ALE2014 (por Marcelo Vivone)

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Essa é placa do bólido que passou por cima do Mineirão na última terça-feira.

A derrota, pelo menos de minha parte, era esperada. Não uma certeza, mas esperada. E não estou escrevendo isso depois do acontecido. Fi-lo há alguns dias, quando afirmei que minha seleção favorita para a conquista da Copa era a alemã. Mas, evidentemente, nem o alemão mais otimista pensaria num placar de 7×1.

É inegável que o time, ou melhor, o elenco da seleção alemã é o melhor da Copa. E mais: enquanto nossa seleção tinha 17 jogadores debutando em Copas do Mundo, e com uma enorme carga extra de estar disputando o torneio dentro de casa, essa seleção alemã, com algumas exceções, está sendo preparada há 6 anos.

A preparação alemã faz parte de um PLANEJAMENTO (uma das palavrinhas da moda) montado depois da Copa de 2002 (quando perderam o título para nós) pela Federação Alemã de Futebol (DFB), que visa uma reformulação geral, tanto no seu campeonato interno, quanto na seleção. Vale lembrar que essa Copa é a quarta seguida em que a Alemanha chega a uma semifinal, sendo a atual vice-campeã, e que no ano passado o Bayern de Munique ganhou todos os títulos que disputou, sendo que a final da Champions foi jogada entre 2 times alemães.

Derrotas, na maioria dos casos, têm como principal (ou único) mérito mostrar que algo não vai bem. Que o planejamento inicial deve ser revisto e novos modelos devem ser criados, a partir de decisões que levam em consideração justamente o insucesso vivido. Análise de cenário inicial, variáveis e riscos não previstos etc. Tudo isso e muito mais faz parte de um planejamento.

Pois bem, essa derrota vexaminosa, a maior do futebol brasileiro, deve servir justamente para que seja revisto tudo o que tem sido feito no nosso futebol. É preciso que seja avaliado o conceito atual, a começar pela toda poderosa CBF, sempre envolvida em transações (no mínimo) duvidosas, e a seleção brasileira, chegando a federações, clubes e a formação de nossos jogadores.

O pior é que a perspectiva é de piorar o que está muito ruim, com o projeto da Rede Globo, com a subserviência da CBF, de “espanholização” do futebol brasileiro (para maiores detalhes, ler a coluna de ontem do amigo Marcus Vinícius Caldeira, aqui mesmo, no Panorama Tricolor).

Sobre a formação de jogadores, já havia escrito antes do início da Copa que a principal carência da nossa seleção era a ausência de um autêntico “camisa 10”. Um Conca. E citei como único representante brasileiro desse tipo de jogador o Felipe Coutinho, revelação do Vasco e que hoje joga no Liverpool. Emiti na época, inclusive, a opinião de que esse jogador deveria ter sido convocado para a Copa.

E o que vimos durante o torneio? Um total deserto de criatividade em nosso meio do campo, que já teve jogadores como Rivelino, Gerson e tantos outros. O que está acontecendo? Há quanto tempo não formamos um jogador com característica de meia-armador clássico? Qual o motivo dessa e de outras carências? Esse e muitos outros assuntos devem ser amplamente debatidos com toda a urgência que a situação exige. E, nada melhor do que uma derrota desse tamanho, uma calamidade em termos esportivos, para fomentar debates e mudanças. Que não percamos o bonde da história no futebol como já perdemos tantas outras vezes na política e na sociedade brasileira.

Fazendo uma reflexão imparcial, é fácil perceber que os últimos títulos que ganhamos, em 1994 e 2002, foram apoiados basicamente em 2 jogadores dos chamados foras de série: Romário e Ronaldo, respectivamente. Em 94, o baixinho teve como coadjuvante Bebeto e, em 2002, Rivaldo fez esse papel para o fenômeno. No mais, ambos os treinadores, Parreira e Felipão, utilizaram um ferrolho na marcação, confiando, como realmente aconteceu, que esses 2 jogadores decidiriam seus respectivos mundiais.

Fomos campeões, mas o que foi apresentado por nossos treinadores de inovação tática?

Acontece que jogadores como Romário e Ronaldo aparecem de muitos em muitos anos, são raros. Por favor, não pensem em Neymar para ocupar esse posto. Nossa atual estrela é um excelente jogador, talvez um craque, mas estou me referindo a outro patamar de jogador.

É provável que a presença de Romário e Ronaldo, e com eles os títulos, tenha fechado os olhos de todos para a deficiência, a paralisia, o atraso tático que vive o nosso futebol. Olhando para o Campeonato Brasileiro, o que se vê de novo em conceitos táticos? Nós, torcedores do Fluminense, podemos falar em Cristóvão. Há um ou outro aí que possa também ser citado. Mas é muito pouco.

