Dois minutos de Twitter e Conca (por Paulo-Roberto Andel)

A cada dois meses, eu vou na minha conta de microblog Twitter, basicamente por medidas protocolares: compartilhar conteúdos do PANORAMA ou divulgar alguma produção minha de literatura fora do futebol. Desisti de lá há anos, desde que os picaretas em busca de cargo no clube lutavam contra os picaretas que pretendiam manter seus cargos. Em pouco tempo, conheci tantos que o processo me inspirou a escrever um livro sobre o FDP brasileiro médio, baixado aos milhares mas ainda à espera da edição física.

Nesta segunda, fiz minha visita e gastei mais do que o habitual minuto por lá. Dois retuítes em bons comentários de amigos. Em seguida, aí fiz a besteira de gastar outro minuto lendo coisas por lá. Foi o que bastou.

Quanta besteira!

Quanta falta de respeito!

Quanta falta de senso crítico!

Quanta bosta!

O assunto da noite era saber se Conca presta ou é ídolo ou não é nada. Algo tão estúpido quanto querer editar a história e apagar as realizações de Celso Barros – a quem sempre respeitei e também critiquei – ou fingir que Roberto Horcades – a quem sempre respeitei e critiquei demais – não foi o presidente no tricampeonato brasileiro, onde estive presente ao lado de tanta gente anônima e famosa, todos emocionados com uma tarde inesquecível.

Não bastasse torcer pela conquista do campeonato brasileiro depois de 26 anos, eu ainda tinha um título pessoal a batalhar: se o Fluminense fosse campeão, eu mandaria no dia seguinte a última crônica de um trabalho de dois anos e finalmente me tornaria um escritor publicado por uma editora de ponta, um sonho perseguido há mais de dez anos.

Deu no que deu: gol sofrido, muito choro na arquibancada e a mesma sensação de adolescente em frente a um sonhado título. Ainda deu para entrevistar a maravilhosa Letícia Spiller na arquibancada quase deserta, até que uma garotada gritou “Babaluuuu!”, ela foi cercada e atendeu a todos com simpatia ímpar. A noite seria longa: cheguei em casa às duas da manhã depois de um super temporal, dois celulares estragados e a vontade de escrever tudo logo.

O Fluminense foi campeão porque tinha chegado a hora. Era tão certo que a dupla de ataque, Fred e Washington, só marcou UM gol nos dez jogos finais. E quem podia prescindir dos gols dos dois, é porque estava preparado para tudo. Uma conquista com a cara de Muricy, com muitos jogos amarrados, muitos 1 a 0, enfim. Garra, luta, sofrimento e vitória. E Conca.

O argentino jogou todas as partidas do Brasileiro, várias delas com o joelho machucado. Esbanjou talento e garra a ponto de ser comparado a Romerito, a melhor síntese daquelas duas qualidades desde Edinho, que foi o maior de todos. Humilde, Romerito disse mais de uma vez que Conca jogou muito mais do que ele. E eu, que vi os dois jogando, afirmo: o paraguaio jogou muito mais do que o argentino, só que este foi um monstro supremo em 2010, o que dá a ideia do que se via em 1984.

Conca já tinha sido decisivo na incrível luta contra o rebaixamento em 2009. Neste ano, ele ajudou a salvar o Fluminense de uma tragédia. Depois, conquistou um título maravilhoso, foi o protagonista do Fluminense e o melhor jogador do Brasileirão, algo muito raro para jogadores estrangeiros.

Foi embora, voltou com a mesma garra, ficou pouco tempo e sua derrota foi ter perdido a vaga para a Libertadores em 2014. Muitos não se lembram mas, apesar dos problemas, foi a melhor campanha do Fluminense desde 2012. Estamos a caminho do fim de 2020.

Não me interessa aqui fazer nada além de reconhecer o que aconteceu no campo. E só. Estamos falando de seres humanos, que erram, que vacilam. Cada um escolhe seu ídolo, é uma questão pessoal. Agora, o que não dá é para rasgar os fatos ou editá-los. Quanto aos erros, atire a primeira pedra quem nunca os cometeu. Alguém vai me dizer que um ídolo não erra? Me perdoem, mas outro dia desses Fred vestiu a camisa do Atlético dentro das Laranjeiras quando saiu (e saiu de forma inadequada, em mais uma das barbaridades da direção tricolor na década de 10). Está de volta, louvado e decantado. O próprio Coração Valente deu uma banana para o Fluminense em 2009 e voltou para ser campeão.

Não conheço Conca pessoalmente, só o vi de perto duas vezes, não sou seu procurador, não sei como agia com os próximos. Confio na palavra de pessoas extremamente competentes do ambiente tricolor, tais como Michel Simoni. E o que vi de perto foi um dos jogadores que mais honraram a camisa do Fluminense nestes 45 anos que tenho acompanhado meu time. Os fatos falam por si.

Por fim, tenho certeza de que a maior derrota da história do Fluminense não está em nenhuma perda de título ou rebaixamento. Quase todos os grandes clubes do mundo já passaram por isso. Agora, se tem algo que infelizmente morreu é o conceito de que o torcedor tricolor necessariamente pertence à elite intelectual, dotada de apurado senso crítico. Já era. Acabou. Lógico que não se trata de uma generalização, mas de uma constatação a respeito de parte da torcida.

Há quase uma década, um contingente expressivo de tricolores é, mesmo que inconscientemente, massa de manobra de picocelebridades digitais deslumbradas, veículos de mídia com audiência comprada, militantes de candidatos travestidos de analistas até alguma trairagem transformá-los em ferrenhos opositores, sites chapa branca e fake news. Em suma, uma curriola que lucra de alguma forma com isso, financeiramente ou não. E no fim, o único derrotado com toda essa pantomima é o próprio Fluminense, refém de escrotidão e prejuízos dos mais variados. É um fenômeno de anos, que interveio até no jeito de torcer, de apoiar e principalmente de não agregar, não refletir, não questionar.

É a falta de senso crítico que faz com que muitos torcedores não percebam, ao longo dos tempos, a quantidade de jogadores que roda rapidamente pelo Fluminense, sem qualquer retorno esportivo. Ou o sistema de rifar revelações da base por uma ninharia, pagando então salários de veteranos contratados.

Há muita coisa a ser feita nas Laranjeiras, mas o primeiro passo para que o Flu tenha o tamanho que a torcida deseja é, fundamentalmente, recuperar o senso crítico e parar de trocar a história pelo empirismo. Isso não deu certo em lugar nenhum do mundo, não está dando certo no Brasil e não vai dar em Álvaro Chaves.

Torcida não é claque política.

Panorama Tricolor

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