A beleza desperdiçada de Laranjeiras (por Paulo-Roberto Andel)

Hoje tem Fla x Flu. Clássico imortal, independentemente das circunstâncias. Mas, sinceramente, deixo o pré para a turma logo mais. A maneira como o Fluminense é conduzido já me deu nojo; hoje, dá é desgosto. Vou torcer como sempre e esperar por uma migalha, uma esmola de alegria, enquanto começamos a temporada sem nenhuma perspectiva à altura da grandeza do clube.

Na segunda-feira passada teve o Fla x Flu dos garotos. Ganhamos no tempo normal, fomos ridículos nos pênaltis, paciência. Queria dizer que uma coisa foi muito bonita: jogo nas Laranjeiras. Revi lances da partida só para ver os enquadramentos e me lembrar de como é legal assistir uma partida ali. A casa do Fluminense, a casa da Seleção Brasileira e berço natal de cinco Copas do Mundo, mais um Mundial de Clubes. Só.

Lembrei de quando era um garoto e de quando me tornei estudante universitário. Quantas vezes meu pai me puxou pelas mãos para ver os treinos em Laranjeiras, que ele frequentou tão bem em fins dos anos 1950 e toda a década de 1960? Depois, nos 1980, com a volta dos jogos, estar em Laranjeiras era uma festa constante. Quando eu passava de ônibus na Pinheiro Machado, indo e vindo da UERJ, olhar o escudo do Fluminense na lateral da arquibancada superior era sempre uma emoção. O coração batia mais forte, só de ver.

O que leva os poderes do clube e seus puxa-sacos a desprezar o Estádio das Laranjeiras? Ignorância? Ruindade? A arrogância oca sonhando com uma arena que não sai do papel há meio século, enquanto o clube planeja se reforçar em 2021 com cinco milhões de reais? Nada disso faz sentido para quem realmente ama o Fluminense.

Nesta segunda-feira publiquei minha coluna no Museu da Pelada sobre o que se esconde hoje debaixo do Shopping Boulevard, em Vila Isabel (ou, na verdade, Andaraí). Pouca gente sabe, não há uma única informação a respeito no local. E ainda que os cenários legais e jurídicos sejam bem diferentes, ao ver o texto publicado tive uma sensação medonha sobre o futuro tricolor.

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O Fluminense não aguenta mais tanto desamor de quem lhe fez falsas promessas. Contudo, mesmo a caminho de completar uma outra década perdida, o Flu resiste de alguma forma. Resta saber até quanto, abanado por orçamentos humorísticos e quase dez anos de mediocridade a céu aberto.

Apesar de toda a minha tristeza nesta quarta-feira, haverá um Fla x Flu. E quando começar o clássico que nunca termina, minha torcida vai ser a de sempre. Eu já torci para Zanata, Dico Maradona, Eduardo Ratinho e Marcelinho das Arábias, então vou torcer como sempre logo mais. O problema é que a idade pesa e, com ela, vêm as reflexões, constatações e o testemunho da história. É duro demais ver o Fluminense como um figurante, um coadjuvante, cuja maior tarefa é fazer uma molecagem contra o grande rival, em vez de disputar o título brasileiro.

Torcer para um clube de futebol é um dos gestos mais bonitos que uma pessoa pode ter. É um amor que desafia qualquer coisa, inclusive a lógica. O problema é quando a gente percebe que o nosso amor não tem mais força para brigar com os fatos e a realidade medíocre. No entanto, só posso esperar que o Fluminense faça logo mais a sua melhor partida dos últimos anos, que atropele o rival e que nos dê uma noite maravilhosa de quarta-feira, daquelas de dar orgulho em passar pela Pinheiro Machado e constatar que aquele velho escudo, tempo após tempo, permanece cravado no concreto branco que o abraça como se fosse uma nuvem de pó de arroz.

Marcos Carneiro de Mendonça, Welfare, Brant, Tim, Preguinho, Romeu, Castilho, Pinheiro, Waldo, Telê, Didi, Escurinho, Denílson, Samarone, Lula, Flávio, Félix, Galhardo, Rivellino, Dirceu, Paulo Cezar Lima, Carlos Alberto Torres, Edinho, Cleber, Pintinho, Gil, Doval, Zezé, Cláudio Adão, Mário, Deley, Assis, Washington, Romerito, Ricardo, Ézio, Bobô, Renato, Torres, Válber, Renato Gaúcho… É gente demais e é nada ao se saber que a lista poderia ter dez vezes mais jogadores. Mais de um século de história.

Que o verdadeiro espírito do Estádio das Laranjeiras leve o Fluminense a uma vitória inesquecível neste Fla-Flu, digna de um verdadeiro protagonista e não de um locador de camisas. Somos muito mais do que isso ou, pelo menos, deveríamos ser.