fluminense ao fundo do poço. Retirá-lo de lá foi tarefa árdua, esportivamente; mas ainda incompleta, em termos de organização. Por isso tenho dúvidas sobre a forma como negociamos no caso do Maracanã. Não tenho a menor vergonha em admitir: não sei se foi bom. Preciso ser convencido de que essa foi a melhor saída para o Flu. Daí meu texto esquizofrênico que lança perguntas e pouquíssimas certezas.

Faltou ambição? Pela grandeza da história do clube, sim. Pelo que vivemos hoje, não. Ora, o Fluminense pagou para jogar os 19 jogos do Campeonato Carioca. Sim, todos eles! Nossa solução é admitir que esse é um prejuízo de sempre e que é melhor evitá-lo. A grandeza nos levaria a questionar o Carioquinha como ele é e fazê-lo acabar ou transformá-lo em rentável. Isso significa ter coragem para peitar a federação. Não me parece que a causa-raiz tenha sido nem sequer levantada nesse caso.

Já no Brasileirão, dois dos cinco menores públicos foram nossos, com igual impacto nas cinco menores receitas. Em 2012, campeões, tivemos média de público de pouco mais de oito mil torcedores por jogo, com ocupação de 23%. Em 2010, nossa média ficou em quase 23 mil. Em 2009, com Maracanã, alcançamos pouco mais de vinte mil. E aí? Temos um campeonato organizado, forte, competitivo, em que fomos campeões por duas vezes em três anos. Mesmo assim, não temos números expressivos. A diretoria acerta, então, ao cercar-se de cuidados. Dá-lhe esquizofrenia. Culpa da tricolebagem.

Nossa torcida só comparece em momentos especiais, precisa estar muito motivada para isso. Há, na média, os mesmos vinte mil de sempre. Desde que seja no Maracanã. Fora, mas na cidade, são dez mil. Em outra cidade, talvez cinco. Isso significa que não há grande poder de barganha ao negociar. Temos direito à renda de 43.000 lugares, mas ocupamos, na média – quando motivados – a metade disso. Faz sentido, portanto, pensar em não perder dinheiro, antes de buscar maior ousadia sem que haja um movimento real de torcida por trás que garanta expectativas maiores.

Acho que o problema é pensar que essa situação é nossa realidade e que, no futuro, também será. Falta ousadia no planejamento, nas soluções para mudar essa cultura da torcida tricolor em menos de 35 anos. O longo tempo de contrato revela que não imaginamos algo diferente no futuro. Isso, sem dúvidas, é conformar-se com um lugar que a história não destinou a nós.

Creio que ter um espaço próprio no Maracanã é algo positivo. Mas será uma “sala de atendimento ao torcedor” ou um espaço de ações de marketing e comércio exclusivo do Flu? Colar a imagem do Tricolor com um dos estádios mais tradicionais do mundo é bola dentro. Mas, não receber um centavo sequer de tudo que nele for comercializado nos dias de jogos do clube, parece-me ter sido um equívoco. Alguma parcela da movimentação das lojas deveria vir para o clube, afinal, é nossa torcida que consumirá os caríssimos produtos postos à venda.

Quero crer que a ganância não fará com que os ingressos sofram majoração “padrão Fifa”, o que afastaria ainda mais a torcida do estádio. Queria acreditar que as coisas seriam diferentes, mas não vejo tantos caminhos. O estádio foi reformado e lá se vai tudo de novo, dividir as torcidas pelos lados de uma arquibancada que nem permite mais isso. Sempre achei que a segregação favorece a violência, mas parece, pelas palavras de todos na apresentação do contrato, que só os frequentadores da ala vip têm a educação necessária para não matar o ser humano que estará sentado a seu lado.

Há ainda a expectativa de que o consórcio pague praticamente a metade do Centro de Treinamentos que o Flu pretende construir na Barra da Tijuca. Esse, indubitavelmente, um acerto. Boa contrapartida, mas que funciona como uma espécie de “luvas”. Depois do investimento inicial, nada mais. Esquizofrenia à parte, este é um ponto positivo.

Tomara que os rumos que hoje o Fluminense escolhe, reduzindo dívidas, evitando prejuízos, criando infraestrutura, investindo na base, agindo para melhorar seu marketing e aproximando a torcida do clube – fazendo dela uma fonte de renda –, sejam suficientes para nos tirar, até o final desta década, desse incômodo fundo do poço gerencial em que estamos. Daí, poderemos olhar para trás e ver essa negociação de hoje como um mal necessário e, quem sabe, discutir melhores bases para o próximo quartel de século.

E que, no campo, jamais deixemos de pensar grande. Voltaremos sim à nossa casa, ao palco de grandes conquistas. Novo em folha e totalmente remodelado. Que os ares da modernização atinjam Abel, que a vontade volte a sair pelos poros dos nossos “adormecidos” guerreiros. Que o Maraca seja palco de nossas alegrias, conquistas e divisas. Para começar, vamos comemorar nosso aniversário no play onde somos conhecidos como campeões. Mais que nunca, tricolores, espero vocês lá. Agora é com a gente também.

Walace Cestari

Panorama Tricolor

@PanoramaTri

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