Nosso futebol está infestado de técnicos como Felipão, Luxemburgo, Abel e Muricy, que nada de novo têm a acrescentar e que, para piorar, acham-se intocáveis e donos da verdade absoluta e definitiva. Basta ver a forma arrogante com que a grande maioria deles responde às perguntar que são feitas nas coletivas de imprensa. Por que será que treinadores argentinos fazem sucesso na Europa e brasileiros não? Por que Luxemburgo foi um retumbante fracasso em sua experiência no velho continente? A desculpa da incompatibilidade da língua não cola.

E toda a vez que se sugere que um técnico estrangeiro seja contratado por um clube, nossos técnicos, apoiados pela maioria dos jornalistas, sentem-se ofendido e iniciam uma campanha corporativista. Para o caso da seleção brasileiro nem se fala, ocorre quase uma revolução interna. O pensamento retrógrado é: como o “País do Futebol” (uma das maiores babaquices que a imprensa esportiva impõe ao torcedor brasileiro) pode aceitar que um técnico de fora venha nos ensinar treinamentos táticos e técnicos, preparação física etc.? Vale lembrar que Pepe Guardiola praticamente se ofereceu à CBF para treinar a Seleção Brasileira no ano passado. Daria certo já para essa Copa? Não sei. Mas acho que seria o início de uma nova era para o nosso agonizante futebol.

Faz parte das mudanças do futebol brasileiro a revisão de tudo que é feito também pela imprensa que o cerca. Nossos jornalistas, em sua grande maioria, são altamente danosos, nocivos à seleção e aos clubes. Faz-se premente que seus conceitos e objetivos sejam revistos e que alguns jornalistas, que exercem a profissão somente em benefício próprio, se lixando se estão ou não divulgando a verdade dos fatos e que manipulam de forma vil a opinião pública (o caso “flamenguesa” é prova disso), sejam alijados das redações e programas esportivos.

Esses 90 minutos serviram para escancarar uma ferida há muito aberta e quase podre no único motivo de orgulho que ainda restava ao sofrido cidadão brasileiro. Que esse jogo sirva para, que pelo menos nessa área, seja feita uma verdadeira revolução interna. E, por favor, nada de misturar política com futebol. No que tange à Copa, a política deve ser associada à roubalheira, ao superfaturamento que ocorreu para sua realização e à não utilização do Maracanã para um jogo sequer do Brasil (talvez o maior absurdo dessa Copa e mais uma mostra do quão tacanha é a nossa política) e nada mais. Se fossemos campeões, nada teria a ver com o partido que está no poder ser reeleito, como, a derrota, não deve ser considerada como o motivo para eleger a oposição. Não aceitemos sermos mais uma vez manipulados.

Sobre o jogo de terça-feira, alguns detalhes mais específicos que me chamaram a atenção:

Soberba: Essa é uma presença constante no futebol brasileiro. Seguindo o padrão nacional, Felipão não teve a humildade de admitir que o adversário fosse muito superior a nós e que a solução era fechar o time e explorar os contra-ataques.

Paulinho x Bernard: É fácil falar depois, mas a melhor opção (ou “menos pior”) era o Paulinho. Não pelo futebol que ele vem apresentando, mas justamente pela superioridade adversária. E mais, colocar o Bernard, daquela estatura e porte físico e sem ter treinado um coletivo sequer com o time titular, para jogar seu jogo de estreia justamente contra uma seleção como a da Alemanha, muito bem postada e com jogadores altos e fortes, parece ter a intenção de queimar o menino.

Desfalques: Thiago Silva fez muita falta. Não que com ele teríamos vencido o jogo. Sinceramente, acho que somente com Pelé e Garrincha em campo isso seria possível. Mas a presença do nosso capitão certamente daria uma consistência defensiva que não tivemos no jogo. Além disso, faltou um capitão em campo para dar uma chamada geral nos momentos de pane. Já Neymar pouco acrescentaria, já que praticamente o time não teve oportunidade de atacar o adversário.

Felipão 1: Não obstante minha opinião anterior à Copa de que se trata de um técnico ultrapassado, achei impressionante a sua falta de reação diante da desgraça que se agigantava à sua frente. Nosso treinador ficou impassível e não teve a iniciativa de corrigir seu erro na escalação inicial mesmo depois do 2º gol. Àquela altura a derrota era certa, mas a tragédia poderia ter sido evitada.

Felipão 2: Embora, para minha surpresa, nosso treinador estivesse bastante sereno na entrevista pós-jogo e tenha jogado em seus ombros toda a responsabilidade pela perda, Felipão falhou ao atribuir a derrota aos 10 minutos de pane do time. Se os responsáveis pelos destinos do futebol brasileiro tiverem esse mesmo pensamento pequeno, míope e reducionista, o futuro do nosso futebol passa a me preocupar ainda mais. É preciso que todos tenham consciência de que vivemos uma pane que se arrasta por décadas.

Imprensa 1: Talvez a opção do Felipão por Bernard seja explicada por seu receio do que essa nossa imprensa nojenta diria no dia seguinte, em caso de insucesso. Tenho certeza que as manchetes seriam: medo, retranca, covardia, esse não é o futebol brasileiro e por aí vai. Se o motivo era realmente esse, acabou ficando muito pior pra todo mundo.

Imprensa 2: Mais uma vez, esse lixo geral que é o (ir)responsável por divulgar as notícias que o cidadão lê diariamente, esperou a merda feder para vaticinar suas verdades absolutas. Por que poucos falaram que o time era fraco antes da Copa ou quando estávamos ganhando sem convencer? Por que enganar o torcedor até sermos eliminados? A resposta é simples: dessa forma, com o oba-oba de sempre, é que se vende jornal e se aumenta os índices das televisões. A verdade que se exploda. O que importa é sempre escrever e publicar o que o povão quer ouvir (olha o caso “flamenguesa” aí de novo). O que era dito antes da eliminação: VAMOS LÁ BRASIL, O HEXA É NOSSO. Depois: FELIPÃO NÃO DEVERIA SER O TÉCNICO, A CONVOCAÇÃO FOI EQUIVOCADA. Lixo de imprensa!

Fred: Realmente não dá para saber se Fred está ou não em má fase. Simplesmente porque a bola não chegou ele não teve oportunidade de jogar. O fato é que, capitaneado pela imprensa esportiva do país, o torcedor brasileiro elegeu Fred como o vilão de 2014. Prova disso foi que somente ele foi vaiado ontem no Mineirão (lógico que motivado pela torcida dos galinhas). Minha esperança é que ele volte mordido para o Fluminense, se dedique muito nos treinamentos e esteja em condições físicas de ajudar o Tricolor a conquistar o seu quinto Brasileiro, calando, assim, opinião pública. Pelo menos, essa seria a minha atitude para reconquistar a dignidade esportiva perante um país inteiro. Usando a linguagem dos boleiros, essa seria a atitude de um “homem”.

Alemanha: Gostaria de agradecer à seleção alemã. Primeiro, porque gosto, adoro ver um futebol bem jogado (aquele que se jogava no Brasil há muitos anos atrás e que era praticado ultimamente pela Espanha) e, nesse quesito, a Alemanha foi perfeita, linda, encantadora. Obrigado Neuer, Lahm, Kroos, Schweinsteiger, Ozil e Muller; segundo, pela dignidade e seriedade com que os jogadores encararam os mais de 90 minutos de jogo. Em momento algum menosprezaram o adversário, mesmo que parecessem enfrentar uma equipe juvenil (ou sub-17, na designação moderna), tamanha a facilidade que encontraram para tocar a bola e fazer os gols; por fim, porque mesmo mantendo a seriedade, os jogadores alemães “tiraram o pé” no 2º tempo. Se os adversários tivessem mantido o ritmo da 1ª etapa, o placar teria certamente passado de 10 e a vergonha seria ainda maior.

Acho que é pedir demais que o povo não caia na lábia da imprensa e encontre culpados individuais para a perda da Copa. Os jogadores não tinham obrigação de conquistar o título e a declaração inflamada com essa afirmativa foi o grande erro cometido pelo Parreira e confirmado pelo Felipão. É preciso que, pela primeira vez na história do nosso futebol, tenhamos humildade de valorizar o adversário, admitamos a grandeza da Alemanha e a superioridade do seu futebol no momento atual. Ocorreram falhas individuais, como nos casos de Júlio Cesar, David Luis (um dos 2 melhores jogadores, ao lado de Thiago Silva, até então da seleção) e Fernandinho, mas não vamos fazer em 2014 o absurdo que foi feito há 64 anos atrás. Diante do quadro sombrio do futebol brasileiro, os jogadores são os menos culpados (vale muito a pena ler o texto do Romário, divulgado logo após a derrota de terça-feira, sobre o lixo que cerca e permeia a CBF).

Panorama Tricolor

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Imagem: http://www.bbc.co.uk/