Ary Barroso, ex-Fluminense (por GET)

Domingo, três e meia da tarde, 07 de abril de 1929. Laranjeiras. Palco de Fluminense x Andarahy, estreia na competição. O visitante, acostumado a causar surpresas nas equipes grandes do football carioca, deu uma chinelada no Tricolor, vencendo o jogo por 3 a 1.

No intervalo da partida, um inveterado torcedor e sócio do Fluminense se descabelava com o revés. Perto dele, um dirigente sugeriu que tocasse um pouco de piano, ali disponível perto das sociais, para se se acalmasse e entretesse outros tricolores. Tomou um safanão merecido: “Eu não vim aqui tocar piano coisa nenhuma, mas sim torcer pelo Fluminense e ele está perdendo”. Deu tumulto, merderê e o exasperado torcedor foi embora para nunca mais voltar à arquibancada tricolor. O episódio repercutiria em acontecimentos decisivos para o futebol brasileiro e mundial, mas o torcedor de alguma forma carregaria o Fluminense para sempre.

Nascido em 1903, Ary Barroso foi um dos maiores compositores brasileiros de todos os tempos, mas foi além disso. Magoado com o Flu, teve breves passagens sentimentais por Botafogo e America até se apaixonar pelo Flamengo. Como radialista nacionalmente ouvido, foi o patrono da Flapress: vibrava loucamente com o Flamengo em suas próprias narrações, enaltecia jogadores, cunhava bordões e levava os adversários à loucura. Contudo, o velho amor, então renegado, sempre surgia como uma sombra. Um exemplo típico é o Fluminense 1936-1941 que, para muitos, é o maior time da história do clube, ganhando cinco títulos, formando a base da Seleção Brasileira em sua primeira grande colocação – o terceiro lugar na Copa de 1938 -, e, claro, impondo grandes derrotas ao rival recém-pousado na Gávea. Mesmo assim, foi Ary quem criou a figura do repórter de campo e o inventor da expressão “bicicleta” que consagrou o craque Leônidas da Silva (tricolor de coração por sinal).

Nos anos 1940, já como político no Distrito Federal, Ary Barroso liderou um movimento decisivo para a história do futebol brasileiro: o da construção do Maracanã no terreno do antigo Derby Club. Seu principal adversário na Câmara foi Carlos Lacerda – os dois foram os vereadores mais votados de então – e travaram intensa luta verbal – Lacerda queria o novo estádio em Jacarepaguá. Depois de debates colossais, venceu Ary e o Maracanã ficou em seu berço esplêndido. Imagine se, depois da derrota de 1950, estivesse em Jacarepaguá? Provavelmente o futebol carioca teria quase desaparecido.

Ícone do radialismo esportivo, Ary Barroso narrou pela última vez na final da Copa entre Brasil e Uruguai. Encerrou a carreira com a vitória celeste. E aí surge o Fluminense novamente: campeão carioca de 1951 e mundial de 1952, o Flu deu ânimo ao cenário do futebol, recobrando a alegria das arquibancadas cinzentas. Poucos anos depois, o futebol brasileiro se consagraria definitivamente no Mundial da Suécia. Antes disso, o Flamengo tricampeão carioca em 1953/54/55 também convocaria as multidões. E é aqui que, mais uma vez, o Fluminense entrou no caminho de Ary Barroso de forma divertida.

Certo de que seu novo time ganharia um Fla x Flu em setembro de 1955, o então consagradíasimo Ary apostou seu próprio bigode contra o grande compositor – e tricolor – Haroldo Barbosa, que também empenhou seu bigode. Deu Fluminense com gols de Valdo e Escurinho. No dia seguinte, Ary deveria pagar a aposta na lendária Casa Villarino, mas não queria honrar o empenho porque teria um show na semana seguinte e não queria se apresentar sem bigode. Resultado: se escondeu por algumas horas na casa das irmãs Lindinha e Dirce Batista, mas foi descoberto. Apelou até para o argumento de que desagradaria sua mulher tirando o bigode, mas ela desmentiu o fato por telefone e então não houve jeito. O Flamengo acabaria campeão naquele ano, mas o Fluminense aprontou – involuntariamente – uma tremenda peça para seu ex-torcedor.

O sorridente Haroldo Barbosa e a gozação contra Ary Barroso: vitória tricolor.

Em seu famoso programa de calouros, o apresentador Ary sempre contava com um funcionário encarregado de gongar os candidatos desafinados ou fora do tom da música. E por algum tempo o programa ganhou um Fla x Flu particular: se Barroso carregava o Flamengo no peito, o Fluminense era defendido por um jovenzinho negro, tricolor apaixonado e de nome Temístocles. Anos depois, já com Ary Barroso falecido em 1964 (ano em que o Fluminense foi campeão), o rapaz do gongo fez história na televisão, no humor, nas arquibancadas do Fluminense e no futebol de praia: Temístocles se tornou Tião Macalé, famoso coadjuvante dos Trapalhões e autor de bordões inesquecíveis como “Tchan”, “nojento” e “ah, crioula difícil!” (em muitas cenas com sua parceira Marina Miranda).

FLUMINENSE 1 x 3 ANDARAHY
07/04/1929

Rua Guanabara
Juiz: Luiz Neves do Flamengo
Gols:Popó, Alfredo, Victorio, primeiro tempo, Bianco (pênalti)

FLUMINENSE: Velloso; Albino e Py; Nascimento, Fernando e Fortes; Ripper, Lagarto e Alfredo, De Mori e Bouças (Gui)

ANDARAHY: Martins; Juvenal e Jeronymo; Ferro, láPedro e Bethuel; Victorio, Popó, Ramiro, Bianco e Cid

FLUMINENSE 2 x 1 FLAMENGO
11/09/1955

Local: Maracanã
Juiz: Charles Williams
Renda: Cr$ 1.250.696,50
Público: 75.119
Gols: Escurinho e Valdo; Evaristo

FLUMINENSE: Veludo, Lafaiete e Pinheiro; Vitor, Clóvis e Bassu; Telê, Didi, Valdo, Átis e Escurinho.

FLAMENGO: Garcia, Jouber e Pavão; Jadir, Dequinha e Jordan; Joel, Paulinho, Evaristo, Dida e Zagallo.

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GET – Grupo de Estudos Tricolores. Colaboração de Rafael Bosisio e Paulo-Roberto Andel