Ainda sobre o Fluminense 121 (por Paulo-Roberto Andel)

O aniversário continua. Não, não virei um paspalho alienado do mundo de Pollyanna, dando de ombros para as barbaridades administrativas que hoje infeccionam o organismo do clube. Nunca tive vocação para alienado nem quando era um garoto que, involuntariamente, furou a greve da nossa torcida contra o Bangu em 1982. Não, eu não sou um narumbleiguer como diria o querido MC Magalhães. Explico.

Nos últimos meses, tenho vivido os piores dias da minha vida desde que meus pais morreram e meu irmão foi embora – é uma luta sem trégua, de segunda a segunda. A caminho dos 60 anos, tenho acumulado uma imensa quantidade de decepções com diversas pessoas, inclusive tricolores. Minha cidade é cinza até nos dias mais ensolarados. Vivemos a capital da melancolia, ao menos nós que pensamos minimamente no outro e sofremos com a miséria por todo lado.

Então, fiz do aniversário do Fluminense o meu calmante, a neblina da ganja – que não fumo -, o gole de caipivodka – que seria deliciosa agora. Sentar à beira de Copacabana, traçar um petisco e ficar olhando para o mar aflito, namorar a beleza da geografia do Atlântico Sul.

Em plena sexta-feira falida e tristonha, ouvi muito Ed Motta no trabalho – ao vivo, com uma banda fenomenal no começo dos anos 1990 e aquilo imediatamente me remeteu para 1991, um ano em que merecíamos ter sido felizes nos títulos, mas tivemos o prêmio de consolação de grandes jogos no Maracanã e nas Laranjeiras. Imaginem vocês que vivíamos a época do chamado “Bom, bonito e barato”, com times muito humildes, mas jogadores como Ricardo Pinto, Válber, Torres, Pires, Renato, Ézio e Bobô, que nada devem aos de hoje. E posso também pensar em vacas magras de anos como 1977, onde ganhamos a monumental Taça Teresa Herrera – das mais valorizadas do mundo, com feras como Wendell, Edinho, Marinho Chagas, Pintinho, Cléber, Rivellino e Doval – naquele tempo, não ir às finais do Carioca era considerada uma desgraça. Nos juniores e subindo, só na ponta esquerda havia quatro jogadores: Silvinho (que faria grande sucesso no America), Gilson Gênio, Mário (que seria o camisa 10 de 1980) e Zezé (o ponta esquerda campeão de 1980). Entre raspas e restos, ainda podemos lembrar de Erivelto e Arturzinho, dentre outros. O Carlinhos ainda estava por lá também.

Tudo isso me remete aos meus botões, aos jogos e diversões com colegas inesquecíveis, campeonatos divertidos. A mão de meu pai, me levando para os jogos, o mergulho naquela arquibancada fascinante. Tudo era Fluminense: jogar bola na praia, na vila, ouvir radinho toda noite, sonhar com o Globo Esporte, conversar com os amigos na escola e na rua. Era 1977, 1978, 1979, tudo isso tem mais de 40 anos mas me parece vivo demais desde ontem, como se eu pudesse me dar ao luxo de ter mais 50 anos de Fluminense pela frente.

Estar aqui hoje, escrevendo às oito da manhã depois de ter dormido às quatro e meia, é a tradução de ainda pensar no Fluminense, de sonhá-lo e desejá-lo como a criança que eu fui porque, de alguma forma, é o sonho da infância que me mantém vivo. É trazer meus pais e meu irmão de volta, é trazer meu amigo João Carlos de volta e, com isso, reavivar nossas resenhas tricolores no edifício Pampeiro e no mitológico bar Sniff’s, no Shopping dos Antiquários, onde o maestro tricolor Arthur Verocai tinha um estúdio musical sem que eu soubesse.

E fazendo uma viagem acordado pela memória, eu salto da infância e juventude para conversar com o Marcelo Diniz e ambos lembrarmos de quantas vezes vimos o Henrique Pires em grandes atuações na TV e agora ele bate papo conosco. Ou as feras que nos mandam abraços, como Edinho, Rubens Galaxe e Gilberto. Ou de poder falar para Pati que o nome de seu pai, Félix, é a primeira palavra que me remete ao Fluminense. Ou minha mãe, que não ligava para futebol mas se dizia Flamengo e depois virou Flu para me deixar feliz.

Tanta coisa se passou nesses anos todos e o Fluminense ficou. Perdurou diariamente, foi meu bálsamo e morfina, foi minha alegria e sofrimento, foi sempre a busca pela próxima partida, o próximo jogo, o próximo jogo, ouvir o radinho, ler jornais, esperar o Conversa de Arquibancada na TV domingo e sonhar que meu pai dissesse “Paulo, tome banho para irmos ao Maracanã”. Eu ainda sinto aquela espessa nuvem de pó de arroz, aquele mar de bandeiras em fila indiana subindo para as arquibancadas. Alguém falou numa live sobre as almofadinhas que a gente usava pra sentar no conversa. Quem vai lembrar das laranjas vendidas perto da entrada do estádio? Quem vai lembrar do escudo do Fluminense multiplicado por três no maravilhoso placar de lâmpadas, quando o time entrava em campo e surgia na TV?

Oito e pouquinho da manhã, eu tenho saudade de muita coisa. Não é saudosismo, mas a simples constatação de que vivi coisas espetaculares por causa do Fluminense. Ele me levou a situações maravilhosas de sentimento que ainda não acabaram. Essas coisas me mantém vivo, com oxigênio à vontade e treze anos de idade!

Não tem jogo neste final de semana. Me proponho a descansar e sonhar com o Fluminense que eu vivi. Botões, colegas, bandeiras, escudinhos e livros, que consegui escrever. Por ora, a vibe combativa tira dois dias de folga, o homem de quase 55 anos dá espaço a um de 15 ou 13 ou 10 e a realidade vira a fantasia de ser Fluminense. Não preciso dizer que eu vejo jogos reprisados e, mesmo quando perdemos, sonho com as viradas impossíveis porque, se sou Fluminense, é porque me acostumei com viradas grandiosas, triunfos surpreendentes e a eterna sina por desafiar definições com gols no último minuto, gols de cabeça, de barriga, do meio de campo etc.

Na segunda-feira a gente volta ao quase normal.

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Que esta coluna sirva de alento para a recuperação definitiva de Alberto Lazzaroni, cujo estado de saúde inspira cuidados sérios. Alberto também é testemunha de muitas viradas espetaculares. Basta fazer consigo mesmo o que tanto viu. E fará.