Viva a classificação, abaixo a alienação! (por Paulo-Roberto Andel)

Num momento como esse, é preciso ter cuidado para as palavras não soarem amargas além do ponto. Afinal, o Fluminense acabou de conseguir uma tremenda façanha: com um planejamento esdrúxulo, contratações sofríveis e fracassos retumbantes na Copa do Brasil e na Sul-americana, nosso time conseguiu garantir uma vaga na Libertadores, hoje bem mais elástica do que em outros tempos, colocando quase a metade dos times da Série A na competição.

E o Flu pode entrar diretamente na fase de grupos, o que seria uma tremenda vitória.

Isso tem a ver com gestão? Quase nada. E nem seria a primeira vez, longe disso. O Flu de 1988, sequestrado por Fábio Egypto, quase chegou à final do Brasileiro. O modesto time de 1991 precisava ganhar cinco jogos seguidos para ir às semifinais do Brasileirão – e conseguiu. Não foi à final devido ao regulamento ridículo, jogando uma segunda partida já eliminado na primeira. Em 1995 o Fluminense era uma zona, devia ao mundo inteiro e chegamos lá.

Dia desses mesmo, com o desastre chamado Peter Siemsen, ganhamos um Brasileiro e quase outro. Ganhamos até a Primeira Liga. Como se vê, dirigente ruim nem sempre atrapalha campanha boa.

Recordando isso, é preciso ter em mente que o Fluminense do gramado está num dial, enquanto o stablishment do clube está em outro.

Eu não ia falar nada disso hoje. Queria dizer mesmo é que causa espanto saber que Marcos Felipe foi reserva de outros goleiros no Fluminense. Dizer que, embora Egídio esteja temporariamente bem, tem uma carreira marcada por entregar a paçoca para o adversário – foi assim no Flamengo, Palmeiras e Cruzeiro – e que, por isso, eu não confio. Torço, aplaudo o momento e mantenho todas as minhas críticas. E queria falar que, apesar de achar que Marcão ainda precisa de muita coisa, ele deu uma ajustada na defesa – que quase não toma gols.

Mas tudo mudou horas atrás, quando soube que Matheus Alessandro é o trigésimo ou quadragésimo jogador a acionar o Fluminense na Justiça Trabalhista. Por que?

Simples: o Fluminense do gramado e da tabela de classificação é um; o outro, de Gotham City, da penumbra nas ruas, é outro.

Esse da penumbra quer fazer o torcedor acreditar que está tudo bem porque a campanha é boa. E tem de tudo: tropa de choque para enaltecer a gestão do clube, guardiões nas redes sociais, bonecos que plantam textos ufanistas por encomenda e, agora, segundo muitas vozes, um ex-militante do ex-candidato eleito que supostamente virou (ou não) advogado do jogador que subitamente aciona o clube. Mesmo que nada disso seja verdade, o que é improvável, é fato que há muito tempo a ética passa longe do Flu Corporativo.

Excesso de coincidências.

É de se imaginar que um clube empobrecido e endividado como o Fluminense use a exploração de sua monocultura: negociar (barato) revelações na base para equilibrar as contas. O problema é que esse equilíbrio é impossível se as mesmas contas aumentam pela contratação de veteranos (caros) ou de “reforços” dos empresários de fé – taí o Felippe Uruboso que não nos deixa mentir.

O equilíbrio é impossível se o discurso do pagamento de salários se choca com uma tonelada de ações trabalhistas – não apenas as do passado.

Fora das quatro linhas, o que existe é a ENORME IMPRESSÃO de um teatro de gosto bastante duvidoso sobre o cotidiano do clube, para não dizer uma farsa parecida com aquela dos tempos de Seu Peter, que dizia ter uma “gestão exemplar” com tudo pago e equacionado, para depois todos sabermos o que aconteceu.

Não adianta coletivas intermináveis, notas em tom professoral que nada esclarecem ou “exclusivas” no blog de estimação, ou ainda no programa de TV do parceiro. A cada dia que passa, mais tricolores começam a questionar o modus operandi tricolor, focado na rifa de jovens sem retorno esportivo e financeiro adequados – os que ficam, depois saem e tchannnnnn: processam o clube por salários e complementos não quitados, quando a panfletagem dos guardiões diz justamente o contrário.

Não adianta a conversa fiada de apontar tricolores que “amam o clube acima de tudo”. Faz isso quem não se locupleta do Fluminense, seja por não ter salários astronômicos sem justificativa, seja por não ter outros benefícios desconhecidos, embora muito cochichados.

O Fluminense que a gente precisa torcer tem dois jogos muito importantes. Vamos com tudo. Já o Fluminense que a gente precisa desinfectar está muito, muito mal. Mal e tratando os torcedores como imbecis, como se fossem incapazes de perceber que a sucessão de acontecimentos estranhos é permanente.

Vamos torcer e acreditar no time, mas isso não quer dizer que a gente precise receber diploma de otário com tanta estranheza bem diante do nosso nariz. Viva a classificação, abaixo a alienação!

E, para os que acreditam que a torcida do Fluminense é toda feita de otários, fica uma velha máxima: quanto maior a altura, maior o tombo